A GALIZA COMO TAREFA – bucles temporais – Ernesto V. Souza

Celebramos centenários tirando dos arquivos e dos álbuns poirentos velhas fotos e textos do passado. Dizemos, apontamos, anotamos e desfrutamos da história que narram, celebrando as mais raras ou desconhecidas imagens e dados, mas sem perceber nelas a rotunda modernidade que desprendem: estética, gráfica, social, ideológica, das ideias em debate, que envolvem por igual, mas destacadamente às mulheres da época. caminhada

Igualdade de direitos sociais e políticos para a mulher, soberania estética, soberania política e económica, soberania linguística, “pangaleguismo”, achegamento a Portugal (língua, história, nação) e especialmente aos ideais intelectuais, culturais, civis e sociais do Portugal Republicano. Unidade histórica da língua Portuguesa e o sonho de convergência no futuro. Eis por toda a parte o discurso e legado do movimento das Irmandades da Fala (1916-1936).

As fotografias, os textos, os sorrisos todos, os debates apontam naqueles anos das primeiras três décadas do seculo XX a um futuro próximo ao qual se caminhava.

Resulta estremecedor conferir que depois de 1936 os relógios atrasaram décadas, seculos. E que aquele futuro, tantos, tantos anos depois, ainda não chegou.

100 anos depois a respeito da mítica fundação das Irmandades bem poderíamos pensar ser já esse futuro. Mas nem a soberania estética, cultural, política e económica chegou e o da igualdade de direitos para a mulher e o da convergência com a Língua portuguesa ainda continua a ser uma reivindicação.

Parece que boa parte do ativismo político e linguístico galego que se considera herdeiro das Irmandades assumiu que estamos num mesmo ponto, num presente congelado noutra fotografia, esta da década dos  oitenta, e portanto impedidos de dar o salto hoje cara aquele futuro enxergado nos anos vinte, tendo que deixar apontado num outro futuro vago ou distante.

Bloqueados pela Restauração e pelo sistema de partidos turnantes que excluem e promocionam os mesmos babocas pro-espanholeiros regionalistas de sempre e que se empenham em vender como útil, pragmático o “demandado pela sociedade” que eles mesmos definem e que dá como resultado esse mesmo idioma tolheito, espelho de uma sociedade encrequenada. Os média, as instituições, o mundo académico perderam-se neste circo sem fim e sem futuro.

A rotura temporal causada pelo genocídio de 1936, o Franquismo e a “Transición”, configuram um bucle de esperpento e parálise – um passo adiante, outro atrás, Galiza – porquanto hoje, no futuro, ainda não é, não pode ser, não deixam que seja o futuro daquela enxergado.

Mas as personagens ainda sorriem das fotos e dos textos com estética soberana de futuro. A questão está pois neste presente triste, sem noção de futuro, que incapacita para ler e ver o futuro naquelas fotos e textos do passado.

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