Ganhámos a discussão, mas lamento não termos convertido isso na maioria para a mudança. Por Jeremy Corbyn

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Seleção e tradução de Júlio Marques Mota

Ganhámos a discussão, mas lamento não termos convertido isso na maioria para a mudança

 

Por Jeremy Corbyn

Editado por the guardian em 14 de dezembro de 2019 (ver aqui)

 

Temos agora de assegurar que a classe trabalhadora, em toda a sua diversidade, seja a força motriz do nosso partido.

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Jeremy Corbyn  perto da sua casa no sábado. Fotógrafo: Toby Melville/Reuters

 

Vivemos em tempos altamente voláteis. Há dois anos e meio, nas primeiras eleições gerais em que participei como líder trabalhista, o nosso partido aumentou a sua quota-parte do voto popular em 10 pontos percentuais. Na quinta-feira, numa noite desesperadamente decepcionante, recuámos oito pontos.

Solicitei um período de reflexão no partido, e não há falta de coisas a considerar. Não acredito que estes dois resultados eleitorais contrastantes possam ser entendidos isoladamente.

Os últimos anos viram uma série de convulsões políticas: a campanha de independência escocesa, a transformação trabalhista, o Brexit, o surto eleitoral trabalhista, e agora a vitória do “Get Brexit Done”de Johnson. Nada disso é uma coincidência.

O sistema político é volátil porque não está a conseguir gerar apoio estável para o status quo após o crash financeiro de 2008. Como líder trabalhista, fiz questão de viajar para todas as partes do nosso país e ouvir as pessoas, e fiquei continuamente impressionado com até que ponto se desmoronou a confiança na política.

O fosso entre os mais ricos e os restantes aumentou. Todos podem ver que o sistema económico e político não é justo, não faz justiça e está seguramente a funcionar contra a maioria.

Isso proporcionou uma abertura para uma política mais radical e esperançosa que insiste que a situação não tem ter de ser o que é e que outro mundo é possível. Mas também alimentou o cinismo entre muitas pessoas que sabem que as coisas não estão  a funcionar para elas, mas não acreditam que isso possa mudar.

Eu vi isso mais claramente nas antigas áreas industriais da Inglaterra e País de Gales, onde a destruição deliberada de empregos e comunidades ao longo de 40 anos causou um pesado tributo. Não é de admirar que estas áreas tenham sido as que mais se ressentiram no referendo de 2016 e, lamentavelmente para os trabalhistas, nas eleições gerais de quinta-feira.

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Eu assumo a minha parte de responsabilidade por esta derrota, diz Jeremy Corbyn

 

Nas cidades onde a siderurgia fechou as suas portas , não se confiava na política como um todo, mas na promessa de Boris Johnson de “fazer o Brexit” – vendida como um golpe no sistema – sim, confiou-se. Infelizmente, esse slogan em breve se verificará que está assente na falsidade o que irá abalar ainda mais a confiança na política.

Apesar dos nossos melhores esforços, e das nossas tentativas de deixar claro que isto seria um ponto de viragem para toda a direção do nosso país, as eleições centraram-se principalmente no Brexit.

Um partido conservador disposto a explorar as divisões capitalizou a frustração criada pela sua própria incapacidade de concretizar o resultado do referendo – à custa de um partido trabalhista que procura unir o nosso país para enfrentar o futuro.

A polarização no país sobre o Brexit tornou a situação mais difícil para um partido com forte apoio eleitoral de ambos os lados. Creio que pagámos um preço por termos sido vistos por alguns como uma tentativa de ultrapassar essa divisão ou de querermos voltar a realizar o referendo.

Precisamos agora de ouvir as vozes daqueles que, em Stoke e Scunthorpe, Blyth e Bridgend, Grimsby e Glasgow, não apoiaram os trabalhistas. O nosso país mudou radicalmente desde o crash financeiro e qualquer projeto político que finja o contrário é uma indulgência, é uma pobreza.

