ABRIL DE PORTAS MIL À LIBERDADE ABERTAS, ABRIL FILHO DE TODOS NÓS, ONDE ESTAS TU? – por JÚLIO MARQUES MOTA – II

júlio marques mota

(continuação)

II – A propósito de  Abril lembro aqui  Vitor Constâncio  e a Grécia

Da Grécia lembro-me  primeiro de Vítor Constâncio, depois da Troika e, por fim, relembro agora o discurso de António Costa  proferido em Atenas.

De Vítor Constâncio relembro uma espécie de carta aberta que lhe escrevi onde se dizia:

“Um artigo de jornal Público chama-me a atenção para a sua conferência em Atenas (Constâncio 2013), precisamente, e para falar da crise do euro no país que é dele a sua maior vítima. Ironia da História, direi. Resolvo traduzi-la para o nosso blog, desconfiado quanto a ela porque, por um lado, o jornalista em questão dá uma visão crítica da sua posição e quando pesquiso à volta do seu texto vejo que Craig (2013), que muito respeito, ficou encantado com a sua intervenção de Atenas.

Ao traduzi-la e, já a meio, fico estarrecido com o que leio quando nos diz numa forma lapidar e fria como o gelo que se pode resumir numa curta expressão sua:

“Não obstante isto, não é agora o momento de mudar de rumo, pois até se poderia destruir tudo o que já se conseguiu”.

Como se seja pacífico o trajecto da Europa que tem sido assumido nestes últimos anos. Para si, pelos vistos, é assim mesmo, é o caminho da inevitabilidade dos milhões de desempregos que entretanto na Europa se criaram, como um caminho necessário, então. E nada a fazer, nada a mudar, para já, até porque pode estragar o que foi alcançado em termos de redução dos desequilíbrios macroeconómicos. Dito desta maneira até parece o Passos Coelho a justificar mais austeridade, exactamente para não se estragar o que está feito. Mas o senhor não é Passos Coelho, nem de longe nem de perto, o senhor é um verdadeiro Leopardo, na acepção de Lampedusa, na acepção agora de Thomas Palley, que é a de saber criticar para poder ficar tudo na mesma, para não se mudar de rumo. Passos Coelho nem isso, nem nunca saberá fazer pelo que já mostrou. A este falta-lhe elegância, falta-lhe tacto, falta-lhe ser capaz de simular respeito pelo outro.”

Da Grécia amaldiçoada pelos tecnocratas de Bruxelas revejo  algumas realidades, alguns números, sobre a evolução de um trajecto que o senhor acha que se deve continuar a seguir:

1. De uma longa crónica sobre a Grécia escrevia um antropólogo grego a propósito de um prémio concedido pelo Parlamento Europa a um centro de saúde grego e por este recusado:

Mais perto às vezes do nosso lapso de tempos histórico do que as nossas tartarugas e outros testudineos da esquerda na Europa, os responsáveis do Centro médico metropolitano e solidário de Ellinikón perto de Atenas, não irão receber o prémio “Primeiro Cidadão”, recentemente concedido pelo Parlamento europeu.

Original File Name: 2015091518.jpg
Testudíneo, Atenas, Setembro de 2015

 “Salvo que para os médicos e para os voluntários do Centro Solidário de Ellinikón, o dia de amanhã é já a morte conjugada no presente.”

“O Parlamento Europeu decidiu atribuir ao Centro Solidário de Ellinikón, o “Prémio do Cidadão europeu” para 2015, em reconhecimento da luta que efectuámos desde há quase 4 anos, em benefício dos abandonados pelo Estado oficial, desempregados, doentes sem cobertura de Segurança Social, para enfim , ajudar a construir uma sociedade melhor. Esta luta, contudo, foi tão necessária porque, precisamente, as políticas aplicadas e que as que se continuam a aplicar no nosso país, são o resultado direto das pressões e das chantagens exercidas pelo Fundo monetário Internacional (FMI), o Banco Central Europeu (BCE) e pela União europeia (UE), o que conduziu a excluir do sistema da saúde, mais de três milhões de cidadãos, desempregados, sem abrigo e pobres”.

