Na última Carta referi a ‘emproada maioria dos likes’, a mesma que, directa ou indirectamente, domina o mundo dos ecrãs, continuando a proliferar sem rumo e em todas as direcções.
Lipovetsky numa reflexão demolidora, explica como – não há qualquer diferença entre um ecrã ligado e um desligado a não ser só um ritmo, tam-tam, som-pausa, ligado-desligado, é o mundo tal como o conhecemos. Olhar, não olhar, acontecimento, não-acontecimento, imagens, não-imagens’
Jornais e revistas mostram frequentemente cartoons a satirizar situações onde é visível a enorme distância entre as pessoas, mesmo em casa ou nos transportes, no café ou no restaurante, cada qual entregue ao seu ecrã pessoal, quase sempre afastador de quem está próximo fisicamente, porque a vizindade está ali à distância de um rápido clique digital, instantâneo e entortador de dedos e pescoços.
Parecem confirmar-se vaticínios de muita gente da cultura, segundo os quais a era do humanismo está a terminar, tanto mais que os mercados já não são mais que estruturas onde o único saber útil é algorítmico. Hoje, as deduções estatísticas valem muito mais do que pessoas, por estas terem apenas corpo, alma e história.
O filósofo e professor Daniel Innerarity no ensaio ‘E final do Multiculturalismo’, salienta que a responsabilidade desta conjuntura deve ser assacada aos políticos, pois ‘os democratas não entenderam o fenómeno da diversidade cultural! A esquerda, os liberais e as elites não têm contacto com o mundo industrial, nem com ‘os outros’. Ignoram os novos conflitos, quem são os excluídos e o porquê’
Não sei e cuido que talvez não me caiba saber, se existe qualquer alternativa para esta situação que me ultrapassa e, de alguma maneira, também me atemoriza. Noto apenas que o tão falado psicólogo estado-unidense Adam Alter, salientou há uns dias que ‘os executivos de Silicon Valley mandam os filhos para os colégios livres de tecnologia. Eles sabem bem tudo isto e são os mais cautelosos’.
Por outro lado vejo o Mediterrâneo a pôr em causa uma EU mal construída, alicerçada só na moeda, com os estados metamorfoseados em colectores de taxas para resgatar bancos, deixando morrer ali milhares de seres humanos fugindo de conflitos em que a maioria desses estados, bem pode limpar as mãos à parede.
E, à espreita, estão salvinis, orbans, trumps e quejandos, à espera de a ver cair porque, apesar de tudo, o mundo ocidental aprendeu aqui a pensar e isso ainda os assusta!
Alguns analistas da política europeia temem, por isso mesmo, que o Parlamento Europeu, possa cair nas mãos da ultradireita nacionalista, particularmente poderosa em Itália, Áustria, Hungria, Polónia e outros países do leste europeu, mas também com votação significativa em França, Bélgica, Holanda, Alemanha, Dinamarca e Grécia.
Para Wolfgang Münchau, analista do Financial Times, ‘ainda estão para ser tomadas as decisões mais complicadas em matéria de emigração. A ameaça que está a ser concretizada por Trump é óbvia, directa e existencial. Mas a programada por Salvini pode ser mais poderosa, embora não tão directa’.
O filósofo Nuccio Ordine, alerta para tudo isto de um modo bem simples, referindo um texto de Montesquieu – ‘se penso que uma coisa é útil para mim mas não o é para a minha família, rejeito-a. Se penso que uma coisa é útil para a minha família mas não o é para a minha nação, rejeito-a. Se penso que uma coisa é útil para a minha nação mas o é para a Europa, rejeito-a. Se essa coisa é útil para a Europa, mas não o é para a humanidade, rejeito-a também. Isto significa que qualquer forma de nacionalismo é uma prisão em cujo interior acabamos todos por ficar doentes. Uma coisa muito perigosa!’
Repare-se a propósito, no que Edgar Morin afirmou, já em 1996, numa conferência na Escola Superior Jean Piaget em Macedo de Cavaleiros, ‘produzimos a sociedade que nos produz e somos, não só uma pequena parte de um todo que é o todo social, mas esse todo está no interior de nós próprios, o que quer dizer que temos as regras sociais, a linguagem social, a cultura e normas sociais no nosso interior’.
Para meditar, não?
António M. Oliveira
Não respeito as normas que o Acordo Ortográfico me quer impor