Seleção e tradução de Júlio Marques Mota
Texto introdutório 5 – A guerra comercial de Trump é intelectualmente um desastre
Por Matt O’Brien
Publicado por em 9 de maio de 2019 (texto original aqui)

O presidente Trump acha que as guerras comerciais são “boas e fáceis de vencer”, principalmente, ao que parece, porque não entende nada sobre elas.
O que, para ser honesto, não é realmente novidade. Trump, afinal de contas, tem vindo a dizer as mesmas coisas falsas sobre comércio nos últimos dias que ele tem dito nos últimos anos. A única diferença é que ele colocou tantas tarifas em vigor nesse meio tempo que, de acordo com o economista-chefe do Deutsche Bank, Torsten Slok, os Estados Unidos estarão a taxar as importações a uma taxa mais alta do que muitos países de mercados emergentes, se Trump cumprir a sua ameaça de aumentá-las na sexta-feira.
Pode ter levado alguns tweets, então, mas a guerra comercial está a começar a ficar uma questão muito séria.
Mas em que é que, exatamente, Trump se engana? A maneira mais fácil de pensar sobre isso é que ele quase que sobrestima, comicamente, o quanto o comércio nos magoa, e subestima também absurdamente quais são os efeitos que as tarifas acarretam. A base destas más ideias é a sua crença de que “perdemos” dinheiro sempre que compramos mais bens e serviços de outro país do que quando os compramos a nós mesmos. Então, para dar um exemplo particularmente pertinente, ele acha que o nosso défice comercial de quase US$ 400 mil milhões com a China significa que, sim, estamos a perder US$ 400 mil milhões a favor da China (embora, como habitual em Trump ele exagera dizendo que são US$ 500 mil milhões). Esta é uma estranha forma de análise de custo-benefício que ignora os benefícios das importações (o que recebemos), e olha apenas para os custos delas (o que pagamos). É como dizer que perdemos dinheiro sempre que vamos fazer compras em qualquer lugar, porque as lojas não nos estão a comprar nada a nós em troca. O que, quando se pensa nisso, é quase uma visão pré-monetária do mundo onde poder trocar bens entre si é a medida mais importante de força económica.
O resultado é que Trump não acha que temos muito a perder com a explosão do sistema de comércio global, uma vez que, de acordo com a sua teoria extremamente incorreta, esse sistema já nos está a fazer perder centenas de milhares de milhões de dólares por ano. É um otimismo, ou seja, nascido da ignorância. É por isso que quase não é preciso dizer que a realidade de uma guerra comercial seria muito mais pessimista. Há duas coisas a ter em mente aqui. A primeira é que há realmente custos para o comércio, especialmente quando outros países não estão a jogar pelas regras, não estão a ter práticas comerciais leais. Em particular, pode fazer-nos perder postos de trabalho bem pagos na indústria transformadora quando a economia está a funcionar bem e a perder postos de trabalho em geral quando não está a funcionar bem. Ao todo, no entanto, esses custos estão bem longe dos US$ 500 mil milhões anuais que Trump gosta de apregoar.
O segundo ponto é que os benefícios do comércio tendem a ser muito maiores do que o que quer que ele nos custe. Isso porque, ao permitir que nos especializemos em coisas em que somos melhores, o comércio aumenta a nossa produtividade da mesma forma que as novas tecnologias. Atirar uma chave de fendas – ou aplicar tarifa, conforme o caso – para dentro desse sistema tornar-nos-ia lentamente um pouco mais pobres por cada ano que passa . Não de uma forma que seja imediatamente óbvia, mas sim no sentido de que estaríamos todos um pouco menos bem do que deveríamos estar.
Trump não está preocupado com nada disso, porque ele também não entende como é que funcionam as tarifas. Na sua mente, as tarifas são quase uma forma de tributo que outros países são obrigados a pagar-nos. Isto, ao contrário das suas outras ideias, tem pelo menos a virtude de ser possivelmente verdade. Mas acontece que sabemos que não é assim, desta vez. Como assim? Bem, tudo se resume a saber se a China, neste caso, preferiria tentar manter a sua quota de mercado ou as suas margens de lucro. Se ela escolher a primeira, cortará nos seus preços para compensar totalmente o impacto das nossas tarifas – mantendo os preços que os consumidores americanos pagam, ou seja, levando a que os consumidores americanos, apesar das tarifas, continuem a pagar o mesmo – que é basicamente a mesma coisa que pôr os chineses a pagarem-nos essas tarifas. Se escolher o segundo, então, de todo não cortará nos seus preços e passará, em vez disso, o custo destas tarifas para os seus clientes americanos…
… Que é precisamente o que uma equipa de investigadores de Princeton, Columbia e da Reserva Federal de Nova York mostrou que aconteceu no primeiro ano da guerra comercial de Trump. A história simples é que, porque as empresas chinesas não cobravam menos, as famílias americanas acabaram por ficar a pagar mais. As empresas americanas também o fizeram, mas o governo dos EUA ainda não conseguiu dinheiro suficiente dessas tarifas para compensar essas outras perdas. Como resultado, o país como um todo ficou ligeiramente mais pobre.
O verdadeiro problema, no entanto, não é apenas que Trump esteja seduzido por uma má ideia que funciona muito pior do que ele pensa. Não, é que os conselheiros de Trump também possam estar seduzidos por essa mesma ideia, porque eles acham que vai funcionar muito melhor para eles, politicamente falando, do que qualquer outra coisa. O facto de serem vistos a combater uma guerra comercial com a China é preferível a não o fazerem, mesmo que seja economicamente autodestrutivo (o que é, naturalmente, o caso).
A ironia, então, é que as guerras comerciais realmente podem ser boas, no que diz respeito a Trump, porque não são fáceis de vencer.