HOMENAGEM A JOÃO CRAVINHO PELOS SEUS OITENTA ANOS – DE UMA CRISE A OUTRA, DA CRISE DOS ANOS DE 1930 NA ALEMANHA À CRISE DOS ANOS DA TROIKA — A EQUIVALÊNCIA NOS DISCURSOS POLÍTICOS, A EQUIVALÊNCIAS NAS POLÍTICAS ECONÓMICAS APLICADAS – XIII

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Selecção, tradução e montagem por Júlio Marques Mota

ANEXO 1

(PARTE III)

Possibilidades de relançar a economia através da expansão do investimento e do crédito

Wilheim Lautenbach -1931

 

Possibilidades de relançar a economia através da expansão do investimento e do crédito

Wilhelm Lautenbach, 9 de Setembro de 1931

(CONCLUSÃO)

VIII. A política proposta

A política proposta só se pode justificar se forem tomadas certas medidas preventivas e compensatórias para evitar efeitos nefastos na política económica e financeira. As medidas positivas que desencadeiam tendências inflacionárias devem ser acompanhadas de outras negativas que atuem sobre a diminuição dos preços, nomeadamente:

a) imediatamente: o desmantelamento dos cartéis e redução vigorosa e planeada dos preços fixados pelos monopólios através da intervenção direta do Estado, de modo a podermos voltar a ter rácios de preços razoáveis que são a condição prévia de uma retoma económica real e da realização de um equilíbrio natural na economia;

b) mediatamente: cortando nos custos através da diminuição dos salários. Esta redução de custos é consequência da concorrência dos empresários no nível mais baixo dos custos e por causa das já discutidas mudanças na procura de bens de consumo, um factor que, por si só, favoreceria a tendência da redução de preços.

Com uma dosagem adequada de medidas positivas e negativas seria possível estimular a economia mesmo com os preços ainda em queda. As medidas negativas (política salarial e anti-cartel) são cruciais para garantir que o pretendido estímulo da economia leva a um desenvolvimento saudável, orientado pelo bom funcionamento do mercado. Elas vão manter e promover a competitividade no mercado mundial (através da redução dos custos unitários para a indústria transformadora, que é a que tem mais importância para as nossas exportações). Ao mesmo tempo ambas as medidas atuam no sentido de criarem algum espaço para novos empréstimos de investimento e isto na medida em que limitam o volume de crédito para funcionamento; de tal modo que estes créditos não são , em sentido pleno, novos empréstimos adicionais mas, em parte, apenas empréstimos de prazos mais alargados. Isto não deve ser entendido apenas em sentido formal, na medida em que utilizamos agora na produção acrescida o dinheiro (dinheiro/cash e moeda escritural) mas também em sentido material de genuína formação de capital económico.

