Selecção de Júlio Marques Mota
Porque o Sen. Aloysio Nunes foi a Washington um dia depois da votação do impeachment?
Os nossos aagradecimentos aos autores do texto (Glenn Greenwald, Andrew Fishman e David Miranda), Camilo Joseh e tradutores (Beatriz Felix, Patricia Machado e Erick Dau).
A CÂMARA DOS DEPUTADOS do Brasil votou a favor da admissibilidade do impeachment da presidente do país, Dilma Rousseff, encaminhando o processo de afastamento para o Senado. Em um ato simbólico, o membro da casa que deu o voto favorável nº 342, mínimo para admitir o processo, foi o deputado Bruno Araújo, mencionado em um documento que sugere que ele poderia ter recebido fundos ilegais de uma das principais empreiteiras envolvidas no atual escândalo de corrupção do país. Além disso, Araújo pertence ao partido de centro-direita PSDB, cujos candidatos perderam quatro eleições seguidas contra o PT, de esquerda moderada, partido de Rousseff, sendo a última delas há apenas 18 meses atrás, quando 54 milhões de brasileiros votaram pela reeleição de Dilma como presidente.
Esses dois fatos sobre Araújo sublinham a natureza surreal e sem precedentes do processo que ocorreu ontem em Brasília, capital do quinto maior país do mundo. Políticos e partidos que passaram duas décadas tentando — e fracassando — derrotar o PT em eleições democráticas encaminharam triunfalmente a derrubada efetiva da votação de 2014, removendo Dilma de formas que são, como o relatório do The New York Times de hoje deixa claro, na melhor das hipóteses, extremamente duvidosas. Até mesmo a revista The Economist, que há tempos tem desprezado o PT e seus programas de combate à pobreza e recomendou a renúncia de Dilma, argumentou que “na falta da prova de um crime, o impeachment é injustificado” e “parece apenas um pretexto para expulsar um presidente impopular. ”
Os processos de domingo, conduzidos em nome do combate à corrupção, foram presididos por um dos políticos mais descaradamente corruptos do mundo democrático, o presidente da Câmara Eduardo Cunha (em cima, ao centro) que teve milhões de dólares sem origem legal recentemente descobertos em contas secretas na Suíça, e que mentiu sob juramento ao negar, para os investigadores no Congresso, que tinha contas no estrangeiro. O The Globe and Mail noticiou ontem dos 594 membros do Congresso, “318 estão sob investigação ou acusados” enquanto o alvo deles, a presidente Dilma, “não tem nenhuma alegação de improbidade financeira”.
Um por um, legisladores manchados pela corrupção foram ao microfone para responder a Cunha, votando “sim” pelo impeachment enquanto afirmavam estarem horrorizados com a corrupção. Em suas declarações de voto, citaram uma variedade de motivos bizarros, desde “os fundamentos do cristianismo” e “não sermos vermelhos como a Venezuela e Coreia do Norte” até “a nação evangélica” e “a paz de Jerusalém”. Jonathan Watts, correspondente do The Guardian, apanhou alguns pontos da farsa:
Sim, votou Paulo Maluf, que está na lista vermelha da Interpol por conspiração. Sim, votou Nilton Capixaba, que é acusado de lavagem de dinheiro. “Pelo amor de Deus, sim!” declarou Silas Câmara, que está sob investigação por forjar documentos e por desvio de dinheiro público.
É muito provável que o Senado vá concordar com as acusações, o que resultará na suspensão de 180 dias de Dilma como presidente e a instalação do governo pró-negócios do vice-presidente, Michel Temer, do PMDB. O vice-presidente está, como o The New York Times informa, “sob alegações de estar envolvido em um esquema de compra ilegal de etanol”. Temer recentemente revelou que um dos principais candidatos para liderar seu time econômico seria o presidente do Goldman Sachs no Brasil, Paulo Leme.
Se, depois do julgamento, dois terços do Senado votarem pela condenação, Dilma será removida do governo permanentemente. Muitos suspeitam que o principal motivo para o impeachment de Dilma é promover entre o público uma sensação de que a corrupção teria sido combatida, tudo projetado para aproveitar o controle recém adquirido de Temer e impedir maiores investigações sobre as dezenas de políticos realmente corruptos que integram os principais partidos.
OS ESTADOS UNIDOS têm permanecido notavelmente silenciosos sobre esse tumulto no segundo maior país do hemisfério, e sua postura mal foi debatida na grande imprensa. Não é difícil ver o porquê. Os EUA passaram anos negando veementemente qualquer papel no golpe militar de 1964 que removeu o governo de esquerda então eleito, um golpe que resultou em 20 anos de uma ditadura brutal de direita pró-EUA. Porém, documentos secretos e registros surgiram, comprovando que os EUA auxiliaram ativamente no planejamento do golpe, e o relatório da Comissão da Verdade de 2014 no país trouxe informações de que os EUA e o Reino Unido apoiaram agressivamente a ditadura e até mesmo “treinaram interrogadores em técnicas de tortura.”
