


Em “Lembrança do Mundo Antigo”, já Drummond dizia: “havia manhãs/ havia jardins”. Hoje, “curva a cada curva/ nos espreita a morte/ turva turva turva/ sinaliza a peste/…/ a peste pede passagem/ a morte pede carona”, digo eu no poema que pode ser lido agora no meu blog. A ilustração, feita especialmente para o poema, é uma intervenção do artista plástico Pury em algumas das versões do quadro “O Filho do Homem”, feitas pelo próprio autor, o surrealista belga René Magritte.
“O Filho do Homem”, que eu já conhecia de reproduções, foi um dos trabalhos que mais me impressionou numa exposição sobre surrealismo que vi no Beaubourg, em Paris, há alguns anos. Pury não sabia disso, muito menos eu sabia que ele iria usar como tema para sua ilustração, feita a meu pedido, exatamente essa tela de que tanto gosto.
Sobre sua pintura, disse Magritte: “… a face aparente, a maçã, escondendo o visível, mas oculto, o real rosto da pessoa… Tudo o que vemos esconde outra coisa, e nós sempre queremos ver o que está escondido, pelo que vemos. Há um interesse no que está escondido e que o visível não nos mostra”.
Para Magritte suas pinturas não tinham qualquer significado, porque “o mistério não tem significado”. Mas em sua collage-intervenção Pury não desvirtua a obra de Magritte. Na verdade vai além, ao trazer à cena, de forma sub-reptícia, e num mesmo enquadramento: a mulher meio-morte, meio fantasmagórica, com um buquê semi-escondendo o rosto; a cara do homem obscurecida por um pássaro e principalmente a maçã que se transveste em máscara. Essa máscara hoje um “objet trouvé”, quase um “ready-made” à la Duchamp – e que se torna real nesses tempos de pandemia. Agrupados na ilustração de Pury, todos esses elementos – Magritte, pássaro, mulher, maçã – dialogam à perfeição com meu poema e com esses dias de peste e surrealismo que atravessamos.
Vivemos um tempo/que nunca vivemos. Dois versos em redondilha menor que não estão (mas poderiam perfeitamente estar) em meu poema – todo em pequenas redondilhas, prenunciando um mal maior. Vejam no link a seguir:
A Viagem dos argonautas sugere que clique em:
RONALDO WERNECK – HÁ CONTROVÉRSIAS – A PESTE PEDE PASSAGEM