Nuvens bem negras sobre a Europa, sobre o mundo, enquanto lhe vendem a esperança dos amanhãs que cantam
Seleção e tradução de Júlio Marques Mota
7. A crise das pensões é pior do que se possa pensar
Por Lance Roberts
em 26 de abril de 2018
No ano passado eu escrevi um artigo onde discutia a “crise inevitável das pensões“.
“Atualmente, muitos fundos de pensões, como o de Houston, estão a esforçar-se por reduzir ligeiramente as taxas de rendibilidade, a emissão de títulos de divida, por subir as taxas ou aumentar os limites de contribuição para preencher alguns dos grandes buracos constituídos por passivos subfinanciados nos seus registos. A esperança é que essas medidas combinadas com um mercado bolsista em alta e um aumento das contribuições dos participantes, irão melhorar no futuro os problemas financeiros dos planos de pensões.
Não é provável que este seja o caso.
Este problema não é algo que tenha nascido com a última “crise financeira”, mas sim o culminar de mais de 20 anos de má gestão financeira.
Uma análise de abril de 2016 da Moody estimava em 3,5 milhões de milhões o passivo não capitalizado sobre 75 anos de todos os planos de pensões estaduais e locais. Este valor é o montante que não está coberto pelos ativos atuais dos fundos, pelas futuras contribuições esperadas, e os retornos de investimento a taxas assumidas que variam de 3,7% a 4,1%. Um outro cálculo do American Enterprise Institute indica $5,2 milhões de milhões, presumindo que os rendimentos das obrigações de maturidades longas se situem em média em 2,6%.
Com os requisitos das contribuições dos trabalhadores a serem extremamente baixos, em média 15% da folha de salários, a necessidade de se obterem taxas de rendimento mais elevadas colocou os fundos de pensões numa posição precária e aumenta o estatuto de subfinanciamento das pensões.”
Mas, na verdade, é pior do que estávamos inicialmente a pensar como Aaron Brown escreveu recentemente:
“Hoje, a etapa difícil será daqui a cinco ou dez anos, no quadro dos planos de carreira dos funcionários atuais. No decorrer da próxima década, e mais provavelmente já daqui a cinco anos, alguns grandes Estados vão-se deparar com a insolvência devido à falências dos fundos de pensões, na ausência de grandes mudanças.
Se extrapolarmos a partir do passado, ao invés de utilizar as promessas do orçamento estadual, os funcionários atuais mais o estado irão contribuir com cerca de $25 mil milhões ao longo destes sete anos, o que poderia proporcionar mais alguns anos antes das caixas ficarem vazias. Mas igualmente adicionar-se-ão cerca de $60 mil milhões de futuros passivos dos trabalhadores atuais. O sistema provavelmente afundar-se-á antes dos fundos de pensões chegarem a zero, por exemplo, se o valor dos ativos descer abaixo dos $30 mil milhões, enquanto que o projetado futuro passivo ultrapassará os $300 mil milhões. Mesmo as pessoas mais otimistas terão que admitir que a situação é insustentável. Isso poderia acontecer num intervalo de três anos com um mercado de ações em baixa ou talvez daqui a 10 anos se houver bons rendimentos nos mercados das ações. Mas os ativos dos fundos são tão baixos em relação aos pagamentos que mesmo os bons retornos de investimentos não são de grande ajuda.
A próxima fase da reforma do sistema público de pensões provavelmente será também atingida por um declínio do mercado acionista que cria a possibilidade real de pelo menos um fundo estadual ficar sem dinheiro dentro de um par de anos. A matemática diz que os aumentos das taxas de contribuição e os cortes nas despesas não podem fazer muito. “
Mas o problema não é apenas nos Estados Unidos, mas a má gestão dos ativos, combinada com as expectativas de rendimentos irracionais ou erradas espalhou-se globalmente. Visual Capitalist recentemente deu uma olhada para o problema global das pensões de reforma, em que afirmava:
“De acordo com uma análise publicada pelo Fórum Económico Mundial (WEF), há um fosso de poupanças de reformas de mais de $70 milhões de milhões em 2015, valor este repartido entre oito das grandes economias…
O WEF diz que o défice está a crescer de $28 mil milhões de dólares em cada 24 horas – e se nada for feito para retardar esta taxa de crescimento, o défice chegará a $400 milhões de milhões por volta de 2050, ou seja, cerca de cinco vezes a dimensão da economia mundial hoje.”
