A ITÁLIA NA ENCRUZILHADA – IV – POR ANNA ROSA SCRITTORI – tradução de MANUEL SIMÕES

 

 

Numa recente conferência de imprensa o presidente do Banco Central Europeu, Mario Draghi, definiu as propostas, pouco claras se não contraditórias, do actual governo italiano em matéria económica, uma “cacofonia” danosa para as famílias e para as empresas. Portanto, também Mario Draghi, pondo de parte a sua habitual reserva, não pôde deixar de relevar como a acção político-administrativa do novo executivo verde-amarelo se resume, não tanto a actos concretos de governo, mas a uma linguagem de uma incessante comunicação propagandística feita sobretudo no âmbito dos “social networks”.

Os dois responsáveis pelo contrato de governo adoptam, de facto, as expressões que mais exaltam as respectivas facções: Salvini, por exemplo, indica aos migrantes o caminho das costas italianas, que “a bandalheira” acabou, e manda-os num “cruzeiro” para outro porto do Mediterrâneo, ou então serve-se da vida de 118 migrantes bloqueados num navio italiano no porto de Catânia para solicitar a intervenção imediata da UE, que não responde ao ultimatum; ao magistrado que o investiga por sequestro de pessoas responde «eu fui eleito pelos italianos, tu não!», com evidente desprezo pela função das diversas instituições do Estado.

Di Maio, por sua vez, dirige-se aos seus eleitores com uma linguagem profética de agitador de antiga linhagem: «O Estado somos nós!!!» e «Connosco muda a história deste país»; geralmente os seus discursos, como os dos outros ministros do M5S, abundam de slogans tão tranquilizadores quanto absurdos: «mais do que as cotações das agências de rating, a nós interessam-nos as necessidades dos italianos!!!», enquanto para a ministra da saúde vacinar as crianças tornou-se numa «obrigação “flexível”!!!».

O apelo de Massimo Cacciari

 

Também Massimo Cacciari, filósofo e conhecido intelectual de referência para a esquerda italiana, no apelo lançado no mês de Agosto no jornal “Repubblica”, com o título “Preparemo-nos para as Europeias”, se detém, sobretudo, na consideração dos termos da comunicação política do governo italiano.

«Na falta de uma séria oposição, a linguagem e as práticas dos partidos de governo representam uma espécie de pensamento único, à mistura com rancor e ressentimento. O povo é contraposto à casta, com a apologia da Rede e da democracia directa, que se resolve, como sempre aconteceu, no poder incontrolado de poucos. A obsessão do problema dos migrantes, exacerbado para além de todos os limites, agudiza de modo dramático uma crise da União Europeia que pode ser sem regresso».

A situação italiana é tanto mais grave, segundo Cacciari, dado que, em âmbito europeu, a Itália joga um papel essencial, «uma espécie de Visegrad do Mediterrâneo: cada pessoa é uma ilha e é já uma dramática perspectiva o fim da livre circulação das pessoas e das ideias. Tornou-se por isso urgente e necessária uma iniciativa que contribua para uma discussão sobre estes quesitos estratégicos. Para começar este trabalho … é indispensável romper com o passado e abrir novas estradas à altura da situação … derrubando a ideia da sociedade líquida, colocando no centro a necessidade de uma nova estratégia para a Europa, e denunciando o perigo mortal, para todos os países, de um desvio soberanista, que, em parte, é também o resultado das políticas europeias conduzidas até aqui».

Para Cacciari, a estrutura da Europa deve corresponder à antiga imagem de um arquipélago, «um espaço composto de realidades bem distintas, de tempos distintos, e todavia navegando de uns para os outros, sem veleidades hegemónicas ou homologantes». Tais ideias devem ser o centro de uma vasta aliança transnacional – de Macron a Tsypras – tendo em vista as próximas eleições europeias.

O risco que Cacciari tinha previsto de uma espécie de internacional do soberanismo nacionalista foi pontualmente confirmado nestes dias por Steve Bannon, durante a sua visita a Itália. Bannon elogiou o governo italiano porquanto, unindo em si direita e esquerda, representa as verdadeiras necessidades do povo, uma fórmula que pode e deve ampliar-se, segundo ele, ao resto da Europa, se não do Mundo.

Para favorecer, de alguma maneira, a novidade eversiva proposta pelo poder verde-amarelo, que junta maioria e oposição, o conselho de ministros acaba de aprovar um projecto de decreto para a economia e finanças (a “manobra do povo”) em que se rompem os vínculos de balanço impostos pela Europa e se prospectam soluções temerárias para financiar o “rendimento garantido”, as pensões de cidadania, mudando o actual regime pensionístico, enquanto o decreto para a reconstrução da ponte que caiu em Génova, em 14 de Agosto, atende ainda a definitiva aprovação.

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