Dep. Jair Bolsonaro Photo: Fernando Bizerra/EPA/Newscom
O golpe e a ditadura militar apoiadas pelos EUA ainda pairam sobre a controvérsia atual. A presidente Rousseff e seus apoiadores chamam explicitamente de golpe a tentativa de removê-la. Um deputado pró-impeachment de grande projeção e provável candidato à presidência, o direitista Jair Bolsonaro (que teve seu perfil traçado por The Intercept no ano passado), elogiou ontem explicitamente a ditadura militar e homenageou o Cel. Carlos Alberto Brilhante Ustra, chefe de tortura da ditadura (notavelmente responsável pela tortura de Dilma). Filho de Bolsonaro, Eduardo, também na casa, afirmou que estava dedicando seu voto pelo impeachment “aos militares de ’64”: aqueles que executaram o golpe e impuseram o poder militar.
A invocação incessante de Deus e da família pelos que propuseram o impeachment, ontem, lembrava o lema do golpe de 1964: “Marcha da Família com Deus pela Liberdade.” Assim como os veículos de comunicação controlados por oligarquias apoiaram o golpe de 1964, como uma medida necessária contra a corrupção da esquerda, eles estiveram unificados no apoio e na incitação do atual movimento de impeachment contra o PT, seguindo a mesma lógica.
Por anos, o relacionamento de Dilma com os EUA foi instável, e significativamente afetado pelas declarações de denúncia da presidente à espionagem da NSA, que atingiu a indústria brasileira, a população e a presidente pessoalmente, assim como as estreitas relações comerciais do Brasil com a China. Seu antecessor, Lula da Silva, também deixou de lado muitos oficiais norte-americanos quando, entre outras ações, juntou-se à Turquia para negociar um acordo independente com o Irã sobre seu programa nuclear, enquanto Washington tentava reunir pressão internacional contra Teerã. Autoridades em Washington têm deixado cada vez mais claro que não veem mais o Brasil como seguro para o capital.
Os EUA certamente têm um longo — e recente — histórico de criar instabilidade e golpes contra os governos de esquerda Latino-Americanos democraticamente eleitos que o país desaprova. Além do golpe de 1964 no Brasil, os EUA foram no mínimo coniventes com a tentativa de depor o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, em 2002; tiveram papel central nadestituição do presidente do Haiti, Jean-Bertrand Aristide em 2004; e a então Secretária de Estado, Hillary Clinton, prestou apoio vital para legitimar o golpe 2009 em Honduras, apenas para citar alguns exemplos.
Muitos na esquerda brasileira acreditam que os EUA estão planejando ativamente a instabilidade atual no país com o propósito de se livrar de um partido de esquerda que se apoiou fortemente no comércio com a China, e colocar no lugar dele um governo mais favorável aos EUA que nunca poderia ganhar uma eleição por conta própria.
EMBORA NÃO TENHA surgido nenhuma evidência que comprove essa teoria, uma viagem aos EUA, pouco divulgada, de um dos principais líderes da oposição brasileira deve provavelmente alimentar essas preocupações. Hoje — o dia seguinte à votação do impeachment — o Sen. Aloysio Nunes do PSDB estará em Washington para participar de três dias de reuniões com várias autoridades norteamericanas, além de lobistas e pessoas influentes próximas a Clinton e outras lideranças políticas.
O Senador Nunes vai se reunir com o presidente e um membro do Comitê de Relações Internacionais do Senado, Bob Corker (republicano, do estado do Tennessee) e Ben Cardin (democrata, do estado de Maryland), e com o Subsecretário de Estado e ex-Embaixador no Brasil, Thomas Shannon, além de comparecer a um almoço promovido pela empresa lobista de Washington, Albright Stonebridge Group, comandada pela ex-Secretária de Estado de Clinton, Madeleine Albright e pelo ex-Secretário de Comércio de Bush e ex-diretor-executivo da empresa Kellogg, Carlos Gutierrez.
A Embaixada Brasileira em Washington e o gabinete do Sen. Nunes disseram ao The Intercept que não tinham maiores informações a respeito do almoço de terça-feira. Por email, o Albright Stonebridge Group afirmou que o evento não tem importância midiática, que é voltado “à comunidade política e de negócios de Washington”, e que não revelariam uma lista de presentes ou assuntos discutidos.
O Senador Aloysio Nunes (esquerda) com o presidente da Câmara,
Eduardo Cunha (direita) e o Senador José Serra
(Foto: Marcos Alves/Agencia O Globo, via AP Images)
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Date: Fri, 22 Apr 2016 12:38:30 +0000 To: cardoso_rosa2@hotmail.com
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