“O gráfico ilustra um problema crescente ligado a uma população envelhecida (e também o que irão suportá-la).
Desde a altura em que os programas da segurança social foram desenvolvidos inicialmente, as circunstâncias em torno do trabalho e da passagem à reforma mudaram consideravelmente. A esperança de vida aumentou em três anos por cada década desde 1940, e as pessoas mais velhas estão a terem um tempo de vida cada vez mais longo.
Com a idade de passagem à reforma a mudar muito dificilmente na maioria das economias, esta longevidade significa que as pessoas estão a ter cada vez mais tempo em que não trabalham sem se terem criado as poupanças que o justifiquem.
Este problema é amplificado pela dimensão das gerações e das taxas de fertilidade. A população de reformados mundialmente deverá crescer de 1,5 mil milhões para 2,1 mil milhões entre 2017-2050, enquanto o número de trabalhadores por cada reformado é esperado reduzir-se para metade, de oito para quatro ao longo deste mesmo período.
O WEF deixou claro que a situação não é trivial, comparando este cenário as das ‘mudanças climáticas financeiras’.
Tal como as mudanças climáticas, alguns dos primeiros sinais desta lacuna nas poupanças de reforma pode manter-se ‘enlatada’ por enquanto, mas se não for tratada adequadamente no médio e longo prazo, os efeitos adversos poderão ser esmagadores”.
Embora todos nós queiramos ignorar o problema, ele não irá desaparecer. Mais importante ainda, não há nada que possa, ou vá, alterar os dois principais problemas que alimentam a crise.
Problema #1: Demografia
Com os fundos de pensões já em dificuldade, com grandes passivos subfinanciados, as mudanças demográficas estão a complicar ainda mais os problemas de financiamento.
Um dos principais problemas continua a ser o declínio na proporção de trabalhadores por pensionista, com os pensionistas a terem uma esperança de vida cada vez maior (aumentando assim o número relativo de pensionistas) e a haver menores taxas de natalidade (diminuindo o número relativo de trabalhadores.) No entanto, este “rácio de suporte” não está apenas a descer nos EUA, mas também em grande parte do mundo desenvolvido. Isto é devido a dois fatores demográficos: aumento da esperança de vida, acoplado com uma idade de reforma fixa e uma diminuição na taxa da fertilidade.
Em 1950, havia 7,2 pessoas com idade entre os 20 e os 64 anos por cada pessoa de 65 ou mais nos países da OCDE. Em 1980, o rácio de suporte caiu para 5,1, e por volta de 2010, era 4,1. E estima-se que atingirá apenas 2,1 por volta de 2050.
Claro, como eu já anteriormente tinha falado, o problema é que, enquanto a geração dos “baby boom ” pode estar a ir para a reforma, há poucos sinais de que uma grande maioria deles se irá efetivamente reformar Como Richard Eisenberg recentemente referiu:
“A vida sombria, deprimente e às vezes fisicamente dolorosa, de uma tribo de homens e mulheres na casa dos 50 e 60 anos que estão apenas a sobreviver na América no século XXI. Não são completamente sem-abrigo, eles são gente “sem casa”, vivendo em caravanas de segunda mão, reboques e furgonetas e andando sempre de um lado para outro à procura de alcançar um emprego sazonal de baixos salários, e quando o conseguem obter não têm nenhuma ou muita pouca cobertura social.
Os empregos destas pessoas que vivem em caravanas vão desde a apanha de beterrabas à cana de açúcar, de venda de hambúrgueres em jogos de beisebol na Primavera, aos campos de formação e de trabalho sazonal da Amazon.com os ditos “CamperForce”,[1] onde estes empregados, velhos reformados, podem andar o equivalente a 15 milhas por dia durante a temporada de Natal, carregando com produtos das prateleiras dos seus grandes armazéns e, em seguida, voltando para os frios campos onde estacionam os seus veículos recreativos, à noite. Vivendo com menos $1000 por mês, em certos casos alguns não têm sequer água quente.
Muitos destes trabalhadores viram as suas economias dizimadas durante a grande recessão ou foram vítimas de execuções fiscais ou de hipotecas e sentiram que tinham passado muito tempo a perderem um jogo que estava manipulado. Alguns foram demitidos de empregos profissionais de alta remuneração. Muito poucos escolheram esta vida. Poucos pensam que conseguem encontrar uma saída desta situação. Eles são americanos já velhos a descerem na escala social e a viverem em casas móveis. “
Eles, é claro, fazem parte de uma grande maioria de indivíduos que dependem dos vários sistemas de pensões de reforma e a carga em última instância recairá sobre os próximos que se lhes seguirem.
Problema # 2: Os mercados não geram rendimentos compostos
O maior problema, no entanto, é a “mentira” perpetrada continuamente que os mercados geram rendimentos compostos ao longo do tempo.
Os cálculos das pensões são realizados pelos especialistas em cálculo atuarial utilizando hipóteses relativas à demografia atual e futura, à esperança de vida, aos rendimentos das aplicações financeiras, aos níveis de contribuições ou de tributação e aos pagamentos aos beneficiários, entre outras variáveis. O maior problema, após dois grandes períodos de mercados em forte baixa, e de rendimentos abaixo da média desde o princípio do século, é a taxa de rendimento esperada do investimento.
A utilização de pressupostos errados é o caminho certo para a incapacidade de cumprir as obrigações futuras. Com as estimativas de rendimentos sobreavaliadas, aumentou-se artificialmente os futuros valores das pensões e reduziu-se os montantes de contribuição exigido aos indivíduos e governos que pagam para o sistema de pensões.
É o mesmo problema para o americano médio que planeia obter uma taxa de rendimento na ordem dos 6-8% anualmente no seu plano 401k, e assim porque é que é necessário continuar a poupar dinheiro? É isto que explica porque é que 8 em cada 10 americanos estão lamentavelmente subfinanciados para a sua reforma.
Como o mostra o gráfico do rendimento total a longo prazo, ajustado pela inflação, no gráfico do S&P 500 abaixo, a diferença entre rendimento atual e o rendimento composto (7% de taxa média anual) são duas coisas muito diferentes. O mercado não remunera a uma taxa média anual e um rendimento negativo composto agrava o défice de financiamento futuro.
Este é o problema com que os fundos de pensões se deparam e que se recusam a compreender.
As pensões ainda têm pressupostos quanto ao rendimento anual do investimento que variam entre 7% e 8% mesmo depois de anos de maus resultados.
No entanto, a razão porque os pressupostos continuam assentes em altos valores é simples. Se estas taxas fossem reduzidas de 1-2 pontos percentuais, as contribuições para as pensões de reforma exigidas via salários, ou através da tributação, aumentariam dramaticamente. Para cada redução de um ponto na taxa de rendibilidade assumida exigiria um aumento de cerca de 10% nas contribuições.
Por exemplo, se um programa de pensões reduzisse a taxa de rendibilidade de investimento pressuposta de 8% para 7%, uma pessoa que contribua com $100 por mês para a sua pensão passaria a ter necessidade de contribuir com $110. Uma vez que, para muitos participantes do plano, particularmente trabalhadores sindicalizados, os aumentos nas contribuições são uma coisa difícil de obter, os gestores de pensões são empurrados para sustentar pressupostos de rendimentos melhores do que os que o mercado lhes dá, o que os obriga a assumir mais riscos.
Mas é aí que está o problema.
O gráfico abaixo expressa o retorno total do S&P 500 de 1995 até ao presente. Eu, então, fiz projeções utilizando taxas variáveis de retornos de mercado com os mercados em alta ou em baixa até ao ano de 2060. Então, fiz projeções de 8%, 7%, 6%, 5% e 4% de taxas médias de retorno de 1995 até 2060. (eu fiz algumas estimativas de retornos futuros ligeiramente mais baixos devido às questões demográficas.)
Tendo em conta os pressupostos de rendibilidade do mundo real, os fundos de pensão deviam reduzir as suas estimativas de rendimentos das aplicações para cerca de 3-4%, a fim de potencialmente cumprirem com as suas obrigações futuras e manterem alguma solvabilidade.
Eles não vão fazer tais reformas porque “os planos dos participantes” não os vão deixar. Porquê? Porque:
- seria necessário um aumento de 40% nas contribuições por plano dos participantes, o que eles simplesmente não podem pagar.
- dado que muitos participantes dos fundos de pensões se aposentarão muito antes de 2060, simplesmente não há tempo suficiente para resolver as questões com que se debatem os fundos de pensões, e;
- o mercado em baixa que se irá seguir, como se mostra acima, vai devastar as capacidades dos planos de reforma de poderem cumprir as obrigações futuras se não ocorrer a aplicação imediata de grandes reformas nos sistemas de pensões.
Numa nota recente do meu amigo John Mauldin, ele discutiu um email de Rob Arnott, de Research Affiliates, sobre esta questão específica.
“Se a nossa lógica é sólida, ganhamos 0,8% com as nossas obrigações (40% de alocação x 2% de retorno) e 2% a 3,2% com as nossas ações (60% x 3,3%, ou 60% x 5,4%). Somando o rendimento ponderado de ações e de obrigações, nós recebemos 2,8% a 4% com a nossa equilibrada carteira de títulos.
Nota: As pensões dos funcionários públicos dos EUA estão já tostadas. Um em cada três eleitores está apanhado:
- O contribuinte (tenha-se presente que os ricos são móveis!),
- Os pensionistas atuais e/ou futuros (tenha-se presente que as pensões do sector privado são agora muito menos generosas do que as pensões públicas… há aqui uma clara iniquidade!), ou
- Os serviços públicos que estão a ser oferecidos aos nossos cidadãos, líquidos de custos irrecuperáveis dos serviços prestados às gerações passadas.
Provavelmente, será uma mistura destas três.”
Exatamente correto, e o gráfico acima sobre os rendimentos projetados do mercado de ações está em consonância com essa hipótese.
Estamos a ficar sem tempo
Atualmente, 75,4 milhões de baby boomers na América- cerca de 26% da população americana – já atingiu ou atingirá a idade da reforma entre 2011 e 2030. E muitos deles são funcionários do setor público.
Num um estudo de 2015 sobre as organizações do setor público, quase metade das organizações que responderam afirmou que elas poderiam perder 20% ou mais dos seus empregados pela sua passagem à reforma dentro dos próximos cinco anos. Os governos locais são particularmente vulneráveis: um total de 37% dos funcionários dos governos locais tinham pelo menos 50 anos de idade em 2015.
Não é de surpreender que os fundos de pensões públicos estejam completamente sobrecarregados, mas ainda não se aperceberam de que os mercados não oferecem um rendimento anual composto de 8%. Isto conduziu a uma degradação continuada dos níveis do financiamento enquanto os passivos continuam a acumular-se.
Se os números acima estiverem corretos, as obrigações não financiadas de aproximadamente $4-$ 5,6 milhões de milhões, dependendo das estimativas, teriam que ser já hoje postos de lado de tal modo que o principal e os juros cobririam o défice do programa entre as receitas obtidas e os pagamentos para os próximos 75 anos.
Mas não é isso que vai acontecer.
Com a subida das taxas, com o crescimento económico a reduzir-se e com os bancos centrais a reduzirem a liquidez, estamos já mais próximos de um mercado em grande baixa do que do seu contrário.
A próxima crise não será apenas circunscrita aos empréstimos sub-prime sobre automóveis, sobre os empréstimos estudantis e sobre os imóveis comerciais. Ela será alimentada pela “corrida às pensões”, quando o “medo ” prevalecer as prestações das reformas estarão completamente perdidas.
É um problema insolúvel. E é isso que vai acontecer. E vai devastar a vida de muitos americanos.
É apenas uma questão de tempo.
A demografia, porém, é o destino das prerrogativas, pois a aritmética intrometer-se-á – George Will
Qualquer que seja o montante que estiver a poupar para a reforma provavelmente não será suficiente.
The Pension Crisis Is Worse Than You Think, por Lance Roberts http://realinvestmentadvice.com/the-pension-crisis-is-worse-than-you-think/
Republicado por Gonzalo Raffo InfoNews THE PENSION CRISIS IS WORSE THAN YOU THINK / SEEKING ALPHA
Nota
[1] N.T. Sugerimos ao leitor que veja o artigo CamperForce, A Sobering Film About Amazon’s Recruiting of Retired RV’ers for Seasonal Positions, e veja igualmente o extraordinário filme documentário sobre Amazon neste mesmo sítio e cujo endereço é: https://laughingsquid.com/camperforce-documentary/
O autor: Lance Roberts é economista, especialista em mercados financeiros, diretor e editor chefe de Real Investment Advice, chefe de estratégia de portfolio em Clarity Financial.