O progresso não vem numa simples linha reta. Embora tenhamos perdido muitos lugares no Parlamento na quinta-feira, acredito que o manifesto de 2019 e o movimento que está por trás dele será visto como historicamente importante – uma tentativa real de construir uma força suficientemente poderosa para transformar a sociedade a favor de muitos, não para poucos. Pela primeira vez em décadas, muitas pessoas tiveram esperança de um futuro melhor.

Essa experiência, partilhada por centenas de milhares de pessoas, não pode ser apagada. A nossa tarefa como movimento, e como partido que mais do que duplicou de tamanho, ainda não terminou: tem agora a tarefa urgente de defender as comunidades que serão alvo de ataques sustentados por parte do governo de Boris Johnson e o acordo tóxico que ele quer com Donald Trump.

E deve começar a garantir que o sentimento de esperança se espalhe e se aprofunde. Como socialistas, procuramos aumentar as expectativas das pessoas. As pessoas no nosso país merecem muito mais – e podem tê-lo, se trabalharmos juntos para alcançá-lo.

Orgulho-me de termos ganho os argumentos e reescrito os termos do debate político sobre a austeridade, o poder empresarial, a desigualdade e a emergência climática. Mas lamento que não tenhamos conseguido converter isso numa maioria parlamentar a favor da mudança.

Não há dúvida de que as nossas políticas são populares, desde a propriedade pública dos caminhos-de-ferro e dos principais serviços de utilidade pública até um programa massivo de construção de habitações e um aumento salarial para milhões de pessoas. A questão é: como podemos ser bem sucedidos no futuro, se desta vez não o fomos?

Não há uma solução rápida para vencer a desconfiança de muitos eleitores. Sermos paternalistas com eles não os trará de volta. Os Trabalhistas têm de ganhar a sua confiança. Isso significa o trabalho paciente de ouvir e estar com as comunidades, especialmente à medida que o governo intensifica o seu assalto. E significa assegurar que a classe trabalhadora, em toda a sua diversidade, seja a força motriz dentro do nosso partido.

Os ataques dos meios de comunicação social ao Partido Trabalhista nos últimos quatro anos e meio foram mais ferozes do que nunca – e é claro que isso tem um impacto no resultado das eleições. Qualquer pessoa que defenda uma verdadeira mudança terá de enfrentar toda a força da oposição dos meios de comunicação social.

O partido precisa de uma estratégia mais robusta para fazer face a esta hostilidade de proprietários milionários e influentes e, sempre que possível, utilizá-la a nosso favor.

Sofremos uma pesada derrota, e eu assumo a minha responsabilidade por isso. Os trabalhistas terão em breve um novo líder. Mas seja quem for, o nosso movimento continuará a trabalhar em prol de uma sociedade mais justa e equitativa e de um mundo sustentável e pacífico.

Passei a minha vida a fazer campanha por esses objetivos, e vou continuar a fazê-la. A política da esperança deve prevalecer sobre tudo o resto.

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1 Comment

  1. Diz Jeremy Corbyn: «Não há uma solução rápida para vencer a desconfiança de muitos eleitores. Sermos paternalistas com eles não os trará de volta. Os Trabalhistas têm de ganhar a sua confiança. Isso significa o trabalho paciente de ouvir e estar com as comunidades, especialmente à medida que o governo intensifica o seu assalto. E significa assegurar que a classe trabalhadora, em toda a sua diversidade, seja a força motriz dentro do nosso partido.», com o que estou de acordo; no entanto, será necessário traduzir a intenção em propostas concretizáveis e que vão ao encontro das necessidades das pessoas (Em Portugal tivemos um político, Guterres, que dizia que era preciso ouvir e dialogar, mas não passou de fingimento). Saberá o Partido Trabalhista como fazê-lo? E a restante esquerda europeia? Como poderemos nós, pessoas que se situam à esquerda, criar um movimento, para já, europeu, que consiga convencer as pessoas de que há outro caminho diferente do proposto pelos Trump e Jonhson deste mundo e que impeça que o fosso entre ricos e pobres vá diminuindo?

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