A Libra, explicada. Por Elizabeth Lopatto

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Seleção e tradução de Júlio Marques Mota

A Libra, explicada

Elizabeth Lopatto Por Elizabeth Lopatto

Publicado por the verge.jpg em 26 de junho de 2019 (ver aqui)

8 A libra explicada

O que é Libra?

É um excelente livro de Don DeLillo, o mestre americano. Publicado em 1988, é um relato fictício da vida de Lee Harvey Oswald, o eventual assassino do presidente John F. Kennedy. É melhor que o White Noise, mas não tão bom quanto o Underworld.

Liz.

 

Tudo bem. É a nova moeda criptográfica do Facebook. A questão é que o leitor pode enviar dinheiro para todo o mundo com taxas mais baixas do que se o leitor utilizasse os serviços, digamos, da Western Union.

Mas é sombrio como o inferno. O leitor lembra-se de Tyler e Cameron Winklevoss? Os gémeos de quem Mark Zuckerberg arrancou a ideia inicial para o Facebook? Sim, então eles têm um sistema de troca criptográfico chamado Gemini. Como qualquer amante da astrologia lhe pode dizer, tanto Libra como Gemini são signos feitos a partir do ar, e Gemini é de forma estereotipada mais assustador que a Libra. Gemini é o signo dos gémeos e está associado a hipocrisia. Além disso, é um sinal mutável feito de ar, o que o torna um tanto instável. Libra, como um sinal cardinal, é um pouco mais estável. Libra vê os dois lados; Gemini tenta ser os dois lados.

Por outro lado, a astrologia é inventada. De um terceiro ponto de vista teórico; o dinheiro também é inventado!

O que estou a tentar aqui dizer é que Zuckerberg parece adorar esmagar os sonhos desses homens amáveis, então quem pode dizer como é que isso vai acabar? De qualquer forma, o nome parece meio estranho.

 

É a Libra uma moeda criptográfica?

“É correto dizer que a moeda Libra utiliza tecnologia criptográfica.”

Essa é uma espécie de questão controversa. Em relação ao dólar americano, ao euro ou ao iene, é decididamente uma moeda criptográfica porque não existe um banco central. Há também um livro-razão de contabilidade pública, embora apenas algumas pessoas possam “extrair” a moeda Libra. Por isso, conversei com alguns especialistas para descobrir se Libra é ou não uma moeda criptográfica.

“É correto dizer que a Libra utiliza a tecnologia de moeda criptográfica”, diz Matthew Green, professor adjunto de ciência de computação da Universidade Johns Hopkins. (o Facebook entrou em contato com Green “há algumas semanas” e perguntou-lhe se ele olharia para o seu Livro Branco como um revisor externo. Este era um trabalho não remunerado em que Green teria que assinar um acordo de confidencialidade para o realizar. Ele recusou.) “É mais restrito em relação à forma como a blockchain funciona, mas mesmo isso não é totalmente novo.”

Em comparação com a moeda criptográfica original, bitcoin, bem… a Libra parece menos uma moeda criptográfica. Por exemplo: a moeda bitcoin é um sistema permissivo, que não precisa de autorização. Você pode participar através da prova de trabalho competindo para resolver um quebra-cabeça que permite adicionar um bloco à sua cadeia. O que isso significa, essencialmente, é que qualquer um pode participar. Esta é uma das ideias mais significativas por trás do artigo de Satoshi Nakamoto de 2008: bitcoin requer consenso, não confiança.

“Concordo com as pessoas que têm dito que Libra não é realmente uma moeda criptográfica.”

A Libra, pelo contrário, exige autorização, o que significa que apenas algumas entidades confiáveis podem manter o controle do livro de registo. Isso faz com que pareça mais uma moeda digital do que uma moeda criptográfica, diz Lana Swartz, professora assistente de estudos dos media na Universidade da Virgínia, que estudou extensivamente a comunidade de bitcoins. “Na verdade, concordo com as pessoas que têm dito que a Libra não é realmente uma moeda criptográfica”, diz Swartz.

