A IDEIA – textos e escolhas de António Cândido Franco – MANUEL DE CASTRO – A ESPINHA ÚNICA, META FÍSICA, INSULTANTE DA POESIA – 3 – por FERNANDO J. B. MARTINHO

ideia1Nas duas últimas secções do seu segundo livro, A Estrela Rutilante, vamos encontrar o poeta procurando renascer naquele Oriente ao oriente do Oriente de que fala um dos exemplos maiores do nosso orientalismo poético, o Opiário de Álvaro de Campos. O Oriente, no seu caso pessoal, não tinha apenas contornos míticos, fazia parte da sua própria biografia. Da infância em Goa guardaria ele certamente algumas memórias de vivências e atmosferas. Mas o mito, esse, não estava também, de modo algum, ausente destes poemas, situando-se a última secção do livro precisamente sob a égide de O Rosto de Ísis. O que, aqui, move o poeta ao canto é essencialmente aquilo que António Maria Lisboa, sem dúvida uma das suas referências entre os poetas do Grupo Surrealista Dissidente, chamava o saber do Oculto. Por isso o vemos em busca da Kabala, em demanda da palavra/ simples que é a matéria que oculta a matéria oculta, embalado pelo Sortilégio das águas sibilinas, e intentando cingir o que seria a inalcançável essência do poema hermético. Valerá a pena transcrever o texto do livro Chuva num dia de finados a que deu exactamente o título de Poema hermético: Tudo concorre para um sentido único/ exacto como o abismo/ perfeito como a cor./ Correcto e absoluto, verdadeiro,/ onde o espírito se encontra,/ não morre, …………… eternamente,// E // vibra. Esse sentido único, no entanto, talvez se encontre, como o poema seguinte deixa perceber, no lugar secreto, imperscrutável… no/ profundo… no imensurável… no glorioso…. Por enquanto, ao poeta sñ resta a sua integração no que chama, nesse mesmo texto, os habitantes do enigma.

Há um poema de meados dos anos 60, dos tempos em que viveu na Alemanha, creio que em busca duma cura para o alcoolismo, em que faz uma comparação entre a sua situação presente e o seu passado reactivo, insubmisso, de raiva e de combate, mais precisamente entre a sua arte de um tempo e de outro. Em tempos, diz ele, a sua arte era furiosa e aguerrida. Agora, prossegue, pulsa nos músculos feridos/ da Palavra Que, remata ele, utiliza e demora. O que, antes, era um poeta agitado pela fúria, pela ira contra o establishment que era não só o país mas toda a existência, vê-se agora como um inventor de pedras, como Um lírico reflexivo com origem em três entidades que vai enumerar: o amoŗ, a morte a sombra. E termina o poema 26 com as combinações que é possível estabelecer entre essas três entidades, que é impossível não aproximar das três parcas: Da sombra da morte./ Do amor da morte./ Da morte do amor.// Da sombra do amor./ Da sombra da morte./ Do amor da sombra.

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