CARTA DE BRAGA – “eles andem aí!” – por António Oliveira

As grandes cidades estão a perder o centro e as outras nem no centro estão.

Às primeiras chegam mirones aos milhentos, à procura das ‘originalidades’ que só existem nos folhetos das agências de viagem, porque as gentes fugiram para as periferias, onde agora vivem longe das coisas onde foram crescidos, tendo até perdido a noção de proximidade e vizinhança, onde também se criou a linguagem que ainda teimam em usar.

A periferia é hoje e assim, o lugar onde cresce a angústia da identidade, por cada um ter visto outra gente instalar-se no ‘seu’ território, sabendo-se impotente para o evitar, pela enorme pressão que o arrastou para a mudança de lugar, levando consigo também a noção do estar e a do ser que, só aparentemente, poderão querer dizer a mesma coisa.

Até se pode estar sem ser como também se pode ser sem estar!

Um aforismo perfeitamente entendível pela futebolização da vida, procurada pela enormidade de tempo, notícias e outros espaços futeboleiros nos media e ecrãs de todo o tipo, que levam mesmo a ser sem estar.

A tal enormidade, apoiada obrigatoriamente nos símbolos já instalados, é o melhor caminho para a desertificação do centro, pela natureza do populismo que a movimenta, a acabar, como também faz com a política, por lhe subverter as regras de funcionamento.

Futebolização da vida também, por não se respeitarem as regras que, pelo menos aparentemente, deviam reger as relações entre humanos, mesmo com origens e condicionalismos diferentes mas, como cada um é principalmente um cidadão, a noção da cidade ultrapassa o imaginário do lugar, da região, do país e das fronteiras e, creio mesmo, estarmos já a viver a radicalização própria de qualquer mudança.

Podemos mesmo ver como as periferias comandam o jogo, para assim poderem voltar a encontrar a proximidade, a vizinhança e a identificação, as que foram perdendo à medida que se afastaram ou se sentiram afastadas do centro de todas as origens. Agora imperam, já e só, as emoções, os sentimentos e as desigualdades impostas ou sofridas, um campo quase impossível para se apelar à razão.

Assim, as cidades são o espaço preferencial daquelas enormidades, a fazer do homem o objectivo de todas as ideologias da realidade, bem distantes de qualquer outra onde cada um possa ‘estar e ser na totalidade’.

Os ‘manhas’ de todas as manhãs alimentam-nos com o irrelevante, descontextualizado como é de bom-tom, mostrando e garantindo vivermos a consagração vida urbana, pois dois terços dos sete mil milhões de seres humanos já habitarem as cidades.

Junte-se a isto tudo a onda da ultradireita populista a alagar o mundo como um tsunami, potenciada na Europa pelo desgaste e demissão da social-democracia, pela involução da democracia liberal, pela crise de 2008 e pelas consequentes políticas de estabilidade e austeridade

A importância dos parlamentos, com ou sem passwords comuns e ad hoc, foi substituída pelas mais valias dos spots publicitários, porque num regime onde imperam as ideologias da realidade servidas pelos ‘manhas’ de todas as manhãs, a propaganda é igualzinha às imposições praticadas em qualquer regime totalitário!

Até parece não passarmos já de meras democracias de audiências, onde a controvérsia existe só para chamar a atenção, numa política viciada pelos truques da publicidade e da argumentação, raramente indo além da dimensão dos cento e quarenta caracteres!

E do centro das cidades vão desaparecendo os lugares de celebrar a amizade, substituídos por hostels e michelins para todos os gostos e preços, a atrair aqueles milhentos de mirones admiradores das tais originalidades de folheto, numa antevisão de que poderá acontecer se perdermos no ataque dos populismos às instituições democráticas. Eles fazem e vão fazer tudo para pôr a mãos nos mecanismos de reconfiguração social e na sua representação.

Aponte-se o dedo (um qualquer!) ao trumpa e ao seu mentor Bannom, agora num percurso doutrinador pelas Europas, para fazer mais alguns, iguaizinhos ao original!

Eles andem e não tardem aí!

António M. Oliveira

Não respeito as normas que o Acordo Ortográfico me quer impor

1 Comment

  1. A “futebilização da vida”! Na mouche!! Vivemos um ciclo e total mudança, em total derrocada!
    Obrigada, amigo, por nos ajudares a sobreviver!!! 🙂 Um abração! CL

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