21 notas sobre os ‘violadores não brancos’ na Alemanha – por Nazanín Armanian

Falareconomia1

Selecção e tradução de Júlio Marques Mota

21 notas sobre os ‘violadores não brancos’ na Alemanha

16

Nazanín Armanian(*)

Nazanín_Armanián_2015

In blog.publico.es de 24Jan2016

As informações difundidas sobre os lamentáveis incidentes de passagem de ano na cidade alemã de Colónia são desconcertantes, surrealistas:

  1. Como é possível que na festa de fim de ano, uns mil homens não armados agredissem sexualmente dezenas de mulheres (incluída uma agente de polícia armada!)? E como é possível que isto se passasse numa praça central de uma cidade em estado de alerta máximo antiterrorista – devido às ameaças do Daesh – e que além disso está sob vigilância de uns 230 polícias e um número indeterminado de agentes dos serviços secretos?

  2. Como é possível que não existe nem uma só imagem das ditas agressões com a quantidade de móveis com câmara que haveria entre os que assistiram e as vítimas, enquanto recebemos dezenas de fotos das guerras no Afeganistão, no Iraque, na Síria ou no Sudão? A foto que foi difundida corresponde ao assédio a uma mulher na Praça de Tahrir no Cairo!

  3. É credível que os polícias alemães – grandes como armários e além disso armados – tivessem receio da massa de homens baixinhos, desarmados e de “pele escura” do Terceiro Mundo? Tinham ordens para não atuar?

  4. O relatório da Polícia de Colónia de 1 de Janeiro fala de um “ambiente descontraído” e de “celebrações pacíficas”, afirmam os grupos progressistas; todavia, dias depois um outro relatório menciona roubos, assédio sexual e inclusive violações. Com o passar dos dias, as mulheres de Alemanha (que não têm o mesmo perfil das do Yemen) encheram-se de coragem e apresentam entre 200 e 500 denúncias segundo esse relatório.

  5. Porquê aqueles sacerdotes que advertem quanto à “invasão de emigrantes, e que nem todos os refugiados são trigo limpo”, não advertiram as criaturas afegãs e iraquianas de que centenas dos 600.000 homens cristãos, armados até aos dentes, iam destruir os seus lares e países; e violar e matar as mulheres e os homens da nação invadida? Ron Atkey, o ex-ministro da Emigração do Canadá, que autorizou a entrada de 60.000 refugiados na década de 1970, recorda que o alertaram de que “os recém chegados vietnamitas poderiam ser comunistas infiltrados pelo Governo do Vietnam”. Mas não foi assim.

  6. Há quem diga que os que pedem asilo, com telemóveis na mão e falando inglês, não necessitam ajuda. Claro, décadas e décadas de propaganda massiva sobre um Sul ancorado na Idade da Pedra, que necessita de guerras civilizadoras do Ocidente, agora traz consequências: que a Síria ou o Iraque eram sociedades avançadas e que qualquer ser vivo, incluídos os seres humanos das classes alta e média, foge de bombas e mísseis.

  7. Segundo Heiko Maas, ministro da Justiça alemão, o incidente, ao que parece, tinha sido planeado. Mas, por delinquência organizada ou por fins políticos? Dias antes, disseram-nos, que um obscuro grupo do Daesh tinha distribuído um manual para que os seus homens não se pareçam com terroristas.

  8. Sabendo-se que em muitos eventos de grande envergadura como os carnavais, com álcool e drogas pelo meio, existem homens que agridem sexualmente mulheres dentro da normalidade – como na festa alemã da cerveja Oktoberfest em que há umas 200 denúncias todos os anos – qual foi a verdadeira dimensão do incidente de Colónia, quando em 2014 houve 199 denúncias de agressões sexuais nesta mesma cidade?

  9. A revista Charlie Hebdo publicou uma aberrante caricatura na qual umas alemãs fogem do cadáver do pequeno Aylan caído na praia, insinuando que, se tivesse sobrevivido, em adulto teria sido um violador. Que pretende Charlie Hebdo?

  10. É surpreendente a repentina sensibilidade de alguns partidos quanto à integridade física dos cidadãos, os mesmos que olharam para o outro lado quando pelo menos 200 crianças do coro religioso dirigido por nada mais e nada menos que Georg Ratzinger – que não era nem refugiado, nem muçulmano – sofreram abusos sexuais durante três décadas. Em 70% dos orfanatos alemães, milhares de crianças sofreram abusos sexuais.

  11. Os racistas pretendem provocar xenofobia e fobia aos pobres, dividindo a população em nativos e estrangeiros, árabes ricos civilizados (com os quais fazem grandes contratos de armas) e árabes pobres incultos, e evitando que os refugiados consigam no futuro a cidadania alemã.

  12. Porquê e quem está a centrar o debate sobre a origem dos agressores e não no assédio sexual às mulheres, num país no qual, segundo um relatório do ano de 2008 – antes da chegada de homens não brancos – 40% da população feminina sofria abusos sexuais e violações, e duas em cada três, além disso, no ambiente familiar?

