Selecção e tradução de Júlio Marques Mota
A lei “Jobs Act”, última etapa para o desmantelamento do direito do trabalho italiano
Dario Guarascio*, Le “Jobs Act”, dernière étape vers le démantèlement du droit du travail italien
LIBÉRATION 13 NOVEMBRO de 2015
Desde os meados dos anos 1990, todos os governos italianos, quer sejam de centro-esquerda ou de centro-direita, têm-se preocupado em transformar detalhadamente o mercado do trabalho. Se acreditarmos nas suas intenções declaradas, estas transformações estariam destinadas a estimular a competitividade e a melhorar a participação no emprego dos jovens e das mulheres, duas categorias sub-representadas sobre o mercado do trabalho italiano, nomeadamente em comparação com os países da Europa do Norte. Em conformidade com uma representação estritamente “neoliberal” da economia, uma dose crescente de flexibilidade foi introduzida a fim de tornar os trabalhadores italianos mais “móveis e mais flexíveis” e reduzirem o desvio suposto entre as suas remunerações e a sua produtividade.
Devido aos resultados decepcionantes da economia italiana, esta série de reformas foi seguida de um intenso debate. Contrariamente aos objectivos anunciados, a produtividade italiana continuou a estagnar durante todo o processo de liberalização. O emprego dos jovens e das mulheres evoluiu mais ou menos da mesma maneira. Além do mais, em matéria de competitividade, a Itália particularmente não beneficiou das reformas: a redução gradual dos direitos dos trabalhadores e a flexibilidade acrescida empurraram as empresas a reforçar as suas estratégias de competitividade pela redução dos custos do trabalho. A consequência foi, como no-lo mostram tristemente as estatísticas Eurostat desde o início dos anos 2000, uma contracção dos investimentos em investigação e desenvolvimento paralelamente ao aumento do recurso aos contratos temporários e flexíveis. Esta tendência coincidiu com uma perda de competitividade no que diz respeito aos parceiros europeus, em especial a Alemanha onde a flexibilização do mercado de trabalho foi acompanhada de investimentos públicos nas tecnologias e na inovação.
Apesar disso, o aumento das reivindicações em prol de uma revisão do programa de reformas foi ignorado. Em conformidade com a tradição neoliberal em curso que consiste em perpetuar receitas de políticas públicas que mostraram largamente que são ineficazes, foi introduzida uma maior flexibilidade para alcançar o que não tinha sido obtido através dos esforços precedentes. Assistiu-se na Itália – como nos outros países da Europa do Sul – a uma forte subida em força do processo de liberalização aquando da recessão de 2008. A crise financeira com efeito acelerou o calendário das reformas do mercado do trabalho. Estas reformas deviam contribuir para reequilibrar a enorme dívida externa privada acumulada antes da crise pelo sector bancário e pelas empresas. A dívida privada transformou-se rapidamente em dívida pública sob o efeito dos resgates bancários. E a subida da dívida pública – da mesma maneira que a dramática recessão que atingiu os países do Sul da Europa – foi um argumento para justificar politicamente a necessidade de reformas supostas favorecerem a competitividade, trazerem o crescimento e reduzirem as dívidas.
Neste contexto, a lei Jobs Act de Matteo Renzi foi o último capítulo das reformas. O governo de centro direita de Renzi pôs em prática o que constituía desde o fim dos anos 1990 um objectivo central (e difícil de fazer passar) da direita. Com a Lei sobre o emprego n°183/2014 (a Jobs Act ) o governo eliminou toda e qualquer obrigação para as empresas de reintegrarem os trabalhadores no caso de despedimento abusivo – quando não há nem falta do trabalhador nem motivo económico provado para justificar o despedimento. Esta obrigação foi substituída por uma indemnização monetária mínima (igual a dois salários por ano de trabalho) para os trabalhadores ilegalmente despedidos. Assim, após cinco anos de crise dramática, Renzi teve sucesso em transformar um pilar central da protecção social dos trabalhadores italianos em algo que se aparenta à uma gorjeta. Uma gorjeta que pode ainda ser reduzida para os assalariados que “aceitem” renunciar a todo e qualquer contencioso em troca de um pagamento imediato da soma que lhes é devida .
