Selecção, tradução e nota introdutória por Júlio Marques Mota
Nota introdutória ao Trabalho de Marta Fana e Michele Raitano sobre os custos do desagravamento contributivo em Itália
No verão de 2014 organizámos uma série de textos sobre Itália , sobre Renzi, sobre o mercado de trabalho. A leitura dos textos mostrava-nos que a Itália sem memorando de (des)entendimento reorganizava-se para estar conforme aos desígnios da Troika. E assim surge a Jobs Act, assim se criaram os contratos a seis meses, renováveis até 6 vezes e em que se pode ser despedido no último dia no 36º mês de trabalho sem justa causa e sem necessidade de justificação para tal. A precariedade levada ao limite do impensável. Nessa altura publicámos uma série de artigos sobre a crise italiana e a lei Jobs Act a partir de sites como Micromega, Il Manifesto, Sbilanciamoci, para além do extraordinário trabalho de Perry Anderson intitulado O Desastre Italiano.
É bom lembrar que Trichet, governador do BCE, e Mário Draghi, futuro governador do BCE, enviaram uma carta a Berlusconi impondo-lhe um programa de austeridade, um Memorando de Entendimento informal. Este gerou uma fuga de informação e essa fuga custou-lhe o posto de Primeiro-ministro de Itália. Não foram as orgias do bunga-bunga que o levaram à queda, não foram os múltiplos escândalos financeiros a almofadarem a sua boa conta bancária que o fizeram perder o poder formal, porque de resto mesmo caindo, o poder real, esse é que não perdeu. Gentes estranhas e a trabalhar fora de Itália terão convencido alguns dos seus deputados a mudarem de campo a troco de bons empregos futuros. Era o que se dizia na altura. E assim Berlusconi perdeu a maioria absoluta e caiu. Trichet e Draghi vingaram-se sem sujarem as mãos. Mas a UE terá aprendido bem a lição. Ao que se diz agora vai oferecendo bons empregos aos filhos da elite no poder em Itália em contrapartida dos bons serviços prestados ou a prestar e da fidelidade garantida. E esta fidelidade tem-se mostrado efectiva. Não terá sido assim também em Portugal com Gaspar, com Álvaro Santos Pereira e muitos mais?
Hoje, os tempos mudaram. O PS gera uma fuga de informação à volta da espanholização da banca portuguesa orquestrada por um Banco Central dito independente (de quê), o BCE, e sabe-se com essa fuga como é que a Europa é gerida a partir do BCE por emails de funcionários, à margem portanto da Democracia e muitas vezes contra a própria Democracia. A fuga deu-se e nada aconteceu. A União Europeia encontrou sucessivas outras formas de apertar o garrote ao pescoço das democracias, como se tem visto. Aliás, a este respeito assinala e muito bem Ricardo Cabral no jornal Público:
“Não passa um mês sem que a Comissão Europeia ou o FMI alerte sobre o Orçamento do Estado: sobre como as contas públicas vão derrapar, sobre como é necessário um plano B com medidas de austeridade adicionais, sobre como terão de ser aplicadas multas a Portugal devido ao alegado incumprimento das regras do Pacto de Estabilidade e Crescimento (em consequência do resgate ao Banif que a própria Comissão exigiu), ou ainda, as notícias de ontem: a redução das perspectivas de crescimento da economia portuguesa em 0,1 pontos percentuais e a previsão de que o défice ficará em 2,7% e não 2,2% do PIB (um desvio de 900 milhões de euros face à previsão do governo).”
A União Europeia aposta pois no fortalecimento interno da oposição no interior do PS à trajectória anunciada de António Costa mas tem azar. A aventura com Francisco Assis abortou não por falta de empenho da sua parte mas por muito mérito dos seus opositores, homens e mulheres autenticamente de esquerda e não Leopardos como ele. Por aqui a UE falhou. Uma segunda linha de oposição à política de esquerda que está muito lentamente a ser traçada é desenhada a partir do CDS. A líder do CDS tem de nome Cristas mas com a crista em baixa, esgaravata o chão da política, procura confundir o galinheiro mas os pintainhos estão dormentes. Os tempos não estão agressivos para se sentirem espicaçados e não se mexem. Quem acabará por cair de tonta é a própria Cristas de crista rebaixada se não mesmo cortada. Do lado do PSD o desastre é ainda maior. Inventam eventos quase diariamente, têm ainda escandalosamente a cobertura dos media, dos jornais e televisão, têm muitos José Rodrigues dos Santos à disposição ainda, falam do mundo do passado recente que querem ver transposto para o futuro e já amanhã mas estão cegos no seu ódio contra os opositores à austeridade que nem conseguem ver que ninguém já os ouve, ninguém sequer os entende a ouvir de falhanços que eles consideram sucessos. Assim, por estes lados a União Europeia não terá a almofada com que possa minar a jovem aventura da esquerda unida em Portugal, o que muito a assusta. Dê-se um exemplo: se o SPD alemão tivesse tido a coragem de António Costa e conseguisse o apoio do Die Linke e dos Verdes então Merkel e sobretudo Schäuble não estariam a germanizar a Europa, submetendo-a aos seus desígnios.