Por outro lado, a Libra é ligada a “carteiras” com pseudónimos e as transferências são feitas através de operações de chave pública, diz Nicholas Weaver, investigador do International Computer Science Institute e professor do departamento de ciência da computação da Universidade da Califórnia, em Berkeley. “Então, assim”, disse-me ele, “é uma moeda criptográfica”. Weaver também observa que o modelo permissivo significa que é necessário menos poder de computação. Bitcoin desperdiça muita energia para evitar os chamados ataques Sybil, nos quais um atacante enche a rede com computadores que o atacante controla e em que pode fazer enormes estragos.

A única conclusão a que cheguei é que não há uma definição estável de “moeda criptográfica”, pelo que vou então chamar a Libra como sendo moeda criptográfica por uma questão de facilidade e para a manter em movimento. Se o leitor quiser colocar um asterisco nisso, eu não posso criticá-lo.

 

Porque é que a moeda descentralizada é excitante para algumas pessoas?

Bem, teoricamente, retirar o banco central da equação democratiza a moeda. Na prática, não é exatamente assim que funciona. Matt Levine, da Bloomberg, explicou isso muito sucintamente, pelo que me limito agora a parafraseá-lo. É verdade que a internet é, de certa forma, descentralizada, uma vez que não é controlada pelo governo ou por uma empresa específica. Mas o resultado é que certas grandes empresas de tecnologia administram a maior parte da infraestrutura: o motor de busca na internet é Google, o e-mail é Gmail, a computação em nuvem que alimenta a maioria dos sites é Amazon. “O efeito democratizador da abertura e descentralização da internet é contrabalançado pelas suas vastas economias de escala e efeitos de rede, que tendem a concentrar poder em alguns grandes vencedores”, escreve Levine.

E o Facebook quer ser o grande vencedor da moeda criptográfica.

 

Ouvi dizer que a Libra é uma “moeda estável”. O que é isso, e como é que ela se encaixa nisso?

Libra é uma moeda estável – mais ou menos! Infelizmente, tal como a “moeda criptográfica”, esta é uma espécie de área semântica bem cinzenta.

Basicamente, qualquer moeda criptográfica ancorada numa moeda fiduciária (digamos, o dólar americano) ou algum tipo de título apoiado pelo governo (como uma obrigação) conta como sendo uma moeda estável. A ideia é que há mais estabilidade – daí o nome – e menos volatilidade do que em algo como bitcoin, que não está ligado a nada. Bitcoin é exatamente tão valioso quanto as pessoas acreditam que o bitcoin é, o que o torna muito, muito volátil.

O objetivo é que a Libra seja mais útil que qualquer moeda nacional, aceite em mais lugares e com menos complicações; ligá-la a uma única moeda nacional só a poderia travar“.

Ao contrário da maioria das moedas estáveis, a Libra não está ligada a uma moeda específica. A Libra está ancorada num grupo de “ativos de baixa volatilidade, incluindo depósitos bancários e títulos públicos” designados em múltiplas moedas. Embora haja uma Reserva Libra, a Libra não parece estar necessariamente atrelada ao seu valor. Pelo contrário, a reserva funciona como uma espécie de limite inferior do valor da Libra.

Isso significa que há apenas uma Libra, independentemente de onde é que o leitor more. Levine é também ótimo neste ponto pelo que volto aqui a parafraseá-lo: se a Libra tiver sucesso, é provável que venha a dominar sobre moedas como o dólar. Isso é porque se você gastar sobretudo Libras, talvez porque passa a comprar a maioria das coisas online, então só vai converter as suas Libras em dólares quando precisa de gastar dinheiro na vida real, e o dólar vai começar a parecer irritante para si, uma vez que ele continua a mover-se  para cima e para baixo em relação à Libra. “O objetivo é que a Libra seja mais útil do que qualquer outra moeda nacional, aceite em mais lugares e com menos complicações; ligá-la a uma única moeda nacional só a travaria na sua expansão”, escreve Levine.

 

Que mais necessito saber sobre a reserva?

Novamente, se o leitor pensar sobre a clássica moeda criptográfica, a bitcoin, a sua política monetária é bastante escassa: há um número finito de bitcoins que podem existir, e o número de bitcoins que são realizados pela mineração diminui com o tempo. Essa é toda a política monetária do bitcoin. É isso mesmo!

