O DRAMA DOS MIGRANTES NUMA EUROPA EM DECLÍNIO E CAPTURADA POR ERDOGAN E OBAMA – 13. ROBERT F. KENNEDY, JR, DENUNCIA O CONFLITO NA SÍRIA: UMA “GUERRA POR PROCURAÇÃO” POR UM PIPELINE, por TAÏKÉ EILÉE – III

refugiados - I

Selecção e tradução de Júlio Marques Mota

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Robert F. Kennedy Jr. denuncia o conflito na Síria: uma « guerra por procuração» por um pipeline

Taïké Eilée, Robert Kennedy Jr. dénonce le conflit en Syrie: une «guerre par proxys» pour un pipeline

29 de Fevereiro de 2016

(CONTINUAÇÃO)

Deste artigo altamente incómodo emanando de um membro do clã Kennedy, reterei dois pontos: a noção de guerra por procuração e a falência dos grandes meios de comunicação social.

A guerra por procuração e os 36 estratagemas

Comecemos, no que respeita ao primeiro ponto, por ler a definição que nos é dada em Wikipédia:

“Uma guerra por procuração é uma guerra onde dois poderes se enfrentam, mas indirectamente, apoiando financeira ou materialmente outros potências ou grupos militares que, eles, estão em conflito directo sobre o terreno.

A fórmula em inglês war by proxy foi criada por Zbigniew Breziński, conselheiro do presidente Jimmy Carter. Este conceito aplica-se em numerosos conflitos da guerra fria.

Se as superpotências por vezes utilizaram governos como proxies, os grupos terroristas ou outras terceiras partes são frequentemente os mais utilizados . “

Precisamente, tínhamos publicado em Agosto de 2009 as divulgações de Sibel Edmonds, antiga tradutora no FBI, segundo a qual os Estados Unidos tinham utilizado Ben Laden até ao 11 de Setembro, no âmbito de operações de desestabilização na Ásia central. Esta “utilização” fazia-se via intermediários, a Turquia, mas também de outros actores que provinham do Paquistão, do Afeganistão e da Arábia Saudita. “Ben Laden, Talibans e outros grupos serviam assim de exército terrorista por procuração, escrevíamos nós na altura. Os Estados Unidos tinham necessidade desta discrição a fim de evitar qualquer risco de revolta popular na Ásia central (Uzbequistão, Azerbaijão, Cazaquistão e Turquemenistão), mas também deploráveis repercussões na China e na Rússia.” Como o diz muito bem Wikipedia, “os grupos que se batem para certos superpoderes têm normalmente os seus próprios interesses, que diferem dos interesses da potência tutelar”; e isto vale igualmente para os combatentes de Ben Laden naquela época como para os do Estado islâmico de hoje, que têm as suas próprias motivações, e se encontram utilizados nessa sequência.

Kennedy - XV

A guerra por procuração é um conceito militar antigo; encontra-se vestígio disto nos 36 estratagemas, um tratado chinês de estratégia que descreve os enganos e os métodos que podem ser utilizados para levar a melhor sobre um adversário, e que foi escrito provavelmente durante a dinastia Ming. O terceiro dos 36 estratagemas tem como título: “Assassinar com uma espada de empréstimo”. Eis a tradução que se encontra  na  Wikipedia:

“Se quisermos realizar alguma coisa, façamos de forma a que outros o façam por nós . Em vez de fazermos  o trabalho expondo-se a alguns contras por parte dos outros, utilizemos lógicas de outros atores e orientemo-las (compomo-las ) de modo que trabalhem para nós sem que eles o saibam.”

Sobre um outro sítio, eis a tradução “de Documento Mac Jr”:

“Assassinar com uma espada de empréstimo”

Utilize os recursos dos outros para fazerem o nosso trabalho.

Quando as intenções do inimigo são evidentes e que a atitude do aliado é hesitante, conduzamos   então os nossos aliados a atacar os nossos inimigos enquanto nós preservamos as nossas próprias forças.

E o comentário que é dado :

 “Para evitar ser incriminado do caso de morte alguns podem fazer as suas acções com uma espada de empréstimo, o que faz referência à algum outro que irá atacar a vítima. Conduzindo um terceiro elemento a cometer o assassinato, pode-se atingir o objectivo pretendido sem ter de assumir a responsabilidade. Num contexto marcial, esta máxima aconselha ao dirigente que explore o conflito dos diversos poderes. Para combater um inimigo forte, é necessário descobrir uma potência em desacordo com este inimigo e conduzi-lo a combatê-lo no nosso lugar. Desta maneira obtém-se um resultado duplo com metade do esforço. “

Esta estratégia não é sem estar a recordar-nos as recomendações de  RAND Corporation em 2008, que, vimo-lo, recomendava aos líderes americanos que utilizassem “ acções secretas, operações de informação, de guerra não convencional” para impor uma estratégia de “dividir para reinar”, e que incitava os Estados Unidos e os seus aliados locais “a utilizar os jihadistas nacionalistas para lançar uma campanha por procuração”

RAND conhece certamente os seus clássicos, o que não parece ser o caso dos porta-vozes do governo francês, que, sobre o sítio On te manipule , ousam escrever: “ainda que os acontecimentos tenham uma causa intencional e actores evidentes (atentado, assassinato, revolução, guerra, golpe de Estado…), a teoria da conspiração vai procurar demonstrar que isso realmente beneficiou o outro grupo escondido. É o método do bode expiatório.” O artigo de Robert F. Kennedy Jr. não deixa de demonstrar que, por detrás dos atores evidentes dos atentados, das guerras, dos golpes de Estado (os jihadistas por exemplo), havia efectivamente, pelo menos às vezes, os outros grupos escondidos que disso tiravam proveito (empresários militares, companhias petrolíferas , agências de informação…). Não é o método do bode expiatório; é o terceiro dos 36 estratagemas.

O artigo de RFK Jr. mostra também que as conspirações, quando são reais, não são necessariamente descobertas ao fim de “ dois dias”, contrariamente ao que pretendia apressadamente o desajeitado Umberto Eco em Março de 2011. Foi necessário por exemplo esperar 60 anos para que a CIA reconhecesse ter organizado o golpe de Estado no Irão contra Mossadegh. E alguns de entre nós descobrem apenas agora a conspiração do Catar e do Pentágono para fomentar, há alguns anos de distância , uma guerra civil entre sunitas e chiitas na Síria. Uma tal descoberta era altamente improvável, se tivéssemos que contar apenas com os  grandes meios de comunicação social.

Esta forma de estenografia produziu verdadeiras lendas …

Kennedy - XVIStephen Kinzer

Chegamos ao nosso segundo ponto. Poderia ser-nos suficiente citar aqui um artigo explosivo de Stephen Kinzer, antigo jornalista no New York Times, actualmente Senior Fellow no Instituto Watson para os Estudos internacionais na Universidade Brown, que aparece como um enorme eco do que afirma Robert F. Kennedy Jr. O seu artigo, publicado a 18 de Fevereiro de 2016 no Boston Globe, tem um título bem explícito: “Os meios de comunicação social andam a enganar a opinião pública sobre a guerra na Síria ”. O resto é a mesma coisa.

Kinzer descreve que se passa na e em redor da cidade de Alepo: os militantes dos grupos armados antigovernamentais semeiam a devastação em cidade, enquanto o exército sírio e a aviação russa os afastaram para fora de Alepo. O jornalista menciona o testemunho de um habitante da cidade publicado sobre as redes sociais: “Os rebeldes “moderados” protegidos pela Turquia e pela Arábia Saudita atacam a periferia da cidade com misseis e garrafas de gás .” A politóloga libanesa Marwa Osma afirma, do seu lado, que as tropas de Damasco constituem com os seus aliados a única força que combate realmente o Estado islâmico no terreno. No entanto, observa Kinzer:

“Isso não se encaixa com a narrativa de Washington. Como resultado, uma grande parte da imprensa americana está a relatar o oposto do que está realmente a acontecer. Muitas reportagens sugerem que Aleppo foi durante três anos ” uma das zonas libertadas”, mas agora está a ser empurrada para trás e a cair na miséria.”

