Bitcoin e o Incrível Poder da Ficção. Por Matt Levine

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Seleção e tradução de Júlio Marques Mota

Bitcoin e o Incrível Poder da Ficção

Vistas sob uma certa luz, as moedas criptográficas são como Estados-nação ou religião. Os humanos geram conceitos abstratos e utilizam-nos para coordenar a sua ação.

Matt Levine Por Matt Levine

Publicado por bloomberg em 21 de fevereiro de 2018 (ver aqui)

9 Bitcoin e o Incrível Poder da Ficção
Isto não é um conselho para investir.  Photographer: Sean Gallup/Getty Images

 

Aqui está Paul Singer da Elliott Management com uma posição de mercado em alta no que se refere à moeda bitcoin:

“FOMO (fear of missing out – o medo de perder a oportunidade) tem solidamente eclipsado WTHIT (what the hell is this – o que diabos é isto??)”, disse a Elliott Management aos clientes numa carta de 26 de janeiro lida por Business Insider. “Quando a história for escrita, as moedas criptográficas provavelmente serão descritas como um dos esquemas de burla mais brilhantes da história.”

O fundo dedicou três páginas para cobrir o que vê como problemas com as moedas criptográficas. A carta dizia:

“Nós todos rimos das tribos primitivas que usaram pedras grandes (ou porcos) como moeda corrente. Bem, riam-se como quiserem, mas uma pedra ou um porco saudável é alguma coisa. As criptomoedas não são nada, exceto o poder de marketing dos inventores, financiadores e outros que gostam da ideia de comprar uma caixa preta (que está obviamente vazia) pelo preço de um Kia e sonhando que este se vai transformar num Mercedes. Houve tempos recentes em que este sonho se materializou em poucas horas. Isto não é apenas uma bolha. Não é apenas uma fraude. É talvez o limite externo, a expressão final, da capacidade dos seres humanos de se apoderar do éter e esperar para subirem nele até às estrelas”.

Quero dizer, reparem. Se eu dissesse que “X é uma fraude”, o leitor provavelmente não compraria X, porque é um leitor inteligente de Coisas de Dinheiro e não quer entrar em fraudes. Mas talvez o devesse fazer! E se eu lhe disser “X é um esquema muito bom, e está apenas a começar”? O esquema estereotipado de bombear e despejar começa com algum fraudador que se apropria de uma ação e termina com um grupo de investidores de retalho que ficam com o saco de ações quando estas ações caem. Mas no meio existem geralmente pessoas espertas que compram o tipo de títulos que estão na moda, sabendo que é uma vigarice mas acreditando corretamente que conseguirão vendê-los a alguma outra pessoa ainda com os títulos em alta e saindo da situação antes desta rebentar. Às vezes, o negócio certo é curto-circuitar um esquema de vigarice mas muitas vezes o negócio é ficar com os títulos durante algum tempo para depois se desfazer deles.

Mas as moedas criptográficas, no relato da Elliott, não são apenas um esquema, ou um bom esquema de vigarice. Elas são “um dos esquemas fraudulentos mais brilhantes da história”. (E elas têm apenas 10 anos de idade! Tivessem elas sido criadas mais cedo!) O que mais está nessa lista? Eu gosto do argumento de Yuval Noah Harari, em “Sapiens”, de que a maior vantagem do Homo sapiens como espécie é a nossa capacidade de gerar ficções coletivas:

Tanto quanto sabemos, só Sapiens pode falar de tipos de entidades que nunca viram, tocaram ou cheiraram. Lendas, mitos, deuses e religiões surgiram pela primeira vez com a Revolução Cognitiva. Muitos animais e espécies humanas podiam anteriormente dizer ‘Cuidado! Um leão! Graças à Revolução Cognitiva, o Homo sapiens adquiriu a capacidade de dizer: ‘O leão é o espírito guardião de nossa tribo’. Esta capacidade de falar sobre ficções é a característica mais singular da linguagem Sapiens. … O leitor nunca poderia convencer um macaco a dar-lhe uma banana, prometendo-lhe bananas ilimitadas após a morte no paraíso dos macacos.

Harari argumenta que a ficção “nos permitiu não apenas imaginar as coisas, mas também fazê-lo coletivamente”, e assim nos deu “a capacidade sem precedentes de cooperar de forma flexível em grandes números”. A lista de Harari de ficções poderosas inclui religião, Estados-nação, direitos humanos, dinheiro e as empresas de responsabilidade limitada. Ria como quiser, mas a empresa de responsabilidade limitada não é uma pedra, ou um porco saudável. É apenas um exemplo da capacidade dos humanos de gerar conceitos abstratos e usá-los para coordenar a ação, “para aproveitar o éter e esperar montá-lo até às estrelas”. Vistos sob uma certa luz, a grande empresa, ou dinheiro, ou estados-nação, ou religião, são alguns “dos mais brilhantes golpes da história”. Estar nessa lista é um bom augúrio para a longevidade de um esquema, e pelo seu valor real. Se Bitcoin durar 10.000 anos e facilitar a existência de uma economia mais livre e mais produtiva, então realmente será um dos esquemas mais brilhantes da história. E o leitor ficará feliz por ter comprado Bitcoins.

Isso não significa que a Elliott esteja certa! O que é que eu sei? Talvez a moeda criptográfica não seja um dos esquemas de vigarice mais brilhantes da história, mas apenas um esquema de vigarice como tantos outros. Isto não é um conselho de investimento. O meu ponto de vista é apenas que isto não se trata de uma boa objeção, face a uma inovação na cultura humana, dizer que ela não tem nenhuma base na realidade física. Esse é todo o sentido da cultura, a característica definidora da humanidade.

Entretanto, a absoluta parvoíce que é a moeda criptográfica da Venezuela, o petróleo, que de alguma forma será uma moeda de matérias-primas, uma moeda fiduciária e uma moeda criptográfica, está a ser lançada hoje. E: “Bitcoin está a tornar-se um ‘pesadelo’ para os advogados de divórcios”, não apenas pela razão óbvia (é uma maneira de esconder ativos), mas também porque o seu valor é tão volátil que é difícil dividir os ativos de forma justa. E: “Apesar do crescimento do interesse tanto de particulares como de investidores institucionais pelas moedas eletrónicas, o número de empresas que produzem estudos de qualidade institucional sobre esta nova classe de ativos está claramente desfasado”. E “A SEC Suspende a Negociação em Três Emitentes que Alegam Envolvimento em Moeda Criptográfica e Tecnologia Blockchain”. E: “Regulador Sul-Coreano sobre as Criptomoedas encontrado morto em casa.” E: “A moeda que eles procuravam era virtual, mas as armas que levavam eram tudo menos isso.”

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O autor: Matt Levine é um colunista da Bloomberg Opinion cobrindo o setor financeiro. Foi editor da Dealbreaker, um banqueiro de investimentos da Goldman Sachs, advogado de fusões e aquisições da Wachtell, Lipton, Rosen & Katz, e secretário do Tribunal de Recursos da 3ª Região dos EUA.

 

 

 

 

 

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