I
Decorreu em Paredes de Coura um Congresso Internacional sob o tema «A Intervenção Teatral em Portugal no Século XXI», de 16 a 18 de Novembro do ano em curso.
Fui um dos Conferencistas, mas, pessoalmente, ganhei muito mais do que dei (ou tentei dar). O convite veio de um velho amigo – Marcelino de Sousa Lopes, actual Presidente da Intervenção – Associação Para a Promoção e Divulgação Cultural, que foi a entidade organizadora do evento.
A primeira surpresa foi a própria vila de Paredes de Coura, que eu conheci há mais de 40 anos e que agora me apareceu transfigurada, fruto de uma das conquistas do 25 de Abril e que, nesta vila, teve bons resultados. Não vi sujidade, nem sequer um buraco nas ruas, mas foram dois equipamentos culturais que mais me chamaram a atenção – a Biblioteca Aquilino Ribeiro e o Centro Cultural, com dois excelentes auditórios. Lamentavelmente, não vi um programa cultural que me mostrasse a actividade anual do Centro Cultural, ou seja, vão acontecendo eventos culturais, no que Paredes de Coura não se mostrou diferente de outros concelhos deste mal governado país, que é Portugal, embora tenha mais eventos culturais do que grande parte dos municípios portugueses.
O novo edifício da Biblioteca é de louvar pelas condições que apresenta, a começar pela disponibilidade e amor pelas funções dos seus dois técnicos, com quem tive oportunidade de dialogar.
A Biblioteca tem uma boa frequência dos jovens do concelho, o que pude verificar. Disseram-me os dois técnicos –cujos nomes não retive, por descuido meu- que, pela manhã, têm a visita de muitas pessoas da terceira idade, que vão à procura dos jornais, facto este muito comum a muitas outras Bibliotecas autárquicas; durante o resto do dia há a visita de muitos jovens estudantes, que vêm para estudar e também à procura de livros que fazem parte do espólio da Biblioteca.
Estive tentado a perguntar se a obra de Aquilino Ribeiro também era procurada, mas acabei por não colocar a questão.
Retive, no entanto, uma informação que me deixou muito satisfeito: no dia da greve dos professores, a Biblioteca foi procurada por um número bem mais superior de jovens do que era habitual, ou seja, os jovens, em vez de aproveitaram a folga que a greve dos professores lhes oferecia para se divertirem noutras actividades, resolveram ir para a Biblioteca ler e estudar, facto que me ajuda a ter esperança no futuro.
No seio familiar, a começar nos meus avós paternos —apenas conheci a minha avó paterna, mas as histórias à volta do meu avô paterno acompanharam o meu crescimento—, sempre me foi inculcado que a ingratidão nunca seria aceite e, para minha alegria, verifico que ao dar-se o nome de Aquilino Ribeiro à Biblioteca de Paredes de Coura se demonstra que a gratidão está bem presente nesta terra.
Agora, ao chegar a este ponto, olho as estantes da minha biblioteca, a necessitar de outros tantos metros quadrados, e procuro referências de Paredes de Coura e —o que é a memória!— logo recordo a minha neta a dizer-me: «Oh, vovô, estás sempre a ler, sempre a ler. Para que é que queres tantos livros?». De facto, tem de haver aqui algum livro que me fale de Paredes de Coura. Procuro e encontro, sem grande perda de tempo, «Arcas Encoiradas», de Aquilino Ribeiro e também, ainda em cima da secretária, o livro que trouxe daquela vila minhota que lembra a inauguração da Biblioteca Municipal Aquilino Ribeiro e as comemorações do cinquentenário da morte do grande escritor e cidadão, numa edição da respectiva Câmara Municipal. Começo a folhear o livro que se inicia com estas palavras do então Presidente da autarquia, António Pereira Júnior:
«Os courenses da minha geração guardam a memória da figura imponente de Aquilino, saindo da pensão Miquelina, entrando no café de cima do Berto Pires, passeando nas ruas da Vila ou orientando as obras na casa da Quinta do Amparo, em Romarigães. Estávamos nos anos cinquenta, Aquilino já septuagenário escreveu a sua obra-prima “A Casa Grande de Romarigães”. O acaso tem os seus sortilégios.
Para que uma relação seja inesquecível é preciso que os acasos se encontrem desde a primeira vez. Nós tivemos essa sorte. Ao longo de muitos anos convivemos de perto com o escritor que teve a generosidade de, através da sua genialidade, imortalizar a nossa terra. “A Casa Grande de Romarigães” era, só por si, motivo todo para a nossa gratidão.»
Mas a gratidão terá ficado por dar o nome do escritor à Biblioteca Municipal? É que, segundo me disseram, a Casa Grande de Romarigães, situada na freguesia de Romarigães, Concelho de Paredes de Coura, está em grande degradação, vendo eu nisto motivo para uma visita na primeira oportunidade que tenha, ou seja, quando voltar àquelas paragens para testemunhar/confirmar essa degradação.
Para além de estar na origem de uma das obras-primas do escritor, a Casa Grande foi também morada do antigo Presidente da República Bernardino Machado, sogro do escritor, e também do próprio escritor, quando, por morte do antigo Presidente da República, a filha, esposa de Aquilino, a recebeu como herança.
A bela edição da Câmara Municipal que atrás refiro reproduz uma carta de Bernardino Machado a Aquilino Ribeiro, que transcrevo:
«La Guardia, 14 de Fevereiro de 1933
Meu Caro Aquilino:
Muito lhe agradecemos a visita da Gigi e do Lininho. Estes dias têm sido de festa. Escuso de lhe dizer que o seu belo filho tem sido o encanto de todos. Agora mesmo, tão inteligente como serviçal, me está carinhosamente ajudando a mandar para o correio o meu último folheto anti-ditatorial. É já um prestantíssimo correligionário. Não se resolve a vir até cá? A nossa satisfação seria completa. E veria de passagem o nosso Minho, de que devia certamente de gostar muito, digo-o sem desfazer na sua Beira. À volta, poderia mesmo ir com a Gigi e o Lininho até Paredes de Coura, da qual dizia o poeta António Pereira da Cunha, a quem Castilho ofereceu o livro terceiro das Geórgicas, que sendo o que há de melhor em Portugal e sendo Portugal o que há de melhor na Europa e a Europa o que há de melhor no mundo, é sem dúvida alguma a preciosidade maior de todo o mundo. Minha mulher e alguma das minhas filhas acompanhá-los-iam. Tenho melhorado desde a chegada da Gigi: mais ainda me restabeleceria abraçando-o pessoalmente. Nossos melhores cumprimentos a sua boa Mãe.
Todo seu
Bernardino Machado
Outros documentos importantes são transcritos nesta edição, nomeadamente o conto “O Ancião», de Elzira Dantas Machado, sogra de Aquilino, mas os interessados poderão facilmente adquirir a edição no Centro Cultural de Paredes de Coura.
Para complemento do que escrevi, deixo-vos a possibilidade de verem um vídeo reproduzido no “youtube”:
https://www.youtube.com/watch?v=RAZNxlG-uNw
II
Voltemos ao Congresso para falar de alguém que muito me tem sido referido pelo Marcelino e que eu há muito tinha interesse em conhecer: o Padre Fontes, como António Lourenço Fontes é conhecido.
Trata-se do principal dinamizador do Congresso de Medicina Popular, que acontece em Vilar de Perdizes, onde, por obra e graça do Padre Fontes, podemos ver juntos, durante o congresso, curandeiros, bruxos, videntes, astrólogos, ervanários com cientistas e investigadores, a que devemos acrescentar milhares de pessoas que a Vilar de Perdizes se deslocam para assistir ao evento. Uma mistura do sagrado e do profano.
Em Montalegre acontece um outro evento, “Sextas-feiras 13”, que tem o Padre Fontes como o seu principal promotor, o qual para ali arrasta também milhares de pessoas.
No debate que se seguiu à comunicação de Víctor J. Ventosa, “Teatro e música como recursos da neuroanimação”, no painel “Teatro, Saúde, Bem-estar e Intervenção Terapêutica”, logo o Padre Fontes se destacou declarando ser um doente com Parkinson e manter uma actividade na comunidade, como as que já referimos, mas que passam também por ser dinamizador de outras actividades ligadas à gastronomia e até ao jogo de cartas com os amigos no café que habitualmente frequenta, atestando assim a validade das propostas de Víctor Ventosa, ao mesmo tempo demonstrando uma forma positiva de encarar as adversidades da vida e que não poderá deixar de ser um exemplo para todos nós, embora o Padre Fontes não se declare exemplo para ninguém. As milhentas actividades que tem dinamizado não cabem neste texto, não resistindo eu a referir as suas participações em várias publicações à etnografia dedicadas, com algumas obras editadas, e até, pasme-se, em obras cinematográficas (Terra Fria e Cinco Dias, Cinco Noites, por exemplo), para além de documentários para a BBC, UNESCO e outras entidades.
Conhecê-lo foi para mim uma enorme recompensa pela participação que tive neste Congresso.
Espero um dia poder cumprir o que lhe prometi, ou seja, fazer parte dos milhares de visitantes a um dos eventos de que é dinamizador.
III
Muito haveria a referir sobre este Congresso, e justo seria falar dos responsáveis pela organização enaltecendo toda a sua acção, mas vou apenas deixar a reprodução da capa do livro que editaram com as comunicações ao Congresso, testemunho vivo do que foi tão notável realização.