CARTA DE BRAGA – “à civil e fardados” por António Oliveira

Aqui há uns dias, um sujeito entrava e saía de um restaurante, sem a máscara que devia usar e refilou comigo e com a minha esposa quando o avisámos disso.

Um exemplo perfeito da atitude negativa de alguém frente a uma observação pertinente nestes tempos, mais do respeito a duas pessoas que não conhecia, que o trataram como devia, avisando-o com distanciamento e humanidade.

Estou convencido que actuou assim por não estar fardado, pois logo algumas pessoas nos disseram quem era tal sujeito, um graduado qualquer da Polícia, mas ali ‘à civil’.

Foi grosseiro e mal-educado, estilo ‘policia do antes 25 de Abril’, coisa que não esperava voltar a ver nem ouvir, pois mandou a minha esposa ‘ir para casa coser meias’ e a mim ‘já não tem idade para andar na rua’.

Não chamo aqui esta situação pela falta de civismo do tal ‘cívico’, mas sim por ser vulgar uma das ideias mais tristes desta pandemia ‘coronada’, a do isolamento, forçado ou não, dos mais velhos, pelos dramas que tal isolamento arrastou por esse mundo fora, pois a maioria das residências para a terceira idade onde estavam confinados, não dispunham (nem sei se já as terão agora) condições para o fazer.

Isto mostra uma atitude cultural bem de acordo com estes tempos de sacralização da velocidade e da juventude e, como afirmou George Steiner ‘Se a redefinição dos critérios de duração, da afirmação individual contra o tempo, e assim por diante, for tão radical e de tão pouco alcance como parece tender a ser, a “ruptura” terá o centro do próprio conceito de cultura por objecto’.

Haverá muita coisa a reformular, pois convém não esquecer que se Mozart foi embora aos 35 anos e Schubert apenas com 31, Darwin só partiu aos 73, Einstein aos 76, Goethe acabou de escrever o ‘Fausto’ aos 83, Chaplin abalou aos 88 e sabemos e vemos Isabel II abrilhantar chapéus e sorrisos aos 94, apesar de até ter como primeiro ministro um súbdito como o ‘coronaboris’.

Os velhos não estão a mais, como já não estavam nas civilizações que nos antecederam, antes eram considerados como merecedores do respeito concedido a quem serve, como sempre serviu, de ligação com o passado, com a história e com a cultura.

Mas isto parece estar em desuso, por só se vestirem ‘à civil’, ou não encaixarem de modo nenhum, na tal sacralização!

Não se protegem os mais velhos isolando-os, mas mostrando-lhes como cada um pode gerir e controlar mais uma etapa, talvez a mais difícil da sua vida pois, disse alguém num dia qualquer, nem sei quando nem onde, ‘Velho é quem considera que sua tarefa está cumprida, o que se levanta sem metas e se deita sem esperança’.

Tenho a certeza de que todos sabem e conhecem muita gente a merecer isto e pode ser que algum dia volte a encontrar o tal fulano, mas vestido ‘de polícia’, para lhe dizer que não precisamos mesmo nada de ‘cívicos’ como ele, por até já termos ‘coronas’ a mais.

E todos devíamos só temer a ‘húbris’ que era, para os deuses gregos, ‘o pecado humano por excelência, a desmesura, a arrogância e a soberba’.

Mesmo e, principalmente, se ‘à civil’!

António M. Oliveira

Não respeito as normas que o Acordo Ortográfico me quer impor

 

 

2 Comments

  1. Estava ” à civil”, mas contam-se à centenas os que acham que sabem mais e melhor do que os outros, permitindo-se “ensinar” caminhose desprezando os caminhos já percorridos pelos mais velhos…
    Amigo, estou contigo! Que vá dar milho aos pardais!

  2. Colmeia versus peste cinzenta: Quando a globalização nos reduzir à dimensão de um número dentro de uma colmeia, os velhos serão comidos pelos novos, em proveito da sobrevivência do conjunto e cumprindo a lei básica da natura: Nada se perde , nada se cria, tudo se transforma.

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