O DRAMA DOS MIGRANTES NUMA EUROPA EM DECLÍNIO E CAPTURADA POR ERDOGAN E OBAMA – 9. O CAMINHO DA TURQUIA PARA A DITADURA, por ALON BEN-MEIR

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Selecção e tradução por Júlio Marques Mota

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O caminho da Turquia para a ditadura

Estrangulando a democracia na Turquia, o presidente Erdogan  apreendeu  um  jornal da oposição que ousou revelar que  ele armou clandestinamente os  jihadistas que procuram derrubar o governo da  vizinha Síria,  explica  Alon Ben-Meir

Alon Ben-Meir, Turkey’s Path to Dictatorship

Consortiumnews.com, 10 de Março de 2016

Apenas alguns meses depois do presidente Recep Tayyip Erdogan da Turquia  ter  invadido os escritórios do Koza Ipek Media Group, a polícia turca assaltou  no início deste mês os escritórios de Feza Publications, qui possui dois jornais (incluindo Zaman) e duas estações de TV, sem qualquer aviso.

Há poucas coisas  mais  prejudiciais  para qualquer democracia do que o encerramento de  agências de notícias e de sufocar  a liberdade de expressão. Tomar uma  tal medida extrema com base em acusações forjadas de que estes meios de comunicação social estariam a  ajudar  o terrorismo e a  conspirar  contra o estado é fortemente escandaloso  e mostra o medo das autoridades face às  críticas da opinião pública, apesar de sua bravata.

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O Presidente Turco  Recep Erdogan.

O Presidente Erdogan, no entanto, parece desdenhar completamente de quaisquer repercussões potenciais, e ele próprio terá sido encorajado pelo seu próprio passado de confrontações contra a imprensa, tendo então prendido dezenas de jornalistas sob falsas acusações e com toda a  impunidade.

Embora Erdogan saiba  muito bem que a Turquia está longe de ser um Estado democrático, continua a promover a noção absurda de que a Turquia é de facto uma verdadeira democracia, afirmando com o ar de exaltado  que “não há  nenhum lugar no mundo onde a   imprensa  seja mais livre do que Turquia”. Na verdade, o índice dos Jornalistas  Sem Fronteiras para  2015 World Press Freedom Index e num conjunto de 180 países coloca a Turquia  em  149º lugar num total de 180 países, entre o México, onde os jornalistas são regularmente assassinados   e a República Democrática do Congo, que é um estado falhado.

Talvez Erdogan deva ser lembrado do que é que constitui verdadeiramente uma democracia. A liberdade de expressão representa um dos  quatro pilares fundamentais de qualquer forma de  governo democrático, que tem igualmente de incluir a eleição de um governo representativo, a igualdade perante a lei, e o cumprimento rigoroso dos  direitos humanos.

Infelizmente  Erdogan não parou de  reprimir a liberdade de expressão em todas as suas formas  — ele regularmente mantém-se bem longe dos outros pilares, até porque está empenhado em desembaraçar-se do que ainda resta de  democracia na  Turquia.

A Declaração Universal dos direitos humanos garante “o direito à liberdade de opinião e de  expressão;” mas como Benjamin Franklin advertiu , “quem derrube   a liberdade de uma nação deve começar por subjugar a liberdade de expressão.”

Erdogan era altamente admirado  pelas  suas impressionantes reformas sociopolíticas e de significativo desenvolvimento económico, que fizeram da Turquia a 17º maior economia do mundo durante o seu  primeiro  e grande parte do seu segundo mandato no cargo. Ele poderia ter percebido que grande parte das suas ambições para fazer da Turquia uma superpotência regional reconhecida exigiria o apoio público do povo e com orgulho. Ele poderia ter  sido capaz de fazê-lo sem destruir os princípios da Fundação da Turquia como uma democracia secular, como era previsto pelo seu fundador, Mustafa Kemal Atatürk e oferecer assim um modelo real de uma democracia islâmica florescente a ser emulado por grande parte do mundo árabe e muçulmano.

Infelizmente, no entanto, Erdogan ignora o facto de que o desmantelamento sistemático das instituições democráticas da Turquia terá exactamente o efeito oposto,  por estar  directamente a torpedear o potencial da Turquia como uma grande potência e desperdiçando o  que o país tem para oferecer.

E muitas e muitas vezes, Erdogan demonstrou a sua falta de tolerância em face de  pontos de vista diferentes  e considera que  a imprensa é um incómodo, porque é  geralmente crítica  da sua agenda islâmica. Ele entendeu, como George Orwell apropriadamente explica, que a “liberdade de imprensa, se  significa alguma coisa, significa a liberdade de criticar e de se opor,” uma liberdade que Erdogan está empenhado em suprimir .

