Selecção e tradução por Júlio Marques Mota

Lord Mervyn King: porque é que despejar dinheiro sobre o pânico financeiro nos levará a uma nova crise
Mervyn King, Lord Mervyn King: why throwing money at financial panic will lead us into a new crisis
The Telegraph, 27 de Fevereiro de 2016
(CONTINUAÇÃO)
…
Assinalando fendas à superfície
O epicentro do próximo terremoto financeiro é tão difícil de prever como um terramoto geológico. É improvável que seja entre os bancos em Nova York ou de Londres, onde os tremores de 2008 levaram a quer se tenham feito esforços para melhorar a resiliência do sistema financeiro.
Mas existem muitos outros lugares onde as forças subjacentes de desequilíbrio nas suas economias poderiam levar a abrir grandes fendas na respectiva área – mercados emergentes que terão deixado disparar o seu endividamento, a zona euro com as suas linhas de falhas, a China com um sector financeiro a enfrentar grandes perdas, e no Médio Oriente ou mais próximo da Europa com um aumento das tensões políticas.
Desde o fim da crise bancária imediata em 2009, a recuperação tem-se feito de modo anémico no melhor dos casos. No final de 2015, a recuperação mundial tem sido mais lenta do que o previsto pelos formuladores de políticas e os bancos centrais tinham adiado o inevitável aumento das taxas de juro por mais tempo do que parecia ou que poderia ser mais provável.
A recuperação mundial desde a crise não tem sido nem forte nem sustentável nem equilibrada
Houve um défice contínuo de procura e de produção relativamente à sua tendência de pré-crise de cerca de 15pc. Estagnação – no sentido da produção remanescente persistentemente abaixo da sua trajectória anteriormente prevista – mais uma vez se tornou sinónimo com a palavra capitalismo. A perda de produção e de emprego de uma tal magnitude revelou o verdadeiro custo da crise e abalou a confiança na nossa compreensão de como as economias se comportam. Como é que podemos restabelecer o crescimento e o que é que poderá acontecer se nós não o fizermos ?
Bancos centrais sob forte pressão

Muitos países podem agora ver que eles levaram a política monetária até ao limite do que poderiam fazer. A fraqueza da procura em todo o mundo significa que muitos, se não a maioria, dos países podem credivelmente dizer que, se apenas o resto do mundo estivesse a crescer normalmente então eles estariam numa situação razoável. Mas não foi assim, e eles não estão assim.
Assim, com as taxas de juros próximas de zero e a política orçamental limitada pela elevada dívida pública, o objectivo da política económica num número crescente de países é então o de baixar a taxa de câmbio.
Em países tão distantes como a Nova Zelândia, Austrália, Japão, França e Itália, os bancos centrais e os governos estão a tornar-se mais e mais estridentes na sua determinação para fazer descer a sua taxa de câmbio. Depreciação competitiva é um jogo de soma zero, com os países a tentarem “roubar” a procura uns aos outros.
Localização: onde é que se praticam as taxas de juro negativas?
A experiência de crescimento teimosamente fraco em todo o mundo desde que a crise estalou criou uma situação de um novo pessimismo sobre a capacidade das economias de mercado gerarem hoje a prosperidade. Uma visão cada vez mais comum é de que a taxa potencial de crescimento económico de longo prazo caiu. Mas a ideia de que a época das grandes descobertas chegou ao fim porque as grandes invenções, como a electricidade e os aviões, foram já alcançadas e de que a humanidade esgotou os frutos ao alcance da mão não é convincente.
Em áreas como as tecnologias da informação e da investigação em biologia genética e nas células estaminais estamos a viver uma época de ouro da descoberta científica.
Por definição, as ideias que nos permitem avanços não são possíveis de prever, por isso é muito fácil cair na armadilha de pensar que o futuro ir-nos-á agora permitir menos inovações. Menos do que aquelas que vimos emergir no passado.

Ao longo do tempo, e com um investimento suficiente para o apoiar, um movimento para um novo equilíbrio permitirá às economias recuperarem a sua trajectória de produtividade do período pré-crise. Para restaurar a fé no capitalismo exigir-se-á acções ousadas – para aumentar a produtividade, reequilibrar as nossas economias, e reformar o nosso sistema monetário e financeiro.
Actualmente, os ministros das finanças do mundo e os governadores dos bancos centrais, bem intencionados e muito trabalhadores, reúnem-se regularmente e depois emitem comunicados dedicando-se eles à realização do objectivo de “crescimento forte, sustentável e equilibrado”.
Diga-se o que se disser sobre a recuperação mundial desde a crise, esta não tem sido nem forte, nem sustentável nem equilibrada. Parece haver muito pouca vontade política de se ser ousado e, assim, talvez nós receemos que a dimensão do ajustamento final será apenas cada vez maior.
(continua)
________
Ver o original em:
Para ler a Parte II deste texto de Mervyn King, publicada ontem em A Viagem dos Argonautas, vá a: