CARTA DE BRAGA – “o que diria hoje Aristóteles?” por António Oliveira

Na década passada, o ciclo informativo era de 24 horas, mas foi substituído pelo de 24 minutos. Agora já estamos nos 24 segundos. Este encolhimento dos tempos de enunciação só favorece o enfrentamento. O que se pode dizer quando só se têm 24 segundos?

Este raciocínio e consequente pergunta pertence a Christian Salmon, o notável ensaísta e escritor francês e correu mundo em Outubro passado.

Tudo a propósito da passagem de 140 para 280 caracteres nos tweets, que deixou trump furioso, o ‘Hemingway do Twitter!’ (a expressão é de Salmon).

Na verdade, são os textos simples, curtos e violentos a base do êxito dos trumps, o dos states e os outros, por não exigirem muito mais do que uma cultura básica e primária, bem como acertar nas teclas do telemóvel.

A terminar as reflexões sobre os ciclos informativos actuais, Christian Salmon não se inibe, ‘uma sociedade pilotada pelas meias verdades vai directa para o abismo’.

Para Salmon ‘os acontecimentos não se ordenam por sequências ou datas, são estruturados pela imprevisibilidade e pelo shocking’ levando à actual ‘carnavalização como substituição do debate público

Note-se também, que na última  década e nas anteriores, se partia do princípio de que até aos nove ou dez anos, uma criança aprendia a ler e a escrever para, a partir dessa idade, começar a aprender, mas lendo e escrevendo.

Era então que se lhe ‘entregavam’ textos e livros para aprender a confrontar-se com o mundo, o mundo que a antecedeu e aquele outro em que vivia, para poder perspectivar o futuro.

A quantidade e o número de livros que lhe passava pelas mãos, costumava ser tomado como amostra da presença da língua no quotidiano da família, embora todos soubéssemos bem as condições económicas em que ‘nadava’ a maioria das famílias deste país.

E percebia-se muito bem como havia crianças a poder escutar uns milhares de palavras por dia, enquanto um grande número, raramente ultrapassava as 500 ou 600.

Ao fim de dez anos de escolaridade, afirmou um diário nacional ‘cerca de um quinto dos alunos portugueses continua a não ter competências mínimas para resolver situações do dia-a-dia’, citando o relatório PISA-1019, divulgado em 5 de Dezembro.

Mas todos terão altíssimas competências para teclar, a ver pelo interesse paternal em dotar a descendência com os ‘utilíssimos’ telemóveis para eles poderem ficar tranquilos! Entenda-se este ‘eles’ no sentido que se quiser!

Em ‘Política’, Aristóteles afirma mesmo ‘A razão pela qual o homem, mais do que uma abelha ou um animal gregário, é um ser vivo político em sentido pleno, é óbvia. A natureza não faz nada ao desbarato, e só o homem, de entre todos os seres vivos, possui a palavra’.

Palavra que permite a vida em sociedade, que permite ‘conquistar’ os recursos necessários para encontrar ‘saídas’ para as dificuldades, tanto pela humildade da pergunta como pela grandeza das respostas, pertença as duas a cada um.

E alguém afirmou um dia ‘ler bem não passava da maleta dos primeiros socorros da nossa mochila de todos os dias’ mas, o que afirmaria agora o ‘velho’ sábio grego?

Todos sabemos que os saberes úteis nos permitem produzir mercadorias, mas os mais valiosos permitem formar a pessoa, ensiná-la a entender o mundo, a governar a vida e a não deixar que sejam outros a governá-la.

Nada melhor que terminar esta Carta primeira do ano, recorrendo a dois versos de ‘Uma voz na pedra’, o belíssimo poema de António Ramos Rosa.

Não sou a destruição cega nem a esperança impossível.

Sou alguém que espera ser aberto por uma palavra’.

António M. Oliveira

Não respeito as normas que o Acordo Ortográfico me quer impor

 

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