Por outro lado, os membros gestores da Libra vão definir uma espécie de política, escolhendo o cabaz de investimentos utilizados para a reserva. (Eles disseram: “A associação não define a política monetária. Ela somente cunha e anula moedas como resposta à procura de revendedores autorizados”. Mas Tyler Cowen salienta que há algum debate sobre o que é essa política monetária.)

“Em circunstâncias normais, como com um depósito bancário, o leitor conseguiria manter os juros – mas com a libra, esse não é o caso”

A reserva virá inicialmente do Facebook e dos seus parceiros, mas mais tarde, se o leitor comprar Libra (Libras? Isso também parece semanticamente obscuro para mim) com dinheiro, o seu dinheiro será parte da reserva. Essa reserva é então “investida em ativos de baixo risco que renderão juros ao longo do tempo”.

Há um problema diferente aqui, no entanto. Em circunstâncias normais, como com um depósito bancário, o leitor pode manter os juros. Mas com a Libra, não é esse o caso. Não acredite na minha palavra, isso é o que dizem os gestores da própria Libra:

A receita proveniente desses juros vai primeiro para apoiar as despesas operacionais da associação – para financiar investimentos no crescimento e desenvolvimento do ecossistema, doações a organizações sem fins lucrativos e multilaterais, pesquisa em engenharia financeira, etc. Uma vez que isso esteja coberto, parte dos retornos restantes será destinada ao pagamento de dividendos aos primeiros investidores na Libra Investment Token pelas suas contribuições iniciais.

Portanto, quaisquer juros da Libra irão principalmente para a Libra e, em seguida, para os primeiros investidores da Libra como… Facebook. Não é divertido? É também como a Venmo e o PayPal ganham dinheiro: qualquer dinheiro retido nesses sistemas é dinheiro que eles recebem para manter os juros, de acordo com os seus contratos de utilizadores.

As moedas criptográficas não funcionam tipicamente numa blockchain? A Libra faz isso?

Vamos começar por… uh… definir blockchain. Estou a brincar, ou será que não se pode.

Se o leitor olhar através dos textos do Livro Branco, vai então notar isso, à volta da capitalização. Libra Blockchain, nesses textos, é sempre vista como investimento. E embora eu adore capitalizar coisas sem nenhuma razão, os meus editores lembram-me sempre que isso torna os meus textos mais difíceis de ler, e a piada normalmente só tem graça para mim. Agora é possível que o minúsculo comité de blockchain partilhe o meu senso de humor incrivelmente sofisticado, mas o que parece mais provável é que esteja a acontecer algum truque de mãos. Por exemplo, confira este parágrafo do Livro Branco:

Para armazenar com segurança as transações, os dados no Libra Blockchain são protegidos por árvores Merkle, uma estrutura de dados utilizada por outros blockchains que permite a deteção de quaisquer alterações nos dados existentes. Diferentemente dos blockchains anteriores, que visualizam o blockchain como uma coleção de blocos de transações, o Libra Blockchain é uma estrutura de dados única que regista o histórico de transações e as suas diferentes operações (e saldos) ao longo do tempo. Esta implementação simplifica o trabalho das aplicações que acedem à blockchain, permitindo-lhes ler qualquer dado de qualquer ponto no tempo e verificar a integridade desses dados através de um quadro unificado de trabalho.

Libra Blockchain recebe letras maiúsculas, mas a blockchain regular não as recebe. Não é interessante? O que é ainda mais interessante é a frase que começa com “Ao contrário de blockchains anteriores…”. Se a Blockchain da Libra não estiver a utilizar blockchains para as transações, será ela mesmo uma blockchain?

Seja o que for, não funciona, de acordo com este texto da Bloomberg – pelo menos ainda não. Mas o que parece, a partir desses materiais, é que, na verdade, a Libra não é muito descentralizada.

 

O que é que quer dizer com isso?

Eu continuo a notar que há aqui um truque sobre ser descentralizada “no futuro”, mas o certo é que desde o início a Libra aparece sob uma forma centralizada. Eles chamam a essa centralização de “permissão ou autorização” (permissioned[1]) nos seus textos de divulgação. Basicamente, a primeira versão de Libra é controlada pelos co-fundadores. O leitor sabe, os mesmos que também conseguem ficar com os juros. (Há um plano vago para expandir essa cabala inicial em cerca de cinco anos. Qualquer novo membro da cabala terá de aceitar cumprir os seus requisitos, que são substanciais.)

