TEXTOS DE REFLEXÃO SOBRE A CRISE NA EUROPA E OS MIGRANTES – 3. CRISE MIGRATÓRIA: A EUROPA CORTADA EM DUAS? ENTRE A ÁUSTRIA E A HUNGRIA, UM MURO CULTURAL – por JÉRÉMIE LORENTER

refugiados - I

 

Selecção e tradução por Júlio Marques Mota

refugiados - III

3. Crise migratória: a Europa cortada em duas?

Entre a Áustria e a Hungria, um muro cultural

Jérémie Lorenter, Crise migratoire: l’Europe coupée en deux? Entre l’Autriche et la Hongrie, un mur culturel

Revista Causeur, 18 de Setembro de 2015

 

Em  Viena, o governo enerva-se  cada vez mais com o seu vizinho húngaro. O chanceler austríaco, Werner Faymann, está incomodado  pela maneira como Viktor Orbán  gere a crise dos migrantes. “Desqualificou-se politicamente”, disse   o Austríaco quando o Húngaro construía a sua barreira transfronteiriça. “É irresponsável” trovejava ainda quando o seu homólogo se dizia estar a respeitar o regulamento europeu de Dublin e retinha (a Austríaco preferiu o verbo “estacionar”) os migrantes na estação de Budapeste.

Mas onde Orbán foi demasiado longe,   foi  quando uma obscura questão  de comboios fretados pelo governo húngaro, para deslocar os migrantes contra a sua vontade, estoirou: “ colocar os  refugiados nos comboios e enviá-los   para  um lugar completamente diferente daquele para onde  pensam ir, isto faz-nos recordar  as horas mais sombria do nosso continente” disse   numa entrevista, irritado, o líder social-democrata de Viena.

Várias precisões se impõem. Primeiramente, os Austríacos tal como  os Alemães não se embaraçam com  precisões, falam apenas “de refugiados” (“flüchtlinge”), ou seja de pessoas que fogem legitimamente das perseguições e exigindo o respeito dos direitos atribuídos pela famosa Convenção de Genebra. O mundo mediático germânico criou um Weltanschauung a  preto e branco, com angélicas refugiadas de  olhar terno e cheias de  aflição e de amor, que se deveriam receber e acolher de braços  abertos, face aos húngaros bárbaros e quase sanguinários, nacionalistas e reaccionários. Em segundo lugar, Faymann emprega a expressão já gasta  “das horas mais sombrias”, etc. Por um lado pode-se rir pelo facto de um austríaco se permitir utilizar esta expressão, por outro lado, podemo-nos sentir  ultrajados pela  eterna  relativização dos crimes nazis. À este ritmo, quando haverá houver bichas para  obter as ajudas sociais nos centros de acolhimento dos refugiados, Faymann não hesitará em a fazer a comparação com as condições de vida no campo de Mauthausen.

Orbán primeiro ter-se-á  descontrolado: convocou o embaixador da Áustria em  Budapeste ao seu Ministério dos Negócios Estrangeiros, para ter uma explicação sobre a declaração austríaca. Este procedimento tornou-se anedótico no que foi  o império do Habsbourg: dos dois lados da fronteira, cada embaixador já foi  convocado várias vezes este mês na sua  respectiva capital de serviço. Mas Orbán, sobre um tom calmo, quase cabotino, concedeu  uma entrevista ao jornal austríaco Die Presse, para explicar definitivamente a sua posição. “Tenho boas relações com Werner Faymann. Quando falamos, ele  não utiliza as expressões horríveis que utiliza na imprensa. É o jogo político, isto não é “sério”  assegura o chefe de Estado.

Este  vai na realidade mais longe  do  que  indicam estes simples elementos de linguagem para explicar a incompreensão ontológica entre Viena e Budapeste. Segundo ele, a Europa está dividida em duas  e a fronteira austro-húngara é com efeito uma linha de falha que corresponde a uma fronteira bem maior: uma fronteira civilizacional. De um lado o Ocidente relativista, na linha de uma tolerância extrema em termos de direitos do homem,  liberal e em boa via de islamização , do outro lado, estão os  países que procuram permanecer soberanos, cristãos e tradicionais. “O essencial, é o desafio da integração destes muçulmanos. Na Europa, esta não é feita: sociedades paralelas vivem umas ao  lado das outras no seu dia-a-dia . Não nego a nenhuma  nação o direito de funcionar desta  maneira. Mas nós, na Hungria, não queremos seguir esta via”. Hoje, uma grande parte da população francesa já não esconde que partilha a constatação feita pelo húngaro:   a integração dos muçulmanos não funcionou em lado nenhum.. Infelizmente, escolheu-se para nós a via do multiculturalismo  e a sociedade paralela muçulmana foi efectivamente criada, pensam eles. Se se adere a  esta constatação, como é que se pode querer que Orban   procure  evitar esta catástrofe, sem estar disposto a ignorar as obrigações do dever de asilo? É nesta questão que se encontra, de acordo com Orban, a fractura civilizacional: o interesse nacional prima sobre as considerações morais a leste, quando o interesse nacional quase que já não existe a oeste. Outra coisa, o primeiro ministro agarra-se à cristandade, mas parece limitá-la  à razão de Estado, como é  permitido pela sua capela política: “Quanto às posições do papa Francisco,  este  pediu a  cada paróquia que acolhesse uma família), respeito-o. Mas como protestante, sou daqueles que pensam que não ele não é infalível.” O Ocidente, pelo contrário, tem na opinião de  Orban,  tudo perdido,  tanto em termos de  cristandade como da razão de Estado.

Certos jornais explicam  a hostilidade húngara ao acolhimento dos migrantes, maioritariamente muçulmanos, pelo  longo período de submissão do  país ao império otomano e ao seu califa, que teria deixado sequelas até aos nossos  dias. Talvez. Seja como for, Orbán permanece firme nas suas convicções. Assume o seu contra-modelo, que ousou mesmo comparar ao – horresco referens – de Vladimir Poutine. Numerosos são os que nele se quereriam inspirar, mais a Ocidente que a Leste, que estes votem pelo FPÖ na Áustria ou pela FN na França. Infelizmente para eles, vêem-se tratados de  populistas, de nacionalistas, ou acusados  (como Marine Le Pen por Nicolas Sarkozy) de falta de humanidade para com os migrantes. Cola-se-lhes   a fotografia do pequeno Aylan Kurdi na frente dos olhos repetindo-lhes que isso é por culpa deles, que isso é da  sua  responsabilidade, quando na Hungria estes são chamados de patriotas (“hazafi”). Mas o que é que se quer  que seja verdade para cá deste  Burgenland[1], e errado para lá dele.

 Jérémie Lorenter, Revista Causeur,    Crise migratoire: l’Europe coupée en deux?

Entre l’Autriche et la Hongrie, un mur culturel.  Texto disponível em :

http://www.causeur.fr/autriche-hongrie-migrants-mur-34620.html

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[1] O Burgenland é a região austríaca fronteiriça  com a Hungria

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