Uma série sobre o caminho da agonia do capitalismo
Selecção e tradução de Júlio Marques Mota
O neoliberalismo, terá ele sido sobrevalorizado?
Jonathan D. Ostry, Prakash Loungani, and Davide Furceri, Neoliberalism: Oversold?
International Monetary Fund, Finance & Development, June 2016, Vol. 53, No. 2
Em vez de relançar a actividade, certas políticas neoliberais aumentaram as desigualdades o que, por sua vez, colocou em risco o crescimento sustentável da economia.
Em 1982, Milton Friedman congratulou-se com o “milagre económico” chileno. Quase uma década antes, o Chile tinha sido submetido a políticas que, desde então, têm sido impostas pelo mundo inteiro. A agenda neoliberal – termo mais utilizado pelos críticos do que pelos defensores desta política – é baseada em dois elementos principais. O primeiro é o aumento da livre concorrência, alcançado através da desregulamentação e da abertura dos mercados, inclusive financeiros, à concorrência estrangeira. O segundo é a redução do papel do Estado através das privatizações e dos limites ao défice orçamental e à dívida.
Tem-se verificado por todo o mundo, desde a década de 1980, a difusão generalizada do neoliberalismo. Esta é particularmente visível na maneira como os diferentes países têm introduzido a concorrência em diversos domínios da actividade para favorecer o crescimento. ..
Como pode ser visto no lado esquerdo do gráfico abaixo, o impulso neoliberal no Chile começou uma década antes de 1982, com as mudanças das políticas que aproximaram o Chile dos Estados Unidos. Outros países também têm estado a aplicar políticas neoliberais (ver gráfico, lado direito).
Certamente que houve elementos positivos na explosão neoliberal. A expansão do comércio mundial libertou milhões de pessoas da pobreza abjecta. O investimento directo estrangeiro tem sido muitas vezes uma forma de transferência de tecnologia e de know-how para economias em desenvolvimento. A privatização de empresas públicas permitiu, em muitos casos, a prestação de serviços mais eficientes e a redução da carga fiscal sobre os governos.
No entanto, houve outros aspectos do neoliberalismo que não funcionaram. A nossa avaliação é limitada aos efeitos gerados por duas políticas: a remoção de restrições à circulação de capitais através das fronteiras de um país (a famosa liberalização de capitais) e a consolidação orçamental, às vezes também chamada de “austeridade”, expressão utilizada para descrever as políticas de redução dos défices orçamentais e dos níveis de dívida. Uma avaliação destas políticas específicas (em vez de uma análise de todo o vasto processo neoliberal) conduz a três conclusões inquietantes:
– os benefícios em termos de crescimento parecem bastante difíceis de estabelecer quando se considera um grande número de países.
– os custos em termos de aumento das desigualdades são exorbitantes. Estes custos representam o dilema de crescimento / equidade da agenda neoliberal,
– o aumento das desigualdades hipoteca, por sua vez, o nível e a sustentabilidade do crescimento. Mesmo que o crescimento seja o único ou o principal objectivo do neoliberalismo, os seus defensores, no entanto, devem prestar atenção aos seus efeitos distributivos.
Abertura ou fechamento?
Como observou Maurice Obstfeld (1998), “a teoria económica não deixa nenhuma dúvida quanto aos potenciais benefícios” da liberalização do capital, às vezes chamada de “abertura financeira”. Isto pode permitir que o mercado internacional de capitais, canalize a poupança mundial a fim de tornar mais eficiente a sua utilização à escala internacional. Com as economias em desenvolvimento a disporem de pouco capital estas passam a poder recorrer aos mercados de capitais para poderem financiar os seus investimentos, o que favorece o seu crescimento económico sem a necessidade de grandes aumentos da poupança na sua própria economia. Mas Obstfeld salientou ainda o ” verdadeiro risco” da abertura aos fluxos financeiros estrangeiros. Ele admitiu que “esta dualidade dos riscos e benefícios era incontornável no mundo real.
E este o caso. A ligação entre abertura financeira e crescimento económico é complexa. Algumas entradas de capitais, tais como o investimento estrangeiro directo (IDE) – que podem incluir uma transferência de tecnologia ou de capital humano – parecem estimular o crescimento a longo prazo. Mas o impacto de outros fluxos – como os investimentos de carteira, [os movimentos de curto prazo], os serviços bancários arriscados ou especulativos sobre a dívida – não parecem nem estimular o crescimento nem permitir aos países partilharem melhor o risco com os seus parceiros comerciais (Dell’Ariccia et al., 2008;) Ostry, Prati e Spilimbergo, 2009). Isto sugere que o equilíbrio entre benefícios e riscos dos fluxos de capital depende do tipo considerado de fluxos , bem como da natureza das políticas aplicadas.
Se o crescimento e os lucros são incertos, os custos em termos de instabilidade económica e a frequência das crises parecem quanto a elas mais evidentes. Desde 1980, houve cerca de 150 episódios da volatilidade dos fluxos de capital em mais de cinquenta economias emergentes. Como se indica na tabela abaixo e na coluna da esquerda, estes episódios terminaram com crises financeiras em 20% dos casos, dos quais muitos associados com fortes episódios recessivos (Gosh, Ostry e Qureshi 2016) .
A alternância regular desses ciclos de expansão e recessão confirmam a posição de Dani Rodrik, um economista de Harvard. Para ele, isto “é considerado com dificuldade como sendo uma pequena falha nos fluxos internacionais de capital enquanto que na verdade é o fundo da questão “. Embora várias causas funcionem em conjunto, a abertura cada vez maior aos fluxos de capital é um verdadeiro factor de instabilidade. Além de aumentar o risco de um acidente, a abertura financeira modifica a redistribuição do rendimento e aumenta significativamente as desigualdades. Além disso, os efeitos da abertura sobre as desigualdades são muito maiores quando um acidente acontece (gráfico abaixo, a coluna da direita).
A evidência do custo elevado da abertura dos mercados de capitais em comparação com os ganhos, especialmente no que diz respeito aos fluxos de curto prazo, levaram o ex-vice director-geral do FMI, Stanley Fischer, agora Vice-Presidente da Reserva Federal dos Estados Unidos, a questionar-se recentemente: “Qual é a utilidade dos fluxos internacionais de capital de curto prazo? No seio daqueles que hoje tomam decisões, sente-se crescer a vontade de controlo para limitar os fluxos a curto prazo que são considerados susceptíveis de causar – ou pelo menos de fortemente participarem numa crise financeira. Enquanto o controle de capitais não é o único instrumento de política que está disponível – a taxa de câmbio e as políticas financeiras também podem ajudar – por vezes é a única opção quando a fonte de um boom de crédito insustentável é o empréstimo directo ao exterior (Ostry et al., 2012).
(continua)
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