A Europa para nós, como para a maior parte dos Gregos, poderia ser a nossa casa. Evocamos esta Europa dos povos, da compreensão mútua e da solidariedade. Desejamos mesmo realizar esta Europa que procuramos. Mas é com tristeza e muita dor que vemos esta Europa perdida nos mecanismos da burocracia, nos dos juros, nos dos financeiros e dos bancos. É então que com muita pena constatamos de quanto a prioridade desta Europa, é sobretudo a de encontrar milhares de milhões de euros para os bancos privados, enquanto exerce pressões de modo que a redução das despesas do sistema nacional de saúde na Grécia, já vai em mais de 50% relativamente ao orçamento de 2009, se venha em breve ainda a tornar mais importante”. “De acordo com os dados do Instituto “Prolepsis”, o empobrecimento maciço da maior parte do povo grego já conduziu a uma tragédia: 6 de cada 10 alunos em 64 escolas de Atenas encontram-se numa situação de insegurança alimentar. 61% dos alunos das mesmas escolas têm já um familiar desempregado, enquanto para 17% das famílias nenhum familiar tem emprego. Cerca de 11% das crianças não têm cobertura da Segurança Social, e 7% de entre elas viveram sem eletricidade durante mais de uma semana durante o ano 2014, e, por último, 3% das crianças continuam ainda a viver sem eletricidade. 406 Escolas através de toda a Grécia receberam uma ajuda em 2014 para alimentar 61.876 alunos. 1.053 Escolas solicitaram este ano esta ajuda, a fim de beneficiar do programa “Alimentação”, e assim poderem alimentar os seus 152.397 alunos. Hoje, apenas 15.520 alunos de 150 escola beneficiam deste programa”.
“42 727 Questionários foram respondidos pelos pais em 23 distritos através do país e deles decorre que 54% das famílias são confrontados com a situação de insegurança alimentar, 21% de entre elas, simplesmente defrontam-se com a situação de fome. De acordo com um estudo do Serviço do Orçamento do Estado do Parlamento, 3,8 milhões de Gregos têm rendimentos próximos do limiar de pobreza (432 euros por mês e por pessoa) enquanto 2,5 milhões de Gregos vivem debaixo do limiar de pobreza (233 euros por mês e por pessoa, o que significa com efeito uma situação de extrema pobreza). Em suma, 58% da população grega, cerca de 6,3 milhões de pessoas, vivem na proximidade ou abaixo do limiar de pobreza”.
“Esta Europa então que nos quer recompensar, parece não se sentir de modo nenhum embaraçada em face de todas estas verdades nem em face já aos milhares de mortes nossos concidadãos excluídos do sistema de saúde. Estes falecimentos farão então em breve um efeito de bola de neve, dado que o memorando III assinado pelo governo, impõe reduções suplementares para o Sistema de Saúde, de 933 milhões de euros numa primeira fase”.
“Seria hipócrita da nossa parte receber este prémio quando esta Europa fecha os olhos face aos lactentes que sofrem de desnutrição, face aos doentes atingidos de cancro já mortos, face ao olhar cheio de desespero dos doentes que sofrem, das mães que nos contam as suas histórias terríveis quanto ao abandono de que as suas famílias são vítimas, vivendo sem eletricidade, sem água corrente e com um mínimo de alimentos para mais um ano ”
“A palavra do nosso médico e que nos representa, Yórgos Vichas é clara: “os milhares de mortes entre os nossos doentes não cobertos pela Segurança Social ou então destes que respiram à nossa volta, olham-nos todos de olhos nos molhos e consequentemente, (eles) não nos permitem aceitar este prémio”. Não viramos as costas à Europa, nem aos povos europeus que connosco têm sido solidários de uma forma impressionante!”

“Devemos em contrapartida virar as costas aos políticos e às instituições, como o Parlamento, que durante muito tempo apenas consideraram as vidas humanas como sendo simples unidades contabilísticas. Esta maneira de ver e de agir constitui desde há mais de cinco anos, uma vergonha para a cultura europeia. A verdade é que esta barbárie deve ser parada imediatamente.”

