A SITUAÇÃO E O FUTURO DA CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS E DOS SEUS TRABALHADORES – por EUGÉNIO ROSA – III

(conclusão)

13. A REDUÇÃO DO “COST-TO-INCOME” À CUSTA DE CORTES NOS CUSTOS OPERACIONAIS E NÃO ATRAVÉS DO AUMENTO DO NEGÓCIO BANCÁRIO  

O “cost-to-income é uma medida normalmente utilizada para medir a eficiência na banca. Ele obtém-se dividindo os Custos operacionais (Despesas com pessoal + Gastos gerais administrativos + Amortizações) pelo Produto bancário (o VAB da banca). E quanto mais baixo é maior é a eficiência. No entanto, ele tem o inconveniente de não ser um indicador totalmente seguro da qualidade da gestão nomeadamente a nível de crédito e de aplicações em outros ativos. A sua redução poderá ser obtida através do aumento do Produto bancário, e para isso é necessário que o negócio bancário cresça, ou por meio de cortes nos custos operacionais, que parece ser a opção escolhida pela atual administração e por Bruxelas.

O “Produto bancário” da CGD aumentou, entre o 1º Trim.2016 e o 1º Trim.2017, em 194 milhões €, pois passou de 296 milhões € para 435 milhões €. Este aumento foi conseguido por meio do aumento do “Produto bancário core” que, como já referimos, foi conseguido fundamentalmente à custa dos depositantes e não do aumento do negócio bancário, mas também através dos “resultados de operações financeiras”, que é uma receita aleatória, e que, no período considerado, teve uma variação positiva de 179 milhões € (passou de -98 milhões € para +81 milhões €). Como consequência, verificou-se uma melhoria no “cost-to-income” da CGD que, entre 1º Trim.2016 e o 1º Trim.2017, diminuiu de 99% para 70,5%, valor este ainda distante dos 45% do Plano Estratégico 2020 ou 40% defendido por Paulo Macedo em conferências.

É evidente que perante tal pressão para reduzir o “cost-to-income” para um valor tão baixo,  a administração da CGD, face à incapacidade que está a revelar para aumentar o negócio bancário, é tentada em o obter através de uma enorme redução dos custos operacionais, nomeadamente, dos custos de pessoal, o que determinará, a concretizar,  despedimentos e fecho de mais balcões que, a avançar, perante a passividade do governo e seus apoiantes, causaria certamente a destruição da CGD da forma como é atualmente e a diminuição do papel da CGD na economia e na sociedade portuguesa e não resolveria os seus problemas.

Seria importante que a atual administração da CGD procurasse recuperar e consolidar a CGD, e não a reduzindo a uma “mini-CGD” como Bruxelas pretende. No entanto, o “plano de despedimentos por mutuo acordo” (?!), que analisamos detalhadamente no inicio, destinado a trabalhadores até aos 55 anos, em que a ameaça de despedimentos é real e em que o corte das remunerações variáveis poderá ser utilizado como chantagem contra cerca de 50% dos trabalhadores, associado ao “programa de pré-reformas”, bem como a intenção anunciada pela administradora da área de pessoal de manter o congelamento das remunerações dos trabalhadores até 2020, remunerações  estas que se mantêm inalteráveis desde 2010,  parece confirmar que  estratégia escolhida pela atual administração foi a 1ª opção, ou seja,  a de transformar a CGS numa “mini-CGD” ou numa “Caixinha”.

14. O CORTE NAS DESPESAS COM PESSOAL, E A INVERSÃO NAS DESPESAS DE PESSOAL NO 1.º TRIMESTRE DE 2017  

Um dos instrumentos que a banca está a utilizar para reduzir custos e assim poder apresentar resultados positivos, face à incapacidade revelada pelas administrações para aumentar o negócio bancário num contexto económico e social difícil, é a redução de trabalhadores e o fecho de agências, ou seja, “encolhendo”. A CGD não foge a essa regra.

Entre 2015 e 2016, a nível das contas consolidadas, os “Custos com pessoal” diminuíram de 803,9 milhões € para 705,8 milhões €, ou seja, em -12,2%. Nestes totais estão incluídos 61,6 milhões € em 2015 e 5,5 milhões € em 2016 para “provisão para acordos de suspensão de prestação de plano de trabalho” (Plano Horizonte),ou seja, para reduzir o numero de trabalhadores que são despesas, em principio, que não deviam ser repetidas, a não ser que se queiram fazer mais reduções e fechos de agências. Mas as “remunerações dos empregados”, que já não incluem aquele tipo de encargos, a nível de contas consolidadas, diminuíram, entre 2015 e 2016, de 529 milhões € para 497,7 milhões € (corte de -5,9%).

A nível de contas individuais, os “Custos com pessoal”, ou seja, das contas só da CGD, e não do “grupo Caixa” como as anteriores,  também diminuíram pois, entre 2015 e 2016, passaram de 590,8 milhões € para 503,7 milhões € (-14,7%), e as “Remunerações com empregados” também registaram uma redução pois, entre 2015 e 2016, passaram de 360,4 milhões € para 339,6 milhões €, ou seja, sofreram um corte de -5,7%. Entre 2010 e 2016, a CGD Portugal, e não o “grupo Caixa”, perdeu 1.559 trabalhadores no nosso país (297 em 2016), pois passou de 9.672 de trabalhadores para apenas 8.113, e 152 agências (tem atualmente 717 agências bancárias), tendo perdido 47 agências em 2016.

Apesar disso, o chamado Plano Estratégico 2020 elaborado por António Domingues e aprovado pelo governo e por Bruxelas, que a atual administração está a aplicar, prevê uma nova redução de trabalhadores para 6.650 e as agências para 470. Parece (as evidências parecem apontar todas nesse sentido), que o objetivo é tornar a CGD numa “mini-CGD”, de forma que ela ocupe um papel subalterno no setor financeiro português, deixando de ser o banco líder com maior quota de mercado e, consequentemente, de ter um papel fundamental na recuperação da economia e no desenvolvimento do país, entregando o controlo do setor a bancos dominados por estrangeiros. E isto apesar de se afirmar que o objetivo não é esse, mas factos são factos.

 As contas consolidadas como individuais do 1º Trimestre de 2017 apresentam aumentos dos “Custos com pessoal” em cerca de 53 milhões € quando comparados com os do período homólogo de 2016. Assim, entre o 1º Trim.2016 e 0 1º Trim.217, os “Custos com pessoal” aumentaram de 175,7 milhões € para 228,8 milhões € (+53,1 milhões €) a nível das contas consolidadas, e de 123,7 milhões € para 177,7 milhões € (+54 milhões €) a nível de contas individuais. Mas como não é dada qualquer explicação nem os “Custos com pessoal” são apresentados desagregados ignora-se a razão deste aumento, mas a razão certamente não deve ser o aumento das “Remunerações com empregados” já que estas se mantêm congeladas desde 2010. Uma das hipóteses explicativas poderá ser a afetação de uma parte de custos que se preveem ter com a redução significativa do número de trabalhadores da CGD. É uma questão que a administração devia esclarecer.

Como os “Custos de pessoal” se tornaram o instrumento preferencial das sucessivas administrações para melhor o rácio de eficiência, ou seja, o “cost-to-income”, para assim apresentar resultados, face à incapacidade revelada para aumentar o negócio bancário, é de prever que a atual administração resista em atualizar as remunerações dos trabalhadores da CGD, embora estas estejam congeladas desde 2010. O demorar e adiar em responder à proposta de atualização do AE apresentado pelo sindicato, parece ser a estratégia do atual conselho de administração. A afirmação da administradora responsável pelos recursos humanos da CGD de que é intenção da atual administração manter o congelamento das remunerações dos trabalhadores até 2020, veio confirmar o tipo de gestão que se pretende seguir, sacrificando mais uma vez os trabalhadores para compensar os enormes desmandos praticados no passado pelas administrações da CGD que se pretendem esconder sob a capa de confidencialidade em relação à própria comissão de parlamentar de inquérito. E isto torna-se ainda mais insólito e injusto quando se constata que não se observou igual tratamento nas remunerações dos órgãos sociais da CGD, o que está a causar um sentimento generalizado de injustiça, de mal-estar, de desmotivação e mesmo revolta.

