
Selecção e tradução de Júlio Marques Mota
Sobre os défices públicos. O que não pode ignorar
Bill Mitchell, Budget deficit basics
billy blog, 2 de Abril de 2011
Recebo muitos E-mails por semana com as pessoas a pedirem-me para explicar exatamente o que é um défice. Eles compreendem bem que um défice público é a diferença entre receitas e despesas, mas em seguida, tornam-se confusos como resultado de terem estado agarrados a narrativas provenientes de políticos e lobistas que abusam dos termos e sempre tentam confundir os termos défice e dívida. Assim, hoje iremos publicar um texto base sobre os défices e porque é que cada um de nós deve considerá-los como bem-vindos (geralmente) e por isso é que todos nós deveríamos dormir bem quando o governo está em situação de défice. Pois bem, os conhecimentos básicos sobre défices.
Há dois artigos recentes no Wall Street Journal que me motivaram a escrever este texto hoje mais do que noutra altura qualquer. Estes dois artigos são bons exemplos de declarações políticas que abusam completamente sobre os conceitos económicos subjacentes que estavam a ser discutidos e, portanto, informam mesmo muito mal o debate público.
Ao fazê-lo, eles auto-reforçaram conceitos económicos ilegítimos e colocaram ainda mais as economias respectivas a estarem focalizadas sobre ainda mais perigos.
O primeiro dos artigos (1º de Abril de 2011) – o governo de Japão atinge recorde na subscrição de divida pública pelo BOJ – dá-nos conta das posições assumidas pelos ministros mais relevantes do governo japonês e em que estas se referem aos recursos necessários que devem ser mobilizados em face do terremoto e do esforço da reconstrução do tsunami e que os contribuintes terão de pagar.
O partido Democrática, na oposição, sinalizou que as “ preocupações sobre o impacto da subscrição de BOJ são exagerados”. Este partido quer que o Banco do Japão (banco central) “imprima mais dinheiro para subscrever a compra das obrigações públicas, um passo que exigiria a sua aprovação pelo Parlamento”
Eu analisei recentemente o problema da reconstrução neste blogue – Earthquake lies – e então especificamente, a questão do Banco do Japão comprar diretamente dívida pública ao Ministério das Finanças– We’re sticking to our strict fiscal rules.
O artigo de WSJ citou primeiramente o Ministro das Finanças Yoshihiko Noda que disse:
O governo não está a considerar … [nenhum financiamento direto do banco central para a dívida pública deve ser]… muito, muito prudente ir em frente…
O WSJ igualmente disse que Noda referiu que “as taxas de juro a longo prazo aumentaram logo que os legisladores consideraram a hipótese de compras diretas de obrigações de dívida pública num relatório publicado electronicamente na quinta-feira”.
A referência às taxas de juro a longo prazo é uma tentativa de dizer que os “mercados” têm medo da inflação que resultaria da aquisição directa da dívida pública pelo banco do Japão. As taxas de juros a longo prazo distanciam-se das taxas de curto prazo por alguma componente de risco e pelas expectativas de inflação a longo prazo.
Os aumentos de rendimentos a longo prazo na dívida pública podem também apontar para uma melhoria na situação da economia que leve os investidores de obrigações a diversificarem as suas carteiras em ativos financeiros mais arriscados e então a procura por dívida pública cai e aumentam os seus rendimentos.
Os rendimentos de títulos a longo prazo estão em mínimos históricos no presente e pequenas correções à alta nestes rendimentos não quer dizer que os mercados de títulos estejam a temer um surto de inflação tão cedo.
O rendimento em notas de maturidade a 10 anos (atualmente em 1,3 por cento) já subiram em cerca de 10 pontos base nos últimos 12 meses, mas continua bem abaixo da média dos últimos 25 anos (cerca de 2,75 por cento). Antes do rebentamento da crise do imobiliário de 1990, o rendimento de títulos de notas de 10 anos era de 8,23 por cento. Como os défices se expandiram na década de 1990 para relançar o crescimento o rendimento dos títulos caiu profundamente e em Junho de 2003, havia alcançado um recorde de baixa de 0,45 por cento.
O WSJ também informou que o Ministro da economia Kaoru Yosano disse que “ter o banco central subscrito títulos de dívida pública” significaria:
Ser impensável e não deixaria que isso acontecesse, acontecesse o que acontecesse, .. uma tal ação, ignorando a disciplina fiscal, o governo japonês e o BOJ perderiam a sua credibilidade internacional… Eu mesmo não posso sequer prever qual seria o efeito de ricochete contra as taxas de juros a longo prazo no mercado.
Surge a pergunta: porque importaria a credibilidade internacional (assente sobre o quê afinal?) quando o Japão tem quase toda a sua dívida colocada nas mãos dos investidores nacionais e também não se cansa de o afirmar publicamente?
Mas estas declarações ministeriais são declarações meramente políticas, reflectindo a apreensão que os neoliberais têm sobre o debate político. Não há nenhum conteúdo económico credível nestas declarações.