O trabalhador, como um consumidor, vai beneficiar das mudanças de preços apenas de forma limitada, na medida em que quaisquer cortes salariais nominais representam também uma redução dos salários reais. Este sacrifício dos trabalhadores é, economicamente, a poupança que é produtivamente utilizada como novo capital através do recrutamento de trabalhadores em obras públicas. A ligação de um programa de sacrifícios e austeridade com um programa de reconstrução económica sanciona tanto a nossa política de investimento e de crédito assim como a nossa política de austeridade. Como medida isolada, cada poupança forçada (corte) sob a forma de diminuição da despesa com pessoal no Estado ou no sector privado, seria inútil. Por outro lado, sem as políticas de preços e salários exigidas, as possibilidades de uma política de estímulo à economia através de investimentos generosos, financiados pelo crédito interno, seriam muito limitadas; o risco de nos excedermos e nos comprometermos para além das nossas forças, reduziu-se. Ao restringir o consumo nos trabalhadores ocupados na produção corrente, adquirimos a capacidade de tornar útil a poupança obtida através de novos créditos de gestão para pagamento de salários aos trabalhadores recém-contratados (com contratos novos). Não podemos e não devemos contentar-nos com o comportamento meramente passivo de restrição do consumo, mas temos que utilizá-lo como um meio para aumentar a produção. Um fator decisivo é que a poupança e a utilização produtiva dessa poupança, caminhem de mãos dadas. A ação positiva, de disponibilização de investimento e de crédito constitui, sob todos os pontos de vista o fator primordial, as medidas de poupança são apenas algo secundário, de certo modo, apenas um seguro contra a sobrecarga ou exagero, simultaneamente um seguro contra reações psicológicas desagradáveis, um paliativo contra a psicose (insensata) da inflação, de que o todo mundo sofre. Aqui é preciso salientar e enfatizar sempre o seguinte: o fato de que atualmente temos um excedente na balança comercial extremamente forte, que – se continuar neste nível – será o suficiente para pagar anualmente cerca de 1,5 mil milhões de empréstimos externos, e que , por outro lado, ainda subsistem grandes dificuldades de escoamento em toda a linha da nossa produção de tal modo que existem excedentes de produção inutilizáveis, portanto, ainda em curso, apesar de que grande excedente no comércio exterior e, apesar de um forte estrangulamento da produção, mostra que ainda temos uma margem de produção não utilizada muito forte. É muito razoável e economicamente completamente inofensivo valorizar estes excedentes de produção até então não utilizados, disponibilizando-os na forma de crédito para a execução de tarefas economicamente razoáveis e necessárias. Com tal política de investimento e de crédito, a desproporção entre oferta e procura, no mercado interno, é eliminada obtendo-se assim, de novo, uma meta e uma orientação para a produção total. Se negligenciarmos uma tal política positiva, estaremos a caminhar inevitavelmente para um novo declínio económico e para a ruína completa da (nossa) economia (nacional), para um estado em que, a fim de se evitar a catástrofe política interna, se força a uma dívida pública de curto prazo só para consumo, numa altura em que ainda temos a possibilidade de usar esse potencial de crédito para tarefas produtivas, equilibrando, simultaneamente, a nossa economia e as nossas finanças públicas.

IX. Há apenas duas questões absolutamente cruciais que permanecem em aberto:

  1. Existe um risco de inflação, quando o financiamento de créditos (de financiamento) de curto prazo não é feito com a devida antecedência?

  2. Existirá a certeza ou pelo menos uma probabilidade que se aproxime de uma certeza de que o financiamento é possível num futuro próximo?

Sobre 1: Os fatores seguintes determinam a eficiência dos empréstimos:

a) o volume dos stocks existentes e dos excedentes de produção atualmente não utilizáveis, resultantes das relações de produção e de comercialização nesta fase ;

b) o volume dos excedentes de produção conseguidos através da redução dos salários e ordenados (poupança nacional suplementar);

c) a extensão e o ritmo da expansão do crédito;

d) a extensão e ritmo de aumento da produção;

e) velocidade de circulação do dinheiro, tanto de moeda/cash como da moeda escritural.

Se, como consequência da ação proposta, os níveis salariais se reduzissem, em média, cerca de 5%, isso significaria que, em meio ano, haveria uma redução na procura de cerca de 1/2 milhar de milhões.

Seria, portanto, necessária a contratação de 500.000 trabalhadores com um salário médio anual de 2.000 RM, apenas para compensar esta restrição do consumo.

Admitindo que o Reichsbank introduz, no prazo de meio ano, um programa adicional (suplementar) de construção e fornecimentos da ordem dos 1 200 milhões de RM, e que seriam também adicionalmente gastos no curso desse meio ano mais 300 milhões de RM para a construção de arruamentos, daí resultaria o seguinte quadro: provavelmente na construção de arruamentos se se levar em conta o trabalho em pedreiras, saibreiras, etc., mas não os outros trabalhos prévios e complementares, tais como alcatrão, carvão, etc., 60% dos custos de construção recaem sobre os salários, ou seja cerca de 180 milhões de RM. Nos caminhos-de-ferro foi destinado para o trabalho de melhoria da superestrutura, de pontes, etc., diretamente nos estaleiros uma estimativa de 1/3 do montante gasto em salários. Os salários adicionais para o fornecimento dos materiais utilizados (vigas, carris, travessas, pedras, etc.) seriam utilizados apenas na medida em que estes materiais não pudessem ser entregues a partir de armazéns com estes produtos existentes como excedentes. Para começar, seria assumido que na construção de linhas férreas todos os materiais poderiam ser fornecidos a partir de armazéns com stocks excedentários. Daqui resultaria o seguinte:

massa salarial adicional na construção de arruamentos 180 milhões de RM

 na construção de ferrovias 400 milhões de RM

Total 580 milhões de RM

A massa salarial global na economia, calculada sobre o semestre, aumentaria apenas cerca de 80 milhões em comparação com a situação até agora. No mercado de bens de consumo (necessários) ocorreriam apenas variações insignificantes.

No entanto, o efeito da ação não se esgota por aqui. Em vez disso, há que observar agora as mudanças que estão a acontecer na rentabilidade das empresas e na esfera do crédito. Do custo total de construção de 1 500 milhões RM, resta o que não foi usado para pagar salários, isto é, 920 milhões RM, para o pagamento dos materiais existentes e para compensar outros custos (impostos, o transporte, o desgaste de máquinas e equipamentos durante a construção, os lucro e os custos dos empresários). Suponhamos que os outros encargos, no sentido acima mencionado, representam, no caso acima mencionado, um total de 400 milhões de RM. Para os materiais existentes nos armazéns, incluindo as matérias-primas etc., 520 milhões de RM. O valor dos materiais, será creditado na conta bancária do fornecedor depois de descontados os aceites do cliente. Regularmente isto vai reduzindo as suas dívidas bancárias, apenas em casos relativamente raros, eles vão receber um depósito bancário.

Através do escoamento dos stocks existentes, descongelam-se assim regularmente as contas bancárias até aí congeladas pelas dívidas existentes de tal modo que os novos créditos de financiamento não levam de imediato a igual aumento dos ativos ilíquidos bancários criando-se assim um relativo desfasamento na variação dos financiamento e na variação dos ativos ilíquidos. O mesmo vale para os montantes destinados a cobrir outros custos, se eles não constituem impostos e taxas. Por outras palavras, a grande quantidade de montantes não utilizados para o pagamento de salários vai servir para compensar a dívida bancária das empresas e isto significa que a recém-criada moeda bancária (para os financiamentos) é, em grande parte, consumido automaticamente após a primeira troca de moeda por produtos e, por isso, não circula mais. No que respeita aos salários pagos, nas condições aqui admitidas, vale dizer o mesmo, que o peso da massa salarial na economia só aumenta de forma negligenciável. O excesso de despesas monetárias é compensado pelo menor gasto em salários do resto da economia. Ao mesmo tempo, em todas as empresas, na medida em que não estavam envolvidas em obras públicas, devido à redução dos custos de produção e permanecendo a mesma produção (em quantidade e preço) os lucros aumentam e reduz-se a necessidade de capital de tesouraria. A rentabilidade da indústria, globalmente, terá pois melhorado um pouco, mas ainda não se terá restabelecido o equilíbrio entre a oferta e a procura. Estas condições só poderão melhorar gradualmente, se e só se na medida em que as indústrias que forem particularmente favorecidas pelo fornecimento de materiais para as obras públicas, puderem desocupar os seus armazéns vendo-se assim na necessidade de produzir novamente mais do que antes.

O pressuposto de tudo isto será que obtenham novo crédito dos seus bancos. Em seguida, repete-se de novo o processo descrito, com um efeito relativamente mais forte: novo empréstimo, a contratação de (novos) trabalhadores, o aumento da procura, agora sem restrições em outros lugares – mudando assim o equilíbrio entre oferta e a procura, os bens que anteriormente não tinham escoamento encontram agora saída. Então este é o verdadeiro arranque do movimento que revitalizará toda a produção.