 

Ugh, isso soa como uma moeda fiduciária

Na verdade, é pior. No Livro Branco, há uma possibilidade de que os seus dados possam ser arquivados através do pagamento de uma comissão para economizar espaço. Tenho o prazer de informar que o Fed não pode fazer isso. Papel-moeda sem fim.

“O relevante sobre a moeda criptográfica é que ela faz tudo o que a moeda normal faz, mas muito mais lentamente”

Mas também é pior por uma outra razão. O facto relevante sobre a moeda criptográfica é que ela faz tudo o que a moeda comum faz, mas muito mais lentamente. Isso é por causa da blockchain: fazer todo esse cálculo desacelera as suas transações. A configuração da Libra torna as transações um pouco mais rápidas, mas não tão rápidas quanto os processadores de pagamentos tradicionais. Parece que a Libra pode fazer cerca de 1.000 transações por segundo, diz Green. Um processador de pagamentos tradicional como o Visa pode fazer cerca de 3.000 transações por segundo.

Portanto, pode ser razoável para o Facebook fazer outra coisa, em vez de todas essas transações individuais. Agregar as contas Netflix de todos os seus utilizadores numa única conta gigante e depois permitir que uma transação gigante cubra tudo este valor, diz Green.

Então, é isso que é privado?

Isto é o Facebook. A sua privacidade não existe no Facebook. Se o leitor confia em Zuckerberg, vale a pena lembrar que ele acha que o leitor é “um idiota de merda”. Ele desculpou-se por essa troca, mas devo dizer que, à luz de como o Facebook tratou a privacidade, acho que ele está muito arrependido que saibamos disso.

“Eles de toda a maneira deixaram entender que o seu modelo de negócios não está enraizado nos dados dos utilizadores, mas não consigo imaginar que não haja interesse nisso”, diz Swartz. O ministro francês das Finanças, Bruno Le Maire, partilha o seu ceticismo. “Esse dinheiro permitirá que esta empresa reúna ainda mais dados, o que só aumenta a nossa determinação em regular os gigantes da internet”, disse Le Maire, segundo a Bloomberg.

No exemplo que acabei de utilizar de uma grande e agregada fatura da Netflix, ainda há o problema do próprio Facebook conhecer o histórico das  suas transações, o que não é ótimo. Mas esse é o melhor cenário possível.

Há uma visão da Libra onde as pessoas simplesmente… a usam, como em locais físicos ou para enviar dinheiro para pessoas individuais. E, ao contrário de uma transferência bancária, isso não será informação privada. Nesse mundo, o problema de privacidade pode ser muito ruim, diz Green, porque todas as empresas que fazem qualquer coisa nessa camada são visíveis. “Então, de repente, você tem o Twitter para a sua conta bancária, onde todos no mundo ficam a saber de todas as transações que você faz”.

 

Muito parecido com Venmo?

Sim, mas com uma base de utilizadores muito maior. Imagine a escala aqui, que é deliberadamente internacional. Há quase certamente governos que estariam interessados nos dados das transações, particularmente se forem granulares, diz Green.

Mas eu não tenho privacidade no meu banco, pois não?

Bem, o leitor tem e não tem. O Chase não está a transmitir os detalhes de para onde quer que eu tenha enviado dinheiro, então, nesse sentido, este banco é mais privado. Mas, num outro sentido importante, o Chase é menos privado. Isso é por causa das leis Know Your Customer e Anti-Money Laundering, que, nos EUA, determinam que certas partes da minha identidade sejam divulgadas pelo meu banco ao governo dos EUA e também que o meu banco avalie a probabilidade de eu estar a cometer crime (como, por exemplo, lavagem de dinheiro). Essas leis parecem ser algo que o Facebook deveria estar a prestar muita atenção se for sério em relação à Libra. As leis também variam de país para país. Parece-me muitos encargos gerais para se estar em conformidade com a regulação, se quer a minha opinião!

“Parecem estar a jogar nos dois sentidos.”