Eu noto que hoje – o primeiro dia de negociação depois dos ministros terem feito as suas declarações sobre a reafirmação do seu compromisso “do disciplina orçamental ” (ao estilo conservador) que a curva de rendimento da dívida pública japonesa estabilizou um bocado (rendimentos a curto prazo a descerem e rendimentos do prazo a subirem).
Se estes movimentos na semana passada refletiram realmente o medo de a inflação poder transformar-se num problema no Japão em consequência da especulação de que o banco central poderia começar diretamente a comprar dívida ao Ministério das Finanças então, a seguir, os rendimentos devem ter caído esta semana em consequência das indicações fortes dos dois ministros económicos relevantes na matéria. .
O problema é que esses movimentos não têm nada a ver com a especulação uma vez que o BOJ pode exercer o seu direito legal de facilitar diretamente a despesa pública sem forçar a uma correspondente emissão de dívida nos mercados obrigacionistas privados.
Os mal-entendidos não eram só do lado conservador da política japonesa. O artigo do WSJ citou uma elevada figura do Partido Democrático do Japão Yoichi Kaneko que terá dito:
O único aspecto negativo da subscrição do Banco Central é que os preços vão aumentar por causa do dinheiro que está a ser gasto pelo governo e, por isso, a fluir para o mercado… Não consigo imaginar que as taxas de longo prazo vão subir…
Assim, o “progressista ” é um teórico quantitativista – a última decepção montada pelos economistas conservadores. Se as despesas públicas causarem inflação como uma questão de ser uma consequência dessa política então o Japão deve ter tido até agora uma hiperinflação. Em vez dele tem estado a lutar contra a deflação desde há anos e não com o défice orçamental a ser mantido.
O artigo termina com algumas dicas de que a sugestão de que o banco do Japão compre dívida pública terá surgido devido a riscos de insolvência:
A preocupação é que quanto mais aumenta a dívida pública acumulada do Japão – já duas vezes o valor do seu PIB — isto será provavelmente um combustível sobre a capacidade do governo em conter a sua compulsão de contrair empréstimos, levando os investidores a exigir taxas de juros mais altas para compensar o risco de detenção de títulos do governo.
Quem está a expressar preocupação aqui? Os mercados obrigacionistas parecem contentes. As pessoas no mercado de trabalho estão a ser apoiadas pelos défices públicos. As regiões que estão a ser reconstruidas estão igualmente a beneficiar.
Eu adoro os jornalistas que citam “a preocupação”, mas não nos dizem quem é que está preocupado, para além de um grupo de quadros dos mercados financeiros super bem pagos que desejam que subam os rendimentos das suas carteiras de activos. Os mercados obrigacionistas sabem que as suas compras de dívida pública japonesa estão isentas de riscos – caso contrário eles teriam deixado de a comprar desde há décadas.
Historicamente, os rendimentos de obrigações a longo prazo (como se mencionou anteriormente) têm sido muito baixos em relação a outros lugares.
Mas o problema é que o artigo está a alimentar o mito de risco de insolvência. Num artigo curto, vemos que os grandes mitos da macroeconomia neoliberal em termos de orçamentos tem estado a ser re-ensaiados. Uma dose concentrada contínua de mentiras.
Quando este tipo de absurdos está a ser divulgado todos os dias por uma infinidade de comentaristas dos media não é pois de admirar que as pessoas fiquem confusas. Especialmente quando os media supostamente progressistas propagam a sua própria versão da mesma narrativa.
E então quando qualquer pessoa vai a um jantar numa sexta-feira à noite… e alguém que por lá esteja e tenha estudado economia algures jorra para cima de todos os presentes a “sabedoria” com que se terá instruído no manual do neoliberal Mankiw, então passam o fim-de-semana a escreverem-me emails a pedir esclarecimentos Não é de espantar.
O segundo artigo (em Abril de 2011) – GOP Aim: Cut $4 Trillion Budget Plan Would Transform Medicare, Reset Budget Debate; Democrats Balk – discute a proposta orçamental de 2012 apresentada pelos republicanos dos EUA que “cortaria mais de $4 milhões de milhões na despesa federal projetada para a próxima década e transformariam o programa de saúde de Medicare para as pessoas idosas”.
Não pretendo criticar este artigo – as questões são óbvias.
Eles pretendem negar aos pobres e aos mais fracos os recursos reais que são necessários para se assegurar um mínimo de respeitabilidade, porque alegam que não podem pagar-lhes. Bem, eles alegam que fornecer este arremedo de dignidade e segurança para os cidadãos que não podem tê-la de outra maneira sai “muito caro”.
Eles realmente não entendem que o “custo” destes programas são os recursos consumidos por eles. Na verdade, os números em dólares ligados a estes programas são insignificantes. O governo dos EUA sempre pode “pagar” para se “gastarem” as respectivas somas .
Mas nenhum de nós vai alguma vez ouvir o debate feito em termos de se esta alocação de recursos reais é possível ou não. É possível que as crescentes exigências em recursos efectivos exija decisões políticas sobre se a Comunidade dos Estados Unidos pode obter melhor valor com estes recursos (e com esta particular utilização).
Isso é um debate legítimo, mas não tem nada a ver com os défices orçamentais.
Nenhum dos dois partidos nos Estados Unidos coloca assim a questão.
(continua)
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