
Conheço esta aldeia, desde Outubro 1969. Quando o bispo do Porto, D. António Ferreira Gomes, me nomeia ‘Pároco de Macieira da Lixa e Zona Pastoral da Lixa’. A realidade vem depressa mostrar que pároco sou, mas por muito pouco tempo, e que a Zona Pastoral da Lixa nunca chegará a sair do papel. Era um bonito objectivo pastoral do Bispo, mas os clérigos párocos recusaram-no quase em bloco. Querem-se no seu campanário, como na sua quinta, tiranetes das populações, quase todos. Como na altura sou com 32 anos de idade e 6 anos e alguns meses de Presbítero ordenado, e o único com uma Carta de nomeação a dizer, preto-no-branco, ‘e Zona Pastoral da Lixa’, todos os da Vigaria da zona entendem que venho para mandar deles. E, logo no primeiro encontro com eles, oiço do Vigário, ‘Olhe que vamos botá-lo abaixo do cavalo’. E é o que demencialmente fazem.
Chego à paróquia numa 6.ª feira sem ninguém para me acolher. E quando, no domingo me apresento às pessoas que, a medo, entram no templo paroquial para Eucaristia, nem o Vigário se me junta, como era expectável. Dou-me conta que o olhar das pessoas é de medo, como se eu fosse um lobo que vem para as comer. Desconheço de todo, nessa altura, as calúnias e as mentiras mais absurdas que os párocos vizinhos lhes haviam dito a meu respeito. E, como um menino, começo por lhes dizer quem sou e ao que venho. Quando me ouvem dizer, Sou filho de Ti Maria do Grilo, jornaleira, e de Ti David, ex-operário da construção civil em Moçambique; e, logo acrescento, Quero ser o vosso companheiro de todas as horas; não quero o vosso dinheiro, quero-vos a vós como companheiras, companheiros meus; e sublinho, A casa paroquial é mais vossa do que minha e podeis, por isso, frequentá-la à vontade. Só nessa altura as pessoas respiram fundo e a alegria brilha-lhes logo nos olhos. Os dias e semanas que se seguem confirmam a verdade das minhas primeiras palavras, pois vêem-me andar de casa em casa e nos campos com eles, inclusive, a dar-lhes a minha ajuda.
A Eucaristia, cada domingo, é centrada na partilha do Pão outro que é o Evangelho, como a Boa Notícia de Deus que nunca ninguém viu e historicamente se nos faz próximo em Jesus, o filho de Maria, uma mulher de Nazaré, camponesa, tal como muitas, muitos dos que me escutais. E pelas reacções que me chegam, venho progressivamente a concluir que, afinal, as pessoas nunca ouviram falar de Jesus, nem de Maria sua mãe, nem do Evangelho como eu o vivo com elas, cada dia e lhes anuncio cada domingo. O espanto é total e as reacções a favor e contra mais do que muitas. Experimento-me então, sem querer, como um vivo Sinal de Contradição nesta aldeia e nas aldeias circunvizinhas que veio pôr a nu os pensamentos escondidos no coração de muitas, muitos. E 9 meses depois de praticar-anunciar o Evangelho de Jesus aplicado às condições sócio-políticas do país, sou preso pela Pide/DGS em Caxias. O único pároco católico preso político em 48 anos de salazarismo, por ousar praticar-anunciar o Evangelho de Jesus!
Uns 7 meses depois, saio absolvido pelo Tribunal Plenário do Porto. O que deixa o bispo D. António eufórico – uma postura muito rara nele – e logo convidado seu, via Advogado Dr. José da Silva, para um jantar de festa, com mais pessoas, na sala de banquetes do Paço Episcopal, onde o oiço dizer, num brinde final, ’20 séculos depois, o Evangelho voltou de novo ao Pretório e, desta vez, saiu absolvido’. Porém, como depois de um ‘exílio’ de 4 meses em Madrid, imposto por ele, me vê recusar a sua tentadora proposta duma carreira eclesiástica e preferir regressar à Paróquia, vejo-me, logo no ano a seguir, privado da renovação da respectiva Carta. Matenho-me ainda pároco, mas na anómala condição de ‘pároco com jurisdição permissiva, portanto, precária’. Até que 1 ano e 3 meses depois, em 21 de Março 1973, volto a ser preso pela Pide/DGS em Caxias e, nesse mesmo dia, fico sem a paróquia. E, de então até hoje, também sem qualquer outro ofício canónico. Por isso, apenas e só Presbítero, exactamente como no meu primeiro mês, pós-ordenação.
Em 2004 e já com o processo da reforma de jornalista em curso – o Presbítero nunca se reforma, é para sempre – decido, para surpresa de muitos, regressar a Macieira, onde, desde então, vivo numa casinha arrendada e sozinho por opção. E porquê? Porque além do clima super-saudável, Macieira é para mim o ‘Lugar Teológico’ onde Deus, o de Jesus, desde o início da década de setenta, se nos dá a conhecer. Aqui vivo à escuta do seu Sopro e prossigo, incansável, a missão de Evangelizar os pobres e os povos, agora também via internet, Jornal Fraternizar online, redes sociais, Youtube e livros sucessivamente editados. Para lá de inúmeros encontros ao vivo um pouco por todo o país. Uma missão com tudo de martirial, que visa destruir o Templo e o Império que crucificam Jesus histórico em Abril do ano 30 e que demencialmente insistem em manter na cruz os povos da Terra. Antes de implodirem de vez num Hoje cada vez mais próximo!
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