Deem licença, mais uma vez, para perguntar sobre literatura, que neste mundo que andamos a sobressaltos, é difícil encontrar razão, em meio de tanto discurso e paixão nacional, religiosa, política.
Deem, pois quem diria que começar o século XXI (todavia perguntando-nos perplexos pelas tecnologias habituais) ia ser em tanta cousa um remake das primeiras décadas do anterior.
Deem que resulta esquisito andar a falar em literatura entre tanta agitação, terror, crise económica, mudanças políticas anunciadas mas nunca chegadas, com uma Europa agasalhada com os sonhos do imperialismo e o racismo assomando por baixo das sobre-vestes, uma África ainda despertando dos velhos colonialismo entre realidades dos novos, uma América do Sul assombrada de novo, ai Brasil, pela direita golpista.
Mas por que não? e se a globalização continha um algo de universalidade e humanismo? um sonho de neo-latins ou de re-fazer as línguas internacionais, obrigadas pela rede a servir de ferramentas comuns a grupos de utentes? perdeu?
Os tempos são agitados, e após talvez um efémero espertar neo-humanista paralelo à descoberta da imprensa, a razão dos estados, a obsessão pelo controlo e fronteirização da internet produziu monstros, os mesmos monstros – tão velhos – das guerras económicas, políticas, sob a máscara da religião?
Por que é importante – ponhamos por caso e em exemplo – e agita tanto a consciência dos letrados que o Brasil decida eliminar do currículo escolar a História da Literatura Portuguesa?
A Literatura é a Língua? a Língua é a Nação? a Nação é o Estado? a Ortografia é a Língua? Daquela por que tanto debate num Estado com as cousas do outro? Por que tanto debate com o Acordo? uma Ortografia é uma Nação?
O concepto de literatura nacional, de língua nacional é absurdo e romântico, plenamente europeu e político: a Literatura como a Língua ou a Ortografia não são a nação, nem bases da Identidade. Não foram até o século XIX, derivando a fins do século XVIII após épocas de simples belas letras e séculos de “universais” e depois de décadas de uma luminosa fase de neo-humanismo à francesa.
A identidade é uma invenção, como a ortografia, um acordo, um pacto social, como uma Constituição ou um Código de leis. É uma decisão coletiva, elaborada por minorias, imposta ou votada, reformável e debatível.
Mas por que a História da Literatura Nacional, integra os currículos escolares e as paixões dos letrados? e que passa com a Pintura, a Música, a Escultura, o Cinema? São menos identidade ou serviram menos às invenções nacionais? Por que a História Nacional enche também os currículos académicos e se reivindica tanto hoje por hoje como elemento e escudo, como bandeira dos “nossos valores”, da “nossa europeidade”?
Vivemos, quem ia dizer, momentos bárbaros e exaltados, de paixões que se agitam e nos que voltam e se escolhem livros, discursos, proclamas, programas de energética concentração nacional. E se abandonam, lógica e infelizmente os sorrisos tristeiros, as hesitações ricas em caminhos e as perguntas mundanas e perplexas daqueles humanistas e iluministas.