CARTA DE BRAGA – “Tecnofeudalismo” – por ANTÓNIO OLIVEIRA

Nos primeiros dias deste mês os media traziam algumas notícias que rapidamente foram postas de lado, quero acreditar que apenas pelo eterno conflito entre tempo e pressa – ‘só temos pressa quando não temos tempo, mas não o temos por sermos só escravos dele’

O aforismo é antigo mas os media não o esquecem nunca, mormente quando reduzem o tamanho das notícias por nunca haver tempo para as ler, principalmente as que poderão afectar o modo como se olha o mundo fora dos esquemas que eles mesmos condicionam.

Reparem no tempo (tamanho) dado a um astro do espectáculo ou do desporto e comparem com o atribuído a um investigador, um filósofo ou um poeta pois, como salienta o escritor chileno Marcelo Lillo, ‘Se nos conformamos com a realidade, ninguém ou só muito poucos, terão a coragem de a citar com pêlos e sinais!’

Isto a propósito das tais notícias que os media abandonaram rapidamente, a saber:

a

Google deja a cientos de empresas entrar en Gmail y espiar correos personales

La multinacional permitió que empresas desarrolladoras de aplicaciones accedan a las cuentas de correo de sus usuarios y en algunos casos los permisos incluyen a los ingenieros de estas empresas, que tuvieron acceso a datos como contenido de los correos, los destinatarios y las horas de envío (Diario.es, 04.07)

b

Há um ano Google anunciou parar a análise de mails dos utilizadores para fins publicitários

Uma investigação do Wall Street Journal revela que o gigante da Internet continua a permitir que empresas externas leiam os mails dos utilizadores do Gmail – 1,4 mil milhões de pessoas e entidades em todo o mundo (Público, 05.07)

c

Facebook desbloquea por error a los contactos bloqueados de 800.000 usuarios

La plataforma permitió que estos vieran la información de las personas que les habían bloqueado y les enviaran mensajes (Diario.es, 04.07)

Não se continuou nem voltou a falar disto! Estou mesmo convencido que ninguém o quer fazer!

O professor Vladan Joler, da Share Foundation, investigador das ligações entre os gigantes digitais, mais a Amazon e o Facebook com os governos de todo o lado, para conseguir saber como eles se repartem poder e dinheiro e tentar assim travar as desigualdades que geram, duvida que algum político seja capaz de o conseguir, antes de ser comprado ou silenciado.

Respingo um pouco da entrevista que deu ao insuspeito ‘La Vanguardia’ de 04.07, sobre o facto de alguém não estar no Facebook:

¿Hoje posso viver sem Facebook?

Imagine que tem de ir aos Estados Unidos. Vai precisar de um visto, não é?

¿O que é que isso tem a ver com Facebook?

Muito, porque um dos preceitos que os funcionários da imigração dos EUA cumprem sistematicamente, é verificar os perfis no Facebook, a todos que solicitem um visto.

¿E se não está nas redes sociais?

Não passa de um tipo anómalo, portanto menos fiável. Não podem controlá-lo nem rastrear-lhe a vida. É uma aberração suspeita no sistema. E paga-o!

¿E se não vai aos EUA?

¿Não está a ver? É cada vez mais alto o preço que temos de pagar por não nos integrarmos na corrente que faz mais ricos e poderosos, os senhores que mandam nas plataformas digitais, a nova plutocracia. Se todos os seus amigos convidam para as suas festas pela rede, renunciará a ser convidado?

Se querem a minha presença, convidarão na mesma.

Mas não vai encontrar emprego se os empregadores – e isso é já um facto comprovado – não puderem comprovar os seus perfis digitais.

¿Portanto, a revolução digital, não é desejável, mas é já irrenunciável?

Deixar-se explorar é menos gravoso que fugir do tecnofeudalismo do novo capitalismo de controlo. As suas ligações com os estados para partilhar a informação dos big data e do dinheiro que se obtém explorando-os, são cada vez mais evidentes

Agora, quando a inquietação e a perplexidade ameaçam transformar-se nas únicas companheiras da viagem por este mundo, recordo muitas vezes a sentença que guardei como uma verdade quase irrecusável, tanto por funcionar a contraciclo como pela sua tocante simplicidade.

Pertence ao professor e blogger José Ricardo Costa, no ‘Ponteiros Parados’‘Homem de poucas certezas, hoje, ao entrar no elevador, consegui ter uma. Pior do que um mau livro, uma má canção, um mau filme ou uma má pintura, é um mau perfume’

Sem fazer apelo a uma qualquer tecnoconsciência!

António M. Oliveira

Não respeito as normas que o Acordo Ortográfico me quer impor

 

Leave a Reply