15. UMA POLÍTICA DE DOIS PESOS E DE DUAS MEDIDAS NA CGD: aumento enorme das remunerações da administração e do órgão de fiscalização, e a pretensão de continuar a congelar os salários dos trabalhadores até 2020

Um dos pontos também críticos (weaknesses) da atual administração é o facto de subestimar, na prática, a importância dos trabalhadores, e da sua mobilização/motivação  para a recuperação da CGD. A prová-lo está o facto de que enquanto se procura reduzir significativamente ainda mais o número de trabalhadores da CGD mesmo à força, e prolongar o congelamento das remunerações dos trabalhadores até 2020, a nova administração, que se nega negociar a atualização do Acordo de Empresa (AE), usufrui já os elevados aumentos que começaram a vigorar a partir de Agosto de 2016  com a entrada da Administração de António Domingues (quadro 3, dados do relatório da CGD).

Quadro 3 – Aumento das remunerações dos órgãos de gestão e de fiscalização da CGD

Os dados do quadro 3 (pág. 686 do relatório e contas de 2016 da CGD), revelam aumentos entre 79,6% e 131% para os membros dos órgãos de administração e de fiscalização. Estes aumentos enormes só ganham o seu verdadeiro significado, e revelam uma profunda injustiça, se se tiver presente que as remunerações dos trabalhadores da CGD se mantêm congeladas desde 2010 e que, como aconteceu em toda a Administração Pública, sofreram cortes que só foram repostos ao fim de vários anos, o que não sucedeu na restante banca e, apesar de tudo isto, o atual conselho de administração continua a não responder a uma proposta de atualização do AE e, consequentemente, das remunerações dos trabalhadores, apresentada pelo sindicato (STEC) há mais de um mês, apesar de estar obrigado por lei a responder. Tudo isto revela uma política de remunerações de dois pesos e de duas medidas num banco público que devia ser rapidamente corrigida. E isto porque está a gerar descontentamento e desmotivação.

16. A EVENTUAL VENDA DOS ATIVOS DA ATIVIDADE INTERNACIONAL DA CGD, CONSEQUÊNCIAS PARA A CGD (fazer da CGD uma mini-CGD) E PARA O PAÍS

As sucursais da CGD no estrangeiro e a atividade internacional que daí resulta, têm sido importantes não só sob o ponto de vista estratégico (estar presente em países onde a comunidade portuguesa é importante ou onde empresas portuguesas desenvolvem uma atividade importante, para apoiar), mas também como uma fonte importante de resultados para a CGD que tem contribuído para equilibrar e compensar uma parcela dos resultados negativos da atividade doméstica, ou seja, para o seu equilíbrio. O quadro 4, com dados dos últimos relatórios e contas da CGD, revela, por um lado, a dimensão e importância da internacionalização da CGD e, por outro lado, os resultados obtidos.

Quadro 4 – A atividade internacional da CGD – Resultados 2015, 2016 e o 1º Trim.2017

A eventual venda de ativos que a CGD possui em França (onde existe uma comunidade portuguesa muito importante), em Macau, Moçambique ou Angola e eventualmente em Timor (onde o Portugal tem interesses estratégicos), e em Espanha (merece uma análise atenta , pois é para onde Portugal mais exporta, e donde mais importa) afetará profundamente o papel e importância da CGD, quer em termos estratégicos, quer em termos de dimensão, quer ainda em termos de sustentabilidade. Contribuirá também para a sua transformação numa mini-CGD após o significativo encolhimento já verificado (entre 2010 e 2017, a CGD perdeu 23,2% do seu Ativo liquido total, reduzindo-se em 29.258 milhões €). Aceitar aquela eventual imposição da Comissão Europeia (venda dos ativos) é não valorizar os interesses do País a curto, médio e longo prazo, submetendo-os aos interesses defendidos pela C.E. que não são os portugueses.

Era importante que tanto a administração atual da CGD como o próprio governo, que é o único acionista, não fossem submissos a Bruxelas e que defendessem os interesses nacionais e os da CGD até porque a maioria das sucursais, que referimos, têm sido rentáveis para o banco público como revela o quadro 4.

A este propósito interessa referir o contrato que o governo PSD/CDS impôs à CGD, aquando da privatização Fidelidade, que parece não constituir uma preocupação para atual administração. E esse contrato, traduz-se na imposição de durante 20 anos à CGD de ter de vender produtos daquela seguradora recebendo, em contrapartida, apenas metade das comissões praticadas no mercado, o que acarreta à CGD um prejuízo estimado em 860 milhões € durante o contrato. Seria importante que a CGD renegociasse este contrato leonino que a impede de obter os ganhos que tem direito pelo serviço que presta.

17. REFLEXÕES FINAIS SOBRE A MISSÃO DA CGD COMO BANCO PÚBLICO

É evidente que a missão para a CGD que se defende neste estudo é mais ampla e mais ambiciosa do que aquela que a atual administração e Bruxelas pretendem impor à CGD.

A missão deste importante banco público, líder do mercado, confunde-se e coincide com os interesses do crescimento económico equilibrado e o desenvolvimento sustentado do próprio país, com os interesses nacionais e estratégicos de Portugal.

Não pode ser mais uma CGD que promova a especulação imobiliária e financeira e que apoie fundamentalmente as grandes empresas, como aconteceu no passado recente, o que causou enormes prejuízos à própria CGD, ao país e aos contribuintes, pois acumulou enormes prejuízos que tiveram de ser pagos pelo país e pelos contribuintes.

Também não pode ser uma CGD interessada exclusivamente em dar lucros e ser rentável para o acionista, esquecendo-se que é um banco com uma importante missão.

O que se defende é que a CGD seja um grande banco público identificado com os interesses nacionais, quer estratégicos quer de crescimento e desenvolvimento sustentado do país, uma CGD que não apoie a especulação imobiliária e financeira, uma CGD fundamentalmente empenhada em apoiar a atividade produtiva e as PME´s, que constituem a esmagadora maioria do tecido empresarial do país, uma CGD que também apoie a internacionalização das empresas portuguesas, estando onde elas estão.

O que se defende é uma CGD que tenha também um comportamento ético irrepreensível com os seus trabalhadores, que são o elemento fundamental em qualquer empresa, e não os considerar um simples fator de produção descartável, que se subestima e despreza, e cujos interesse e direitos se secundariza, não valorizando adequadamente  as suas condições de remuneração e de vida, e que, em momentos de dificuldades,  se descarta facilmente como de simples números se tratassem esquecendo-se, em atos, que são base de recuperação da CGD e do importante papel que tem ou deve ter na economia e na sociedade, e cujo empenhamento, mobilização e participação é fundamental para que tais objetivos da CGD como banco público sejam alcançados.

O que se defende é uma CGD que seja também bem gerida e rentável pois se o não for não será sustentável nem poderá cumprir os seus objetivos e a sua missão como banco público. E tem de ter lucros para poder gerar internamente capital (o objetivo do PE-2020 é acumular cerca de 1.200 milhões€ até 2020 para ter CET1=14%, no entanto a atual administração ainda não mostrou como vai atingir este objetivo, pois não é possível apenas com cortes de custos e venda de ativos como está a fazer), e assim cumprir as exigências crescentes dos supervisores e poder manter e consolidar a sua posição como principal banco (líder) em Portugal não necessitando de recorrer novamente aos contribuintes para se recapitalizar e também para consolidar a posição de liderança que ocupa no setor, e que é fundamental para poder ter, como banco público, um importante papel na recuperação da economia e no desenvolvimento do país.  Para isso, a sua gestão terá de ser transparente, responsável e responsabilizante, envolvendo e mobilizando os seus trabalhadores nos objetivos a alcançar, o que nem sempre aconteceu no passado e ainda não acontece agora.

 

Eugénio Rosa,

 edr2@netcabo.pt

Lx. 15-7-2017

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Leia a Parte II deste trabalho de Eugénio Rosa sobre a situação na Caixa Geral de Depósitos, publicada ontem em A Viagem dos Argonautas, clicando em:

A SITUAÇÃO E O FUTURO DA CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS E DOS SEUS TRABALHADORES – por EUGÉNIO ROSA – II

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