Os americanos estão a ser informados de que a via virtuosa na Síria é a luta contra o regime de Assad e dos seus parceiros russos e iranianos. Devemos ter esperança de que uma justa coligação constituída por americanos, turcos, sauditas, curdos, e pela “oposição moderada” irá vencer. Por muito absurdo que seja acreditar em  Kinzer, este recusa criticar o povo americano, porque os americanos não dispõem “de nenhuma verdadeira informação sobre os combates, sobre os seus objectivos ou sobre a sua táctica”. A responsabilidade incumbe aos meios de comunicação social. Stephen Kinzer mostra-se impiedoso nesta matéria:

 « A cobertura da guerra síria será lembrada como um dos episódios mais vergonhosos da história da imprensa americana. Relatórios sobre a carnificina na antiga cidade de Aleppo são a ilustração mais recente do que acabo de afirmar . […]

Sob uma enorme pressão financeira, a maioria dos jornais, revistas e redes de televisão americanas têm reduzido drasticamente o seu corpo de correspondentes estrangeiros. Tantas notícias importantes sobre o mundo de agora vêm de repórteres sediados em Washington. Nesse ambiente, o acesso e credibilidade dependerá da aceitação de paradigmas oficiais. Os repórteres que cobrem a Síria estão em linha com o Pentágono, o Departamento de Estado, a Casa Branca, e os think tank ( grupos de pressão) “especializados”. Depois de uma viagem neste bem sujo carrossel eles sentem que cobriram todos os lados da história. Esta forma de estenografia gera o paleio que são afinal as notícias publicadas sobre a Síria.

Inevitavelmente, este tipo de desinformação tem manchado a campanha presidencial norte-americana. No recente debate em Milwaukee, Hillary Clinton afirmou que os esforços de paz das Nações Unidas na Síria foram baseados “num acordo que ela negociou em Junho de 2012 em Genebra.” Exactamente é o oposto que é verdade. Em 2012, a secretária de Estado Clinton juntou a Turquia, Arábia Saudita e Israel, num esforço bem sucedido para matar o plano de paz da ONU de Kofi Annan porque este teria apoiado o Irão e teria mantido Assad no poder, pelo menos temporariamente. Ninguém no estágio Milwaukee sabia o suficiente sobre isto para a corrigir.

Os políticos podem ser perdoados por distorcerem as suas acções passadas. Os governos podem também ser desculpados por andarem a promover a narrativa que acreditam ser a que mais lhes convém. Os jornalistas, no entanto, devem permanecer à parte dos círculos das elites no poder e das suas puras falsidades. A crise actual pôs bem à luz do dia o seu falhanço total neste plano.

Os americanos são considerados ignorantes do mundo que os rodeia. Nós somos, mas da mesma forma que o são também as pessoas de outros países. Se as pessoas no Butão ou na Bolívia não compreendem a situação na Síria, daí , no entanto, não vem nenhum grande mal ao mundo. A nossa ignorância é mais perigosa, porque nós agimos sobre o mundo. Os Estados Unidos têm o poder de determinar a destruição de nações. Pode fazê-lo com o apoio popular, porque muitos americanos – e muitos jornalistas – estão contentes com a história oficial. Na Síria, esta é: “Lute contra Assad, Rússia e Irão! Junte-se a nós, aos turcos, aos sauditas, aos curdos, para apoiar a paz! “Esta narrativa está espantosamente longe da realidade. Ele também é susceptível de vir a prolongar a guerra e condenar mais sírios ainda ao sofrimento e à morte. ”

(continua)

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Para ver a parte II deste texto de Taïké Eilée, publicada ontem em A Viagem dos Argonautas, vá a:

O DRAMA DOS MIGRANTES NUMA EUROPA EM DECLÍNIO E CAPTURADA POR ERDOGAN E OBAMA – 13. ROBERT F. KENNEDY, JR, DENUNCIA O CONFLITO NA SÍRIA: UMA “GUERRA POR PROCURAÇÃO” POR UM PIPELINE, por TAÏKÉ EILÉE – II

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Ver o original em:

https://taikeile.wordpress.com/2016/02/29/robert-kennedy-jr-denonce-le-conflit-en-syrie-une-guerre-par-proxys-pour-un-pipeline/

 

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