Mas voltemos então à ditadura de Bruxelas. Todos nós nos lembramos da famosa TSU em Portugal e das posições de Passos Coelho. Neste caso vale a pena aqui lembrar que nem o FMI tinha nenhuma certeza quanto à eficácia da TSU. Na mesma altura que se criava a TSU em Portugal o FMI emitia um relatório em que questionava exactamente a TSU. O FMI ao mesmo tempo que na Troika se alinhava com a TSU politicamente distanciava-se desta mesma medida com este relatório que cito de memória!!! O cinismo clássico das grandes Instituições. Sobre este cinismo e ainda agora e relativamente a Portugal um analista político francês escreveu:
“Numa espécie de mistificação típica dos altos funcionários europeus, Pierre Moscovici, Comissário para os Assuntos económicos, anuncia no princípio de Março, antes da votação do primeiro orçamento do novo governo português: “Nós não damos lições a ninguém e não nos intrometemos indevidamente nas políticas nacionais, mas prodigalizamos conselhos. ” É que a nova política portuguesa tem substantivamente matéria que faz tremer a ortodoxia de Bruxelas: paralisação do processo de privatizações, regresso às trinta e cinco horas, baixa dos impostos para as famílias de rendimentos mais modestos, aumento do salário mínimo previsto para chegar aos 600 euros no final da legislatura. Bruxelas desagrada-se, os mercados financeiros também”.
E relembremos que o PS pela mão de António Costa e Centeno transportava para esta legislatura o projecto da TSU como desagravamento contributivo dos patrões, ideia esta que a unidade de esquerda fez cair.
Pois bem, hoje reencontramos a lógica da TSU pela mão de Matteo Renzi, um líder de quem o senhor Francisco Assis, um dos Leopardos da política portuguesa, muito bem dizia. Dele e de Manuel Valls, primeiro-ministro em França, responsável por uma outra lei sobre o Trabalho equivalente à Jobs Act e que dá pelo nome de lei El Khomri.
As duas leis do trabalho aí estão, a Jobs Act em Itália e como esta passou, surge então a lei El_Khomri em França. É visível que o adversário em ambos os casos a abater é o trabalhador, ou melhor, os seus direitos que até agora estavam consagrados na lei. E a TSU assim surge em Itália, levando ao desagravamento contributivo da entidade patronal. O trabalho que apresentamos é um estudo sério sobre os custos para o erário público desse desagravamento. Dito de forma mais simples, esta é mais uma via para a Uberização dos povos sob a alçada da EU, neste caso da sociedade italiana, uma vez que se elege como motor para a saída da crise, a dinâmica das exportações e em que esta dinâmica assenta por seu lado na precarização crescente da força de trabalho. Os custos disso pagam-na de forma directa os trabalhadores, primeiro, por mais baixos salários nominais e por piores condições de trabalho e, depois, pagam ainda por uma segunda vez na qualidade de contribuintes.
Este trabalho é destinado à partida, do meu ponto de vista, aos estudantes de Economia e de Gestão, aos alunos de mestrado e de doutoramento e ao público em geral com alguma formação económica mas isso é o custo quando no campo técnico, e não no puramente ideológico, se quer mostrar sem apelo nem agravo a manipulação do neoliberalismo e das Instituições , como a UE, quanto às políticas austeritárias puras e duras praticadas como supostas vias de saída da crise. São estas Instituições as principais responsáveis portanto da situação de crise brutal que atravessamos e de que se não vê a luz ao fundo do túnel, quer pelas políticas que impõem quer pela mistificação que geram, quer pela ainda criação e financiamento depois dos organismos de intermediação e de justificação dessas mesmas políticas através da produção ideológica e da sua difusão na justificação e no apoio às políticas seguidas. A campanha eleitoral em Portugal e tudo o que se lhe seguiu depois da tomada de posse de António Costa são também um bom exemplo da mistificação que atinge toda a Europa.
E terminamos assim a série sobre o trabalho em França e Itália.
Coimbra, 7 de Maio de 2016
Júlio Marques Mota
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