Até agora, o modo como a Libra vai lidar com essas leis é meio vago. “Eles estão a fazer uma dança estranha entre como, oh, do tipo nós vamos ser muito leves sobre “Conheça o seu cliente” e vamos ser super inclusivos, mas também vamos realmente funcionar de acordo com as regras da regulação “, diz Swartz. “Eles parecem estar a jogar nos dois sentidos.

Mas isso não é tudo. Há também o IRS. Então, se Libra é uma moeda criptográfica – e, novamente, parece ser uma delas – é classificada pelo IRS como uma mercadoria, como toucinho de porco ou ouro. Isso tem implicações fiscais, diz-me Weaver. Lembre-se como as moedas criptográficas são geralmente do tipo volátil e como a Libra é concebida deliberadamente para ser menos volátil? Isso não garante necessariamente baixa ou nenhuma volatilidade. Então, se eu estou a ter o meu salário expresso em Libra, e o valor de Libra em relação ao dólar sobe enquanto o dinheiro está a ser transferido de tal forma que eu ganho US $ 100 extra, estes US $ 100 são tributáveis.

Isso significa algo para mim, claro, mas também significa algo para o Facebook, escreveu Weaver:

Uma vez que qualquer integração no Facebook Messenger ou no WhatsApp está sob o controle do Facebook, o Facebook provavelmente deveria arquivar documentos de imposto de rendimento e acompanhar a matemática de base de custos, que de outra forma seria difícil, em nome dos clientes do Facebook, como fazem outras corretoras de investimento. O IRS precisa lembrar ao Facebook e ao público sobre todas essas implicações e exigências. É claro que isso tornaria a Libra completamente inútil nos EUA, aumentando o custo de a utilizar para além de toda a utilidade.

Quando falámos ao telefone, Weaver disse-me que a verdadeira privacidade financeira é “um veículo para maus resultados”. O que você quer é uma empresa que não permita privacidade, mas que seja boa em proteger os seus dados. “E como o Facebook é conhecido pelo uso indevido de dados, a noção de permitir ao Facebook ter uma visão sobre um monte de transações financeiras é simplesmente perturbadora”.

 

Não se trata apenas do Facebook. É também toda a gente que tem um meio para ajudar a processar essas transações, certo?

Sim, e isso leva-nos a outro obstáculo legal em potencial: manter os bancos e o comércio separados. O Facebook tem 27 parceiros, incluindo Visa, Mastercard, eBay, PayPal, Stripe, Spotify, Uber, Lyft e Coinbase. Dependendo de que dados são visíveis para eles, pode haver alguns problemas legais a serem resolvidos, escreve Matt Stoller, um colega do Open Markets Institute:

Desde a Guerra Civil, os Estados Unidos tiveram uma proibição geral da interseção entre bancos e comércio. Essa barreira foi reforçada muitas vezes, como em 1956 com a Lei das Sociedades Gestoras de Participações de Bancos e em 1970 com uma emenda a essa lei durante a mania dos conglomerados. Por ambas as vezes, o Congresso impediu que os bancos entrassem em negócios não bancários por meio de holdings, porque os americanos historicamente não queriam que os bancos competissem com os seus próprios clientes. Bancos e pagamentos são um negócio especial, onde um banco tem acesso a segredos comerciais íntimos dos seus clientes. Como um agente de viagens disse ao Congresso em 1970, quando se opôs ao direito dos bancos de entrar no seu negócio, “Sempre que depositava cheques dos meus clientes”, disse, “estava a fornecer aos bancos os nomes de meus melhores clientes”.

Imagine a Calibra, subsidiária do Facebook,a conhecer o seu saldo de conta bancária e as suas despesas e oferecendo-se para vender a um retalhista um algoritmo que maximizará o preço do que o leitor pode pagar por um produto. Imagine que esse cartel tenha esse tipo de visibilidade financeira não apenas para muitos consumidores, mas para empresas de toda a economia. Tais conflitos de interesse são a razão pela qual os pagamentos e a banca estão separados do resto da economia dos Estados Unidos.