2. Num artigo pulicado em 2014 intitulado Pobreza na Grécia -16 números que mostram quem paga a dívida grega, publicado por Audrey Duperron

Os indicadores seguintes recordam-nos contudo como a Grécia, este país da EU, foi catapultado no século passado:

  1. 34,6% da população vive na pobreza ou em exclusão social, ou é susceptível de aí cair rapidamente (números de 2012).

  2. Desde o início da crise, o rendimento disponível das famílias caiu de 30%.

  3. 34,8% das famílias gregas têm pagamentos em atraso relativamente ao Estado, aos bancos, à Segurança Social, e a outros serviços públicos.

  4. Mais de 40% das famílias pensam que não estão em condições de cumprir com as suas obrigações financeiras este ano.

  5. O Serviço Público de fornecimento de electricidade corta o abastecimento eléctrico de cerca de 30.000 famílias e empresas cada mês devido a facturas não pagas.

  6. Desde o início da crise, o desemprego aumentou de 160%. Quase 3,5 milhões de empregados trabalham para apoiar 4,7 milhões de desempregados e inactivos.

  7. Os desempregados recebem uma indemnização de desemprego de 360 euros durante os 12 primeiros meses do seu desemprego. Consequentemente, apenas 15% dos 1,4 milhões de desempregados recebem subsídios de desemprego. Os trabalhadores independentes (25% do número total de pessoas activas) não têm direito à estes subsídios.

  8. As transferências sociais deveriam ser reduzidas de 18% este ano. O orçamento da saúde foi reduzido de 11,1% entre 2009 e 2011. Nenhum país da OCDE realizou um corte tão importante sobre este orçamento.

  9. A pensão média de base é inferior a 700 euros, e desde 2010, esta foi reduzida de um quarto. Está previsto que este montante ainda seja reduzido de metade sobre os próximos anos.

  10. Para 48,6 % das famílias a pensão é a principal fonte de rendimentos.

  11. Segundo um estudo da Universidade de Atenas, 12,3% dos gregos sofrem de depressão clínica. Eram apenas 3,3% em 2008.

  12. Cerca de 800.000 pessoas vivem sem ter direito aos cuidados de saúde e em certas regiões, organizações humanitárias como Médecins du Monde tiveram de se substituírem ao sistema de saúde nacional para fornecer cuidados e medicamentos às pessoas mais vulneráveis

  13. A redução do número de seringas e preservativos disponíveis para os toxicodependentes provocou um forte aumento dos casos de infecção ao VIH, que passaram de 15 em 2009 para 484 em 2012.

  14. Os investigadores notam igualmente um aumento de 21% do número de crianças natimortas, o que se atribuí às restrições de acesso aos cuidados pré-natalidade.

  15. A mortalidade infantil aumentou de 43% entre 2008 e 2010.

  16. Por último, a taxa de suicídio está igualmente em alta e enquanto que se tinham registado 400 suicídios em 2008, registaram-se 500 casos de suicídios em 2011.

Fonte: Audrey Duperron, para Express.be, 18 Março de 2014”

Isto é pois o resultado da posição assumida pelas Instituições Europeias, uma vez que não se pode mudar de rumo. E se não se pode mudar de rumo só se pode fazer uma outra coisa, continuar no mesmo rumo. E isto dito em Atenas, significa que é preciso não ter vergonha nenhuma mas isso é coisa que não há pelos lados de Bruxelas, pelos lados de Frankfurt.

Mas o senhor Vítor Constâncio, possivelmente o segundo homem de mais poder na Europa diz-nos:

“Não obstante isto, não é agora o momento de mudar de rumo, pois até se poderia destruir tudo o que já se conseguiu.”

