Sobre as mentiras emitidas pelas Instituições Internacionais, assumidas como verdades pelos governos nacionais e difundidas pelos seus media – uma pequena série de artigos | 15. VI. Três programas de ajustamento- uma síntese

Falareconomia1

Selecção e tradução de Júlio Marques Mota

Sobre as mentiras emitidas pelas Instituições Internacionais, assumidas como verdades pelos governos nacionais e difundidas pelos seus media – uma pequena série de artigos

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VI – Três programas de ajustamento- uma síntese1

Três programas de ajustamento (memorando de entendimento o) têm-se sucedido desde 2010. Eles incluíram a concessão de novos empréstimos à Grécia, sob a condição de uma drástica austeridade. O primeiro programa data de Maio de 2010. Este devia ser concluído em Junho de 2013, mas o aprofundamento da crise levou à implantação de um segundo programa em Março de 2012. Este último, cujo mandato inicial foi fixado para Dezembro de 2014, foi prolongado até Junho de 2015. O terceiro programa substitui o anterior em Julho de 2015 e ele deve continuar até 2018.

Alguns não hesitam em considerar que esta ‘generosidade’ nada mais faz do que incentivar a má gestão orçamental na Grécia e que novos empréstimos foram em grande parte utilizados para o financiamento dos défices orçamentais correntes. Esta é a tese defendida pelos ultraliberais, entre os quais Hans – Werner Sinn que assumiu a seguinte posição: “ao contrário do que se afirma, a população grega também beneficiou dos créditos concedidos. Desde o início da crise, em termos líquidos, um terço do crédito público é destinado ao financiamento do défice corrente, um terço é utilizado no reembolso da dívida privada e um terço alimenta a fuga de capitais“. É também o ponto de vista de Jeremy Bulow e Kenneth Rogoff que alegam ser “a Grécia, na verdade, um país beneficiário líquido dos fundos da Troika de 2010 até meados de 2014, com um fluxo reverso modesto, uma vez que a Grécia se esquivou em aplicar as reformas”.

É significativo que estes golpes de punhal nas costas tenham sido espetados em Junho de 2015, no máximo da tensão entre o governo Tsipras e a Troika. Sabe-se que Rogoff não domina bem os seus ficheiros Excel, mas como é que ele pode apoiar uma tese tão oposta aos factos?

É fácil demonstrar que estas avaliações assentam sobre erros conceptuais, como o mostrou Pablo Bortz2, um universitário argentino, que conclui assim o seu estudo: “Um cálculo realista mostra que 54% da ajuda financeira fornecida à Grécia foi utilizado para reembolsar a dívida (estrangeiro), e 21% para recapitalizar os bancos gregos (em que alguns são detidos por bancos estrangeiros)”. Antes desta contribuição, dispunha-se já de uma avaliação realizada por Yiannis Mouzakis3 em Janeiro de 2015. Nesta, tem-se uma ventilação detalhada das somas recebidas desde ao primeiro Memorando de acordo com as suas utilizações (gráfico 1)

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Esta ventilação está resumida na tabela 1 abaixo. A comparação com a de Bortz mostra que as ordens de grandeza são comparáveis. A questão essencial é que o que ficou disponível para o financiamento do défice orçamental, por outras palavras, para o financiamento das despesas públicas, continua a ser marginal. Mais da metade foi para os credores (reembolso + juros), mas deve ser adicionada à recapitalização dos bancos e as operações de PSI ((Private Sector Involvement) destinadas a “amolecer” (sweeten) as perdas dos credores durante a reestruturação de 2012 (incluindo os juros adicionais). Por outras palavras, a maior parte dos fundos que entraram na Grécia voltaram para os credores ou beneficiaram os bancos mas não o povo grego como já se tinga mostrado com o relatório da Comissão para a verdade sobre a dívida grega.

Tableau 1. Duas avaliações da utilização dos fundos

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Um novo documento confirma estas avaliações

Um novo documento confirma estas avaliações

Um estudo recente acaba de confirmar os resultados de Mouzakis e de Bortz. Este estudo é feito por dois economistas da European School of Management and Technology de Berlin. Esta escola não é um bastião da heterodoxia económica , e Wikipedia diz-nos que esta escola foi criada por 25 instituições e empresas multinacionais, incluindo Bosch, KPMG e… Siemens, de que se conhece a relação ‘especial’ com a Grécia.

Este estudo é muito útil porque esta ventila muito minuciosamente a origem e o destino dos fundos ao longo dos três memorandos. Os seus principais resultados estão contidos na tabela 2 abaixo. E as conclusões muito claras confirmam estudos anteriores: “contrariamente à opinião generalizada, menos de 10 mil milhões de euros, ou seja de menos de 5% de todos os programas, foram aplicados no orçamento público grego. Por outro lado, a grande maioria do dinheiro recebido foi para os credores sob forma de reembolso dos pagamentos da dívida e dos juros”.

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Fonte : Rocholl, Stahmer, 20161

Infelizmente, as recomendações dos autores, classicamente neoliberais, partem do princípio que a causa da crise grega é “incapacidade do Estado grego em gerir adequadamente o seu orçamento público”. De forma pouco coerente com o seu diagnóstico, os autores afirmam que uma reestruturação da dívida (uma tesourada) “não é uma opção neste momento” e defendem ‘reformas estruturais’, incluindo a ampliação do processo de privatização.” No fundo numa escola de gestão de matriz europeia defende-se as teses da Comissão contra as teses do FMI mas nem uma nem outras põem em questão o desastre dos resultados que eles, isso sim, representam o desastre do modelo que os produz, o neoliberalismo, a globalização, a soberania dos mercados, os três vértices do triângulo que expressa a realidade de hoje.

Como diz Michel Husson no texto que temos vindo a citar,

Tudo isso é em si mesmo criminoso, porque é um povo que se imola no altar da finança. E é também é um crime que cometem os economistas pagos para demonstrar que a Grécia poderia escapar desde que eles concordem com as famosas ‘reformas estruturais’. Entra neste caso o caso o último estudo da OCDE2 que defende esta tese baseando-se em modelos completamente desfasados da realidade e em que todo o sentimento de humanidade está excluído.

1 Michel Husson, Où est allé l’argent des prêts « à la Grèce » ? Texto disponível em : http://cadtm.org/spip.php?page=imprimer&id_article=13440

2Pablo G. Bortz, « The Greek “Rescue” : Where Did the Money Go ? », INET Working Paper n°29, Novembro 2015.

3 Yiannis Mouzakis, « Where did all the money go ? », Macropolis, 5 Janeiro de 2015

1 Jörg Rocholl, Axel Stahmer, « Where did the Greek bailout money go ? », ESMT, 2016.

2 Ver OCDE, Greece, Economic Survey, Março, 2016.

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