  13. Estamos perante uma nova fórmula de criminalizar os estrangeiros vindos dos países muçulmanos: antes eram potencialmente terroristas; agora, além disso, são imorais, desagradecidos e perigosos para a civilização europeia.

Angela Merkel, em apuros

  1. Jakob Augstein, colunista do Spiegel, afirma que esta crise é um “Putsch” (Golpe de Estado) do ministro do Interior, Thomas de Maizière, e do das Finanças, Wolfgang Schaüble (os Xavier Garcia Albiol alemães**) contra a chanceler, enquanto a extrema direita pediu a demissão da dirigente “ex-comunista”.

  2. A permanência de Merkel no poder, que ia ser a personagem do ano por acolher milhares de refugiados, depende agora da sua capacidade para impedir a entrada de mais refugiados e inclusive para reduzir o seu número, como exige a União Cristã Social (CSU), sócio da CDU no Governo, que ameaça romper a coligação governante.

  3. As promessas de Merkel à Turquia, de a deixar entrar na União Europeia e inclusive pagar-lhe 3.000 milhões de euros para fazer de polícia das fronteiras europeias (se deixar de enviar milhares de refugiados para a Europa), ainda não surtiram efeito. Suplantada por um problema europeu, convertido em alemão, tentará repartir os refugiados entre os sócios da UE. Até que ponto as autoridades da Turquia ou da Grécia lhes interessa deitar a mão a Merkel?

  4. A ultra direita, que alimenta os temores do subconsciente do cidadão para conquistar o poder, conseguiu que uma centrista Merkel, que continua a negar-se a fechar as fronteiras alemãs (sobretudo pela sua inutilidade), afirmasse que o multiculturalismo (aliás, mal compreendida pelas forças progressistas) é uma farsa. A chanceler, cuja etapa no poder parece que chega ao seu fim, tomará medidas repressivas contra os refugiados. Se o imperialismo alemão tem a ambição de recuperar o seu peso no Médio Oriente e no mundo, não pode ser isolacionista como lhe pedem alguns.

  5. Será restringido o direito de asilo ao substituir-se o “procedimento acelerado” pela “proteção subsidiária”. Assim, um refugiado que podia permanecer na Alemanha durante três anos – com direito a reagrupamento familiar e a conseguir a residência permanente no caso de se manter o motivo da sua fuga – , deverá abandonar o país depois de um ano.

  6. É imprescindível uma educação secular da cidadania contra o racismo e o sexismo, e não confundir liberdade religiosa com a liberdade de ensinar os textos sagrados carregados de apologia incitadora da discriminação e do ataque ao outro ou à outra. Confundir uma mulher com roupa ligeira como um convite a ser agredida é sintoma de um sistema patriarcal liderado pelos homens que, ao mesmo tempo, pertencem a essa classe de gente que desdobra um cartaz obsceno num campo de futebol contra a cantora Shakira para atacar o jogador do Barcelona Gerard Piqué (seu par).

  7. Os refugiados não devem ser o bode expiatório para servir os interesses infames e perigosos dos mesmos políticos que são responsáveis pela sua tragédia.

  8. As notícias sobre o incidente de Colónia têm cara de ser uma tática de descomoção e pavor [Shock and Awe, nome que o Pentágono deu ao bombardeamento massivo que iniciou a invasão do Iraque] para assaltar, de novo, os direitos dos cidadãos e dos recém chegados, assim como para justificar uma intervenção militar alemã no Médio Oriente.

(*) Natural do Irão, é uma escritora e politóloga exilada em Espanha desde 1983. Licenciou-se em Ciências Políticas pela Universidade Nacional de Educação à Distância (UNED), professora de Ciências Políticas na UNED de 2009 a 2013, professora de Questões Islâmicas de cursos complementares da Universidade de Barcelona de 2007 a 2012. Em 2015 ministra a cadeira de Relações Internacionais da UNED. É autora de diversos livros (Irán, la revolución constante coautora com Martha Zein (Flor del viento 2012); El Islam sin velo coautora com Martha Zein (Ediciones del Bronce (Planeta) 2009); Irak, Afganistán e Irán: 40 respuestas al conflicto de Oriente Próximo coautora com Martha Zein (Lengua de trapo, 2007); Cuentos persas (Ediciones de la Torre, 2006); Al gusto persa: tradiciones y ritos (Zendrera, 2006); Kurdistán: El país inexistente (Flor del viento, 2005); El viento nos llevará: poesía persa contemporánea (Libros de la Frontera, 2001); El cuentacuentos persa: los relatos que hicieron soñar al emperador (Océano, 1997).

(**) Político espanhol do Partido popular.

Ver o original em:

http://blogs.publico.es/puntoyseguido/3124/21-notas-sobre-los-violadores-no-blancos-en-alemania/

Leave a Reply