E onde estaremos em breve a chegar neste martirizado país a quem é imposto pelo terror do vazio continuar a trajectória anteriormente definida e que deu os resultados acima descritos? Como se assinalava muito recentemente no The Economist a propósito da situação na Grécia:

abrilportasmil - II

A Grécia poderá falhar e sair da zona euro a partir do início deste Verão quando os britânicos votarem para deixar a União Europeia no próximo referendo, é o que diversos economistas prevêem.

A incerteza na sequência de um voto “sim” da Grã-Bretanha em deixar a UE colocaria uma pressão insustentável sobre a economia sem dinheiro da Grécia, num momento em que ela está também a lutar para conseguir lidar com um afluxo de migrantes a fugirem da turbulência no Oriente Médio e da África, segundo um relatório publicado por Economist Intelligence Unit.

Os autores do relatório dizem-nos que é altamente provável que a Grécia será forçada a deixar a zona do euro em algum momento nos próximos cinco anos, mas dizem-nos também que se o Reino Unido vota a sua saída da União Europeia em Junho, a saída da Grécia poderá então acontecer muito mais cedo do que os cinco anos referidos.

A Grécia já está sob uma enormíssima pressão e o chamado Brexit poderia atirá-la para as bordas da UE. O país tem grandes pagamentos de dívida com vencimento em meados de 2016, enquanto as reformas estruturais preconizadas no programa de resgate da Grécia são “queimadores em lume lento” e é improvável que permitam qualquer crescimento significativo a curto prazo.

O PIB da Grécia contraiu-se 0.3% no ano passado, enquanto o desemprego está em 24% e o rácio global da dívida em relação ao PIB do país atingiu já os 171%.

“Embora a EU possa provavelmente lidar com um Brexit, Grexit ou um agravamento da crise migrante, uma a uma, seria muito improvável navegar com sucesso sobre uma situação em que várias dessas crises vieram à tona de água em simultâneo,” diz-nos o relatório, intitulado “Europe stretched to the limit”.

“Não é impossível que isso possa vir a acontecer já em meados de 2016 quando forem conhecidos os votos do Reino Unido sobre se deve ou não permanecer na UE.”

O texto no original:

Europe stretched to the limit

A potential Brexit, instability in Greece, and the migration crisis could all come to a head in mid-2016, and if that happened it could push the EU over the edge. This is the key finding of a new report, ‘Europe stretched to the limit’, published by The Economist Intelligence Unit.

The report is published amid growing nervousness about the UK’s position in the EU. The “remain” campaign has suffered a turbulent few weeks of self-inflicted damage. David Cameron has now twice allowed an air of crisis to settle over the UK government, first with a botched budget and a senior resignation, and then with Mr Cameron’s fumbled response to the Panama leaks. The EIU still expects the UK to stay in the EU, but the risk of a Brexit has risen.

Download the report to explore the 7 key challenges that Europe will face over the next five years.

abrilportasmil - III

The Economist Intelligence Unit helps business leaders prepare for opportunity, empowering them to act with confidence when making strategic decisions. We are renowned for our comprehensive global coverage and use the best analytical minds to examine markets, countries and industries with a level of insight you cannot find elsewhere. Uncompromising integrity, relentless rigour and precise communication underpin everything we do. We are meticulous with every analysis, every study, every projection and every commentary that carries the EIU brand. Our reputation for trusted business intelligence depends on it. Crystallise your thinking and see greater possibilities. (texto disponível em:

http://www.eiu.com/public/topical_report.aspx?campaignid=EUFuture)

As Instituições Europeias vão mesmo muito mais longe, procuram estender o rumo imposto à Grécia a toda a Europa do Sul e depois ao resto da Europa. Dois exemplos, a pressão sobre a desregulação do mercado de trabalho em França, a pressão das Instituições sobre o governo português com algumas imagens sobre o mercado de trabalho em Portugal.

(continua)

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Para ler a Parte I desta crónica de Júlio Marques Mota, publicada ontem em A Viagem dos Argonautas, vá a:

ABRIL DE PORTAS MIL À LIBERDADE ABERTAS, ABRIL FILHO DE TODOS NÓS, ONDE ESTAS TU? – por JÚLIO MARQUES MOTA – I

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