Para que isto não conduza a exagero no ritmo e escala, mas seja objeto de uma certa travagem automática e continuamente, contribui para tal e quase com toda a certeza o facto de os depósitos bancários recém-criados, na sua circulação, irem cair numa conta de débito sendo, assim, quase consumidos, de tal modo que haverá sempre uma nova necessidade de empréstimos bancários para que os empresários que recebem as verbas estejam em condições de dispor de novo, em pleno, delas. É precisamente este facto que na evolução progressiva desta dinâmica permite que, quando os bancos estão predispostos a ceder aos empresários quando estes pretendem esgotar o antigo limite de crédito, se possa regular e retardar o movimento através de uma intervenção do banco central (Reichsbank).

Em geral, haverá um certo ritmo de expansão e de contração do crédito no setor bancário (as instituições de crédito) o que por sua vez levará a que haja igualmente um certo ritmo de, expansão e contração como solução para a anterior rigidez dos custos. Este facto, de se poder realizar, de novo, um movimento um pouco mais normal nas contas a débito, significa, simultaneamente, um forte alívio do mercado de capitais, porque os bancos em tais circunstâncias sentem-se menos obrigados a forçar os seus devedores a desfazerem-se dos seus títulos. Isto beneficia grandemente o desempenho da Bolsa ( mercado de acções) e permite, de novo, que os credores (Kreditoren) do banco valorizem os seus depósitos através da compra de títulos. Tal movimento marcaria o início de um muito importante e necessário processo de liquidação e consolidação do nosso sector bancário, que, no entanto, tem limites infelizmente mais estreitos do que em tempos normais, porque uma grande percentagem dos credores dos bancos alemães são credores estrangeiros, dos quais apenas uma pequena parte se pode esperar que se envolva no mercado alemão de títulos. Mas pode-se esperar que, se tal movimento se afirmar de forma significativa, se concretize a possibilidade de os capitais alemães que fugiram para o exterior retornem para “entrar” na bolsa alemã.

Sobre 2:. A probabilidade de que o financiamento de empréstimos de curto prazo seja possível num futuro previsível é, claramente, muito elevada, se se verificar o movimento descrito anteriormente no mercado de títulos. No entanto, o desenvolvimento descrito não pressupõe, de modo algum, um otimismo exagerado, mas assenta numa certeza quando os efeitos do estímulo da expansão do crédito primário sobre as vendas e a produção de mercadorias é maior do que o pressuposto aqui – e isto é pressuposto precisamente por aqueles que aceitam um maior risco de inflação. É uma regra confirmada quer pela experiência quer pela teoria de crédito, que o mercado de títulos reage muito mais rapidamente e com mais energia à expansão do crédito do que o mercado de mercadorias. Em todas as circunstâncias, a ligeira tendência de transposição da subida no mercado de bens (Warenmarkt) para o mercado de títulos, leva aqui a significativamente maiores flutuações. Para além de todos os outros momentos contribui para isto o facto de que com o aumento da produção a formação de poupança cresce de modo extremamente rápido e forte.

O resultado global das considerações teóricas sobre o crédito pode ser resumido nesta frase: a expansão do crédito acompanhada de investimento generoso não contribui para uma maior falta de liquidez mas contribui, isso sim, para a melhoria na liquidez e para a consolidação do nosso sector financeiro.

SGD. Dr. LAUTENBACH

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Para ler a parte II deste Anexo, com a segunda parte do texto Possibilidades de relançar a economia através da expansão do investimento e do crédito, de Wilhelm Lautenbach, clique em:

HOMENAGEM A JOÃO CRAVINHO PELOS SEUS OITENTA ANOS – DE UMA CRISE A OUTRA, DA CRISE DOS ANOS DE 1930 NA ALEMANHA À CRISE DOS ANOS DA TROIKA — A EQUIVALÊNCIA NOS DISCURSOS POLÍTICOS, A EQUIVALÊNCIAS NAS POLÍTICAS ECONÓMICAS APLICADAS – XII

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