CARTA DE BRAGA -“da liberdade e da vida” por António Oliveira

Um dos problemas que esta pandemia veio levantar, mesmo a nível global, foi o do conceito de liberdade.

Há muito tempo que se abandonou a ideia de reconhecer ‘o outro’, especialmente na sua dimensão ética, qualquer coisa como a existência de uma liberdade assumida nos dois sentidos, ‘só sou livre se tu fores livre também’, para reduzir a meia dúzia de palavras, a parte mais nobre das reflexões de Emmanuel Levinas, o filósofo lituano e judeu que marcou decisivamente o pensamento ocidental do século vinte.

Não posso, não quero, nem tenho competência para fazer destas Cartas um campo de discussão filosófica, mas tão só para pensar num modo de vida em