A NOSSA PENÍNSULA-1 Os Portugueses serão hispanos, lusitanos…? – por Carlos Loures

A nossa Península é um cadinho onde se misturam povos, costumes, tradições, culturas… Numa área relativamente reduzida (inferior à do Estado do Texas), concentram-se povos com idiomas, História, percursos culturais, distintos; protagonizaram a gesta dos Descobrimentos, que, relativamente aos limites do Conhecimento da época, foi um empreendimento científico de grandeza superior aos avanços das novas tecnologias do nosso tempo. As potências europeias – França, Inglaterra, Flandres, as Repúblicas de Génova e Veneza, lutavam pela hegemonia política e pelo controlo das rotas comerciais, e pese embora o esplendor cultural que se atingiu nessas nações, foram gentes da nossa Península que se lançaram à descoberta do que havia para lá de um mundo que tinha como centro o Mediterrâneo e que, no Novo Mundo que encontraram e povoaram, prolongaram a Europa.  Com estilos e modos diferentes de ler a realidade, portugueses e castelhanos, lideraram as navegações, embora nelas participassem galegos, andaluzes, bascos, aragoneses, catalães, moldaram o mundo – Em entrevista a um jornal, o escritor e humanista catalão José Luis Sampedro fazia notar que o sistema capitalista foi desencadeado pelos Descobrimentos. A própria globalização, a mundialização da economia, terá tido início com os recursos que as terras recém-descobertas proporcionaram – matérias-primas novas e abundantes e mão-de-obra escrava e muito barata. Alfredo Margarido e Isabel Castro Henriques, descrevem o que consideram ser uma «revolução biológica» – a transplantação de espécies entre continentes que, sobretudo os portugueses, levaram a cabo com o acompanhamento científico que o estado dos conhecimentos, à época, permitia. Sem a «revolução biológica», a Revolução Industrial não teria ocorrido ou teria tido um desenvolvimento diferente. Nesta Península periférica e considerada pelo elitismo centro-europeu como uma extensão do Norte de África, desenvolveu-se o saber científico que permitiu conhecer o Mundo e criaram-se os meios e a plataforma logística adequada à exploração do planeta. Um exemplo – a caravela portuguesa, relativamente ás demais embarcações oceânicas, significou um avanço superior ao da passagem dos aviões a hélice para os jactos. Uma impermeabilização das juntas, com base na perfeição da sua carpintaria, dispensava as frequentes reparações que as naves mediterrânicas sofriam. O conhecimento científico de estrangeiros (incluindo o dos árabes) não era dispensado e se a Escola de Sagres não passa de uma «tese da historiografia romântica do século passado» , nem portugueses nem castelhanos deixaram de recorrer a venezianos, a genoveses, a flamengos e a outros estrangeiros para optimizar resultados e diminuir os riscos de avançar pelo desconhecido. O objectivo central destes textos é o de tentar esclarecer que gentílicos aplicar a estes povos, sobretudo aos portugueses – lusitanos, lusos, hispanos, hispânicos? O que quero afirmar é que esse levantamento não pretende expor teses xenófobas – procura principalmente demonstrar que no crisol de que falava nas primeiras linhas, vamos encontrar ouro e chumbo, gestos de grande nobreza e episódios sórdidos, esplendores e trevas e chegar a uma conclusão talvez inesperada.  Deixo esta pergunta no ar: os portugueses são hispanos? Hispanos, sim, lusitanos uns sim, outros não. Mas é também polémica a aplicação do gentílico Hispano aplicado a Lusitanos. Há quem aceite a designação de Hispânicos – com a qual não concordo, pois me parece de origem britânica  e destinada a designar os imigrantes na América Norte oriundos de territórios centro e sul-americanos colonizados por Castela. No seu ensaio, Somos Todos Hispanos,  Natália Correia, num texto muito bem escrito, opta por uma visão quanto a mim redutora do universo linguístico de raiz peninsular, limitando-o ao português e ao castelhano. As opiniões que vão no sentido de hispano são as mais sustentáveis etimológica e historicamente. Lembremos Pedro Julião, o médico que viria a ser o papa João XXI – era conhecido na Europa como Pedro Hispano, sem que isso parecesse incomodá-lo.  Por outro lado, há alguma controvérsia quanto aos gentílicos remotos entre toponímia e decisões administrativas e políticas a que se acrescentaram questões criadas por convenções ortográficas de duvidoso escrúpulo científico. Lembro que até 1911 havia quem grafasse Hespanha, o que nos deixava mais perto de uma consensual Hispania. A genealogia do topónimo Hispania não seria difícil se o que estivesse em jogo fosse apenas uma questão linguística – mas é impossível não entrar no campo da política que impede, por exemplo, de considerar espanhóis todos os peninsulares- Abusivamente, os reis católicos apropriaram-se de uma designação que pertencia a todos os peninsulares – engano que foi tudo menos inocente. Espanhóis, não por razão etimológica, mas por deterioração política, os portugueses não aceitariam (tal como os catalães começam a recusar).

(continua)

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