Selecção e tradução de Júlio Marques Mota
A moeda central (2/3) – explicações
Olivier Berruyer, La Monnaie Banque Centrale (2/3) – explications
Les-Crises.fr, 15 de Março de 2012
A fim de efetivamente compreender o que fez o BCE, é necessário compreender bem como circula a moeda.
Vamos pois tentar fazer uma apresentação, que vamos tentar que seja o mais simples possível, talvez até a simplificar um pouco – o meu objetivo não é o de redigir um artigo para um manual de economia de mestrado mas que se compreenda bem. Com efeito, é bastante simples, o mais difícil é combater as falsas ideias e intuições erradas.
I. Introdução
Comecemos como introdução por apresentar algumas ideias e factos simples de serem entendidos – mas frequentemente mal percebidos.
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A moeda é essencialmente escritural
A maior parte da moeda mais não é constituída por peças metálicas e notas (15%), mas sim por moeda escritural e esta atinge cerca de (85%) do total. Numa definição mais precisa, esta moeda escritural existe essencialmente através dos saldos das contas – correntes dos bancos (“os depósitos à vista”), que modificam a repartição por registos contabilísticos (daí o adjetivo “escritural” para esta palavra).
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O pagamento por notas
Tomemos o caso da entrega de uma nota de 100 € do agente económico X ao agente económico Y. A análise é simples:
O património do Sr. X reduz-se de 100 € e o do Sr. Y aumenta de 100 €.
Note bem. Estabeleço aqui o balanço pessoal como o de uma empresa; chamo “Caixa” ao total de valor em moedas e notas em caixa.
3. O depósito bancário é um crédito
É uma evidência, mas quando se “deposita” dinheiro no banco (uma nota de 100 € por exemplo), perde-se a propriedade física da mesma. Com efeito há uma “ troca”, entrega-se o dinheiro contra a promessa do banco em voltar a entregá-lo logo que lhe seja pedido, logo que se apresentem ao balcão para a levantar (daí o nome “depósito à vista”). Com efeito “fez-se” um empréstimo ao banco, emprestou-se-lhe o dinheiro (aqui uma nota, mas isto não constitui a única fonte dos depósitos à vista) sem remuneração e por uma duração não definida.
O depósito bancário é uma operação de crédito-empréstimo, que gera um crédito no património do depositante (materializado pelo nosso extrato de conta) e um empréstimo tomado pelo banco (as contas bancárias figuram no passivo do banco e no ativo do depositante).
Imaginemos então que o senhor Y vai depositar uma nota no seu banco:
A caixa do Sr. Y reduz-se de 100 €, mas tem em troca um crédito de 100 € sobre o banco dado que a sua conta corrente aumentou de 100 €. O seu balanço não se alterou, a operação é evidentemente neutra.
O banco dispõe doravante de uma nota de 100 € em caixa mas tem, além disso, igualmente uma dívida de 100 €. A dimensão do seu balanço aumentou de 100 €.
No final, tudo se equilibra harmoniosamente – são as alegrias da contabilidade…
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A moeda é dívida do banco que circula
…
Na prática, a maior parte das operações não passam por trocas físicas de notas. É mais simples pagar por cheque. Imaginemos por conseguinte que o Sr. X pagou por cheque ao Sr. Y:
Constata-se que se tem o mesmo efeito que anteriormente para os balanços do Sr. X e do Sr. Y mas que para o banco as coisas são muito mais simples: este basta-lhe apenas debitar a conta X e creditar a conta de Y por um simples jogo de registos contabilísticos, de escrita (reencontra-se aqui efetivamente a noção de moeda escritural).
É por isso que se diz frequentemente que a moeda escritural é simplesmente a dívida do banco a circular.
Tudo isto pode parecer ligeiramente complicado, porque se fala aqui de moeda escritural, por conseguinte intangível. Mas imaginemos simplesmente que se recebe um reconhecimento de dívida de 100 € de Bill Gates, perfeitamente autenticado. O seu titular, tem apenas um bocado de papel em mãos. Mas imaginemos que todos saibam que se trata efetivamente de um reconhecimento de dívida assinado por Bill Gates e que todos têm confiança nele: poderia bem pagar o vosso talhante com esse documento de dívida, seguidamente o vosso hipermercado – é tudo uma questão de confiança. É muito simplesmente isto o que se passa com a moeda escritural, “dívida de banco que circula”.
O leitor não está ainda completamente convencido (e)? Pois bem, espero que o compreenda bem ao saber que uma nota do banco é contabilisticamente uma dívida do Banco central – dívida que tem a particularidade de não ser exigível, desde o fim da convertibilidade das moedas em ouro. De forma mais simples: uma nota do banco central é pois uma dívida da sociedade em circulação e que esta reconhece a todo e qualquer momento que o seu utilizador o queira: basta gastar o dinheiro.
Notas americanas de 19 e 20 dólares de 1905 e 1922 convertíveis em ouro
Quando uma nota era convertível em ouro, compreende-se efetivamente que a nota era uma dívida para o Banco central. A lógica permaneceu a mesma.
Assim, para a moeda papel como para a moeda escritural, a moeda é sempre dívida de banco a circular …
(continua)
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