Duas mudanças introduzidas pela JObs Act merecem que nos detenhamos um pouco na sua análise. A primeira é a introdução de uma nova forma de contrato que se substitui ao antigo contrato de duração indeterminada (CDI) e é destinado de tornar-se a forma dominante de contrato sobre o mercado do trabalho. Este novo contrato, chamado “contrato de protecção crescente” (contratto a tutela crescenti), não prevê nenhuma obrigação de reintegração dos trabalhadores no caso de despedimento abusivo. A segunda mudança é a possibilidade para os empregadores de supervisionarem os assalariados recorrendo a diferentes espécies de dispositivos electrónicos. A medida, muito criticada pelos riscos de infracção à vida privada e a liberdade individual dos trabalhadores que ela comporta, foi adoptada em nome da necessidade “de melhorar a produtividade dos trabalhadores”. Estas mudanças participam da redefinição de uma norma destinada a transformar radicalmente as relações capital-trabalho na Itália.
Outra mudança importante deve ser aqui sublinhada. A fim de reforçar os efeitos da nova lei, o governo Renzi acompanhou a Jobs Act de um agradável presente às empresas, sob a forma de isenções de contribuições sociais, e por um montante exorbitante. A lei prevê estímulos para os empregadores que transformam os CDD em CDI ou contratam em CDI, CDI que tomam quase sempre doravante a forma “do contrato a protecção crescente” criado pela Jobs Act . Sobre os três primeiros anos, estes estímulos comprometerão um montante cerca de 15 mil milhões de euros, num contexto no entanto dominado pelos cortes nas despesas públicas.
Paradoxalmente, Renzi defende a sua lei com entusiasmo, dizendo mesmo que favorecerá “os contratos permanentes”. Infelizmente, esquece-se de dizer que os novos contratos só são permanentes na aparência , porque dão basicamente uma completa liberdade de despedir os trabalhadores. Os primeiros dados disponíveis (sabendo que Jobs Act foi definitivamente introduzida na Primavera última-2014 ) foram objecto nestes últimos meses de um debate que sobretudo até parece divertido. . Provavelmente preocupado em comunicar os efeitos extraordinários de uma medida impopular, o governo cometeu o erro de difundir dados que sobrestimam as criações de empregos dos seis primeiros meses de 2015. Como Marta Fana mostrou no jornal Il Manifesto (ele Manifesto, http://ilmanifesto.info/ministero-buffo-e-i-dati-v…), os primeiros números publicados pelo Ministério do Trabalho após a introdução da Jobs Act sobrestimavam em mais de um milhão (1 195.681 para ser preciso) as criações de empregos. Longe de ser travado na sua análise dado um tal enorme erro, o governo italiano agarrou-se de maneira obsessiva às medidas de austeridade. Estas fazem correr o risco no entanto de se poder ter consequências desastrosas, em especial ao favorecer o desenvolvimento da precariedade do emprego e ao exercer uma pressão à baixa dos salários.
Há pois pouca esperança de que a Jobs Act produza os efeitos sensacionais invariavelmente anunciados por Renzi. Mas uma coisa é clara, hoje, é que, confrontados com o desemprego, que tem agora o seu nível mais elevado desde 1997 (e para os jovens desde a década de 1970), os trabalhadores italianos perderam a melhor protecção sobre a qual podiam ainda contar.
Dario Guarascio, Economistas Aterrados, Le “Jobs Act”, dernière étape vers le démantèlement du droit du travail italien. Texto disponível em :
Dario Guarascio est économiste ; il travaille à l’Université Sapienza de Rome et à l’Ecole supérieure Sant’Anna de Pise.