Como tal, Erdogan tem utilizado as suas fortes credenciais islâmicas  para  se  projectar  como um líder piedoso, quando na verdade ele  consistentemente está empenhado no favoritismo, na concessão de enormes contratos do  governo com  quem o apoiou ou com  membros de sua família, independentemente de conflitos de interesses  e da corrupção que se  lhe seguiu, naturalmente,  como seu  resultado.

Com um Parlamento fraco que funciona como um carimbo de validação, ele tem sido capaz de fazer  aprovar toda e qualquer legislação que deseje,   com excepção de uma emenda constitucional que teria concedido ao Presidente poderes ilimitados. Ele subordinou o sistema da justiça aos seus caprichos e basicamente ele tornou-se o legislador, um homem com poderes ditatoriais e, por fim,  acabou  com os mecanismos de controlo  inerentes a qualquer governo democrático.

É certo,  o apetite do Erdogan para aumentar o seu poder, o tratamento duro aplicado aos  dissidentes, o seu zelo religioso e a sua  predisposição narcisista tornam-no um homem temido  pela maioria da sociedade turca ainda que admirado por  outros; ele é quase que unanimemente criticado pela comunidade internacional, mas lida-se com ele por necessidade.

 O acordo que foi obtido em 7 de Março, entre a Turquia e a União Europeia no âmbito do problema dos refugiados sírios e requerentes de asilo é um exemplo — ele encerrou na mesma altura o jornal  Zaman, pois sabia   que não seria  severamente condenado pelos Estados Unidos ou pela  União Europeia pelas suas acções.

A questão é que, tendo estado  no poder durante  quase 14 anos e acumulando tanta influência, com ou sem emendas constitucionais, precisará Erdogan de  tempo como Presidente para contemplar o futuro da Turquia — um país que possui todos os elementos e recursos para se tornar um  grande e influente pais, especialmente agora que o Oriente Médio está mergulhado numa turbulência sem precedentes?

Sendo que a Turquia está agora perante  uma encruzilhada histórica, as escolhas que Erdogan irá  fazer nos próximos meses e anos vindouros vão ter um efeito duradouro sobre o futuro da Turquia. Erdogan cometerá  um erro grave se  continuar a tomar o apoio do povo turco como garantido. Os turcos são inventivos, trabalhadores, educados, com uma longa história de conquistas, de orientação pró-ocidental  e querem, acredito nisso,  e insistirão nisso,  um  modo de vida democrático.

Há limites quanto ao até onde o povo turco poderá  tolerar não apenas a  situação de sufoco  da liberdade de expressão mas também o estilo draconiano de Erdogan em  governar até que eles, os turcos, se levantem contra Erdogan.  Este deveria saber que para a Turquia manter o seu  lugar de direito entre as grandes potências, deve restaurar tudo o  que foi perdido nos últimos anos, os seus fundamentos, a sua base,  da Democracia.

Sem tais princípios democráticos, a Turquia tonar-se  ainda mais alienada dos  países ocidentais, o bloco a que a Turquia deveria pertencer,  e será incapaz de explorar e aproveitar o seu verdadeiro potencial como uma potência do Médio Oriente e da Europa.

Ironicamente, Erdogan parece estar a apreciar a ilusão de que  irá presidir ao 100º aniversário da República Turca, em 2023 e ser lembrado como o novo “Pai Turco,” ofuscando Atatürk. Ele tenta desesperadamente restaurar alguma   da “glória” do Império Otomano, esquecendo-se porém que o então-Império desmoronou parcialmente sob o seu próprio peso e tornou-se uma presa fácil para as forças aliadas no início do século XX por causa de líderes corruptos e sem escrúpulos.

Falhando em não fazer  a escolha certa, Erdogan não será lembrado como o pai da nova nação democrática e poderosa, mas como o ditador mal aconselhado  e ambicioso, que sacrificou  o futuro da Turquia potencialmente glorioso por causa do seu  zelo religioso e do seu ardente desejo  por ter cada vez mais poder.

Dr. Alon Ben-Meir,   Turkey’s Path to Dictatorship. Texto disponível em:

https://consortiumnews.com/2016/03/10/turkeys-path-to-dictatorship

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Dr. Alon Ben-Meir is a professor of international relations at the Center for Global Affairs at NYU. He teaches courses on international negotiation and Middle Eastern studies. alon@alonben-meir.com           Web: www.alonben-meir.com

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