O DRAMA DOS MIGRANTES NUMA EUROPA EM DECLÍNIO E CAPTURADA POR ERDOGAN E OBAMA – 14. OS MEIOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL ANDAM A ENGANAR A OPINIÃO PÚBLICA SOBRE A GUERRA NA SÍRIA, por STEPHEN KINZER

refugiados - I

Selecção e tradução por Júlio Marques Mota

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Os meios de comunicação social andam a enganar a opinião pública sobre a guerra na Síria

Desinformação - I

 Stephen Kinzer, The media are misleading the public on Syria

Boston Globe, 18 de Fevereiro de 2016

A cobertura da guerra síria será lembrada  como um dos episódios mais vergonhosos da história da imprensa americana. Relatórios sobre a carnificina na antiga cidade de Aleppo são a ilustração  mais recente do que acabo de afirmar.

Há três anos que militantes violentos  têm controlado Aleppo. O seu governo começou logo com uma onda de repressão. Começaram imediatamente a distribuir  avisos à população  do tipo: “Não mandem  os vossos  filhos para a escola. Se o fizerem, ficaremos com as suas mochilas e vocês com os seus caixões. ”  Depois,  destruíram fábricas, esperando que os trabalhadores desempregados não teriam  outra alternativa do  que tornarem-se combatentes  ao lado deles.  Eles têm trazido máquinas roubadas para a Turquia para as venderem aqui.

Este mês, as pessoas em Aleppo viram finalmente alguns sinais  de esperança. O exército sírio e seus aliados conseguiram empurrar estes combatentes islâmicos para fora da cidade. Na semana passada, recuperaram  a principal estação  produtora  de energia. O fornecimento regular de electricidade será em breve restabelecido.  Espera-se  assim que o medo instalado por estes militantes na cidade esteja a desaparecer.

Militantes fieis à sua formação, estão a provocar enormes  estragos enquanto são forçados a fugir da cidade pelas forças  do Exército russo e sírio.  “Os rebeldes ditos moderados apoiados pelos turcos e pelos sauditas  regaram  os bairros residenciais de Aleppo com misseis não guiados e frascos de gás”, escreveu um morador Aleppo nos media sociais.  Um analista a viver em  Beirute, Marwa Osma,  perguntou: “O Exército Árabe da Síria, que é dirigido  pelo presidente Bashar Assad, é a única força no terreno, em conjunto com os seus aliados, que está a lutar contra o ISI  – será então que querem enfraquecer o único sistema que está a combater contra o ISIS ? “

Isso não se encaixa com a narrativa de Washington. Como resultado, uma grande parte da imprensa americana está a relatar  o oposto do que está realmente a acontecer. Muitas reportagens sugerem que Aleppo foi  durante três anos  ” uma das zonas libertadas”, mas agora está a ser empurrada para trás  e a cair na miséria.

Os americanos estão a ser  informados de que a via  virtuosa  na Síria é a luta contra o regime de Assad e dos seus parceiros russos e iranianos. Devemos ter esperança de que uma justa coligação constituída por  americanos, turcos, sauditas, curdos, e pela  “oposição moderada” irá vencer .

Esta situação é um complicado absurdo, mas os americanos não podem ser responsabilizados por acreditarem nisto. Nós temos quase nenhuma informação verdadeira  sobre os combatentes,  sobre os seus objectivos  ou sobre as suas tácticas. Muita culpa do que se está a passar deve-se ao comportamento  dos nossos   meios de comunicação.

Sob uma enorme  pressão  financeira, a maioria dos jornais, revistas e redes de televisão americanas têm reduzido drasticamente o seu corpo de correspondentes estrangeiros. Tantas notícias importantes sobre o mundo de agora vêm  de repórteres sediados em Washington. Nesse ambiente, o acesso e credibilidade dependerá da aceitação de paradigmas oficiais. Os repórteres que cobrem a Síria estão em linha  com o Pentágono, o Departamento de Estado, a Casa Branca, e os think  tank (grupos de pressão) “especializados”.  Depois de uma viagem neste  carrocel  bem sujo eles sentem que cobriram  todos os lados da história. Esta forma de estenografia  gera  o paleio  que são afinal as notícias publicadas sobre a Síria.

Surpreendentemente, os  bravos correspondentes na zona de guerra, incluindo americanos, pretendem enviar relatórios que se opõem aos relatórios publicados pelos jornalistas sediados em  Washington. Com grande risco  para a sua própria segurança, esses repórteres estão esforçar-se perigosamente para encontrar a verdade sobre a guerra na Síria. As suas reportagens muitas vezes iluminam  a escuridão criada pelo  pensamento único. No entanto, para muitos consumidores de notícias, as suas vozes  perdem-se  na cacofonia. Estes mesmos relatórios feitos sobre o terreno são  muitas vezes esmagados  pelo consenso de Washington.

Os repórteres sediados em Washington  dizem-nos  que uma força potente na Síria, a Frente al-Nusra , é composta de “rebeldes” ou “moderados”, e que isto não que é a marca  da Al-Qaeda local. A  Arábia Saudita é retratada como estando a  ajudar os  combatentes da liberdade quando na verdade a Arábia Saudita  é um dos principais patrocinadores  do  ISIS. A Turquia tem estado desde há anos consecutivamente a fazer funcionar  “ratline” (linhas de passagem) para os combatentes estrangeiros que desejam participar nos  grupos terroristas na Síria, mas uma vez que os Estados Unidos querem permanecer no lado bom da Turquia, ouvimos falar muito  pouco sobre isto. Nem estamos sempre a lembrarmos-nos que, embora queiramos  apoiar os  secularmente endurecidos combatentes curdos, a Turquia quer  é matá-los. Tudo o que a Rússia e o Irão façam   na Síria é descrito como negativo e desestabilizador, simplesmente porque são eles que o estão a fazer  – e porque essa é a linha oficial em Washington.

Inevitavelmente, este tipo de desinformação tem manchado  a campanha presidencial norte-americana. No recente debate em Milwaukee, Hillary Clinton afirmou que os esforços de paz das Nações Unidas na Síria foram baseados  “num acordo  que ela negociou   em Junho de 2012 em Genebra.”  Exactamente é o oposto  do que é verdade.  Em 2012, a secretária de Estado Clinton juntou a Turquia, Arábia Saudita e Israel, num  esforço bem sucedido para matar   o  plano de paz da ONU de Kofi Annan porque este  teria apoiado o Irão  e teria   mantido  Assad no poder, pelo menos temporariamente. Ninguém no estágio de Milwaukee sabia o suficiente sobre isto para a corrigirem .

Os políticos podem ser perdoados por distorcerem as suas acções passadas. Os governos podem também ser desculpados por andarem a  promover a narrativa que  acreditam ser a que mais  lhes convém.  Os jornalistas,  no entanto, devem  permanecer à parte dos círculos das elites no  poder e das suas puras falsidades.  A crise actual  pôs bem à luz do dia o seu falhanço total  neste plano.

Os americanos são considerados os  ignorantes do mundo. Nós somos, mas assim são  também  as pessoas de  outros países. Se as pessoas no Butão ou na Bolívia não compreendem a situação na Síria, daí, no entanto,  não vem grande mal ao mundo . A nossa  ignorância é mais perigosa, porque nós agimos sobre o   mundo.  Os Estados Unidos têm o poder de determinar  a destruição  de nações. Pode fazê-lo com o apoio popular, porque muitos americanos – e muitos jornalistas – estão contentes com a história oficial. Na Síria, esta é: “Lute  contra Assad, Rússia e Irão ! Junte-se a nós, aos turcos, aos sauditas, aos curdos,  para apoiar a paz! “Esta narrativa  está  espantosamente longe da  realidade. Ele também é susceptível de vir a prolongar a guerra e condenar mais sírios ainda  ao sofrimento e à morte.

Stephen Kinzer is a senior fellow at the Watson Institute for International Studies at Brown University. Follow him on Twitter @stephenkinzer.

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Ver o original em:

http://www.bostonglobe.com/opinion/2016/02/18/the-media-are-misleading-public-syria/8YB75otYirPzUCnlwaVtcK/story.html

 

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