CARTA DE BRAGA – “Acordo e Soberania” – por ANTÓNIO OLIVEIRA

 

 

Bagão Félix chamou-lhe o Acordo Mortográfico e desenvolveu no “Público” do dia 20 do mês passado, uma interessantíssima crónica, referindo as aberrações endógenas, a gama de facultatividades do A.M. e erros resultantes da total confusão do “pós-acordismo” que todos os dias se vêem nos jornais e televisões.

Uma crónica que revela muito bem a pressão que o império brutal das massas exerce no campo da cultura. Ortega y Gasset já o afirmava em 1929 em “La rebelion de las massas”, lo característico del momento es que el alma vulgar, sabiéndose vulgar, tiene el denuedo de afirmar el derecho de la vulgaridad y lo impone donde quiera y quien no sea como todo el mundo, quien no piense como todo el mundo, corre el riesgo de ser eliminado.

Parece-me (nem sequer há qualquer originalidade nisto!) que uma língua é livre por ter nascido livre, sem ter sido determinada por decreto, ou por uma qualquer lei que obedeça a interesses bem distantes da vontade dos que a usam para poder comunicar com os seus.

E retomando a argumentação que há tempos usei com uma boa amiga, a língua liga e é, essencialmente, relação, comunicação, para que nos entendamos uns com os outros pois, no plano prático da vida, as palavras designam, não significam, afirma António Telmo na “Gramática secreta da Língua Portuguesa”.

Nada acrescento ao que Bagão Félix afirma sobre o Acordo Mortográfico, por me parecer só uma discussão estéril (as pressões brutais das massas e de quem as comanda dizem-nos isso!) e na Assembleia da República, o sim, o não e o mas também, mandaram aparentemente para o cesto dos papéis, a petição dos vinte mil que se negaram a ser “espetadores de fato” neste processo todo.

Assim, com a intencionalidade e a reflexão, o discurso mostra-se nos media, uma prática objectiva e de cariz marcadamente social, identificativo e, para Foucault em “A ordem do discurso”, não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo pelo qual e com o qual se luta, o poder do que nos queremos apoderar.

É o confronto entre a procurada institucionalização do discurso que lhe dará poderes de interdição e o desejo de recomeçar tudo, de se descobrir sem considerar a maior parte dos discursos já institucionalizados, pois a redundância acabará por reproduzir o sistema.

É também o espelho da sociedade do espectáculo, a que vive da imposição do exibicionismo quotidiano, o próprio ou o alheio, ambos identificadores por igualizadores e a permitir-lhe a mimésis que a mantém.

Mas creio que, neste momento, está em jogo talvez o último pedaço de soberania que ainda podemos e nos cabe defender, a língua portuguesa!

António M. Oliveira

 

Não respeito as normas que o Acordo Ortográfico me quer impor

 

1 Comment

  1. Também não respeito..Ninguém me impõe o que não tem explicação nem defesa…Manter-me-ei a lutar pelo que posso, como posso: a defesa da Língua, a defesa da nossa integridade, da nossa identidade…COMO DIZES, POUCO MAIS NOS RESTA!!
    Obrigasa pela tua Crónica…Seja qual for o assunto, pões-nos a pensar, a reflectir, a aprender….
    Abração
    Conceição Lima

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