 

Caramba

Caramba, isto está certo. E isso é antes de chegarmos à possibilidade de vigarices! Olhem, toda a atração pela moeda criptográfica dos totós que começaram a comunidade de bitcoins era devida à ausência de interferência, diz Green. Mas a maioria de nós não é suficientemente sofisticada para funcionar sem nenhum tipo de rede de segurança. E a realidade é que a bitcoin criou muitas oportunidades para se levarem a cabo fraudes e extorsões. Lembram-se quando todos aqueles “Elon Musks” apareceram no Twitter a venderem vigarices de criptografia? Além disso, salienta Weaver, a moeda criptográfica é o veículo preferido para os resgates.

“A maioria de nós não é sofisticada o suficiente para funcionar sem algum tipo de rede de segurança”

Esses foram o tipo de problemas que tiveram os primeiros utilizadores que tendem a ser mais sábios do que nós, os normais. Há um mundo em que um milhar de milhões de pessoas que adotando Libra leva a que esses problemas se coloquem a uma escala inimaginavelmente grande.

Weaver vê as vigarices que daí podem resultar como sendo de alguma preocupação, mas a extorsão preocupa-o ainda mais. Por exemplo, ele aponta, um fator limitativo importante nos mercados de drogas online é que pagar com bitcoin representa uma verdadeira dor de cabeça. Mas uma moeda criptográfica de fácil acesso – uma moeda que tem proteções de privacidade que impedem que todos vejam para quem o leitor está a enviar dinheiro – torna mais fácil pagar as drogas ilegais on-line. “Eu gosto de dizer que a moeda criptográfica cometeu um crime contra mim”, diz Weaver. “Isso faz-me crer na necessidade de uma aplicação rigorosa das leis sobre  lavagem de dinheiro”.

 

Então, será que o processo de criação da Libra pode ser parado?

Quem é que pode dizer?

A deputada Maxine Waters (Democrata da Califórnia), presidente do Comité de Finanças da Câmara, está a pedir à liderança da Câmara que se junte a ela para exigir que o Facebook interrompa o desenvolvimento de Libra até que o Congresso analise a Libra, informou Bloomberg. O senador Mike Crapo (Republicano do Idaho), presidente do Comité Bancário do Senado, agendou uma audiência para 16 de julho. O Facebook foi convidado a testemunhar numa audiência do painel de serviços financeiros em 17 de julho.

Mas os obstáculos legais e regulamentares podem ser removidos em alguns casos. Ou Mark Zuckerberg poderia barrar tudo isto com mel e atrever-se a que o governo o venha prender. Estamos em 2019, e tudo é possível. Direi, no entanto, que acho tudo isso muito divertido, e gostaria de partilhar com vocês qual pode ser a maneira mais improvável de parar com a Libra, e isso envolve o esperançoso presidente Howard Schultz.

Antes de se candidatar à presidência, Schultz era apenas o bilionário CEO da Starbucks. Durante uma conferência de comunicação de ganhos no ano passado, disse que as moedas criptográficas legítimas estavam a caminho. (Bitcoin não é legítimo, na opinião de Schultz.) Os seus comentários soaram como uma grande dica de que a Starbucks estava a trabalhar sobre a moeda criptográfica, ou pelo menos em blockchain, e com alguma capacidade.

As pessoas não confiam no Facebook. Elas confiam na Starbucks. A confiança é uma grande parte de como o dinheiro funciona, diz Swartz. A Starbucks tem um alcance geográfico em termos de filiais maior do que qualquer outro banco do mundo, diz-nos. Tem uma aplicação de pagamentos muito utilizado e algumas das mais sofisticadas tecnologias de ponta do mundo. Então, talvez essa seja a resposta: A Starbucks lança a StarBucks, a sua própria moeda eletrónica de marca, e com isso acaba por massacrar a Libra porque gostamos e confiamos na Starbucks, e não gostamos nem confiamos no Facebook.

De toda a maneira, é por isso que eu estou a torcer.

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A autora: Elizabeth Lopatto é escritora científica, em Oakland, Califórnia. É atualmente editora de ciência em The Verge. Anteriormente escreveu para  Bloomberg News e Seed Magazine. Foi também fundadora de Kenyon Review’s blog. Aqui pode ver um arquivo do seu defunto boletim de ciência.

 

[1] DEFINIÇÃO de Permissioned Blockchains: As blockchains autorizadas mantêm uma camada de controle de acesso para permitir que certas ações sejam executadas apenas por certos participantes identificáveis. Essas blockchains diferem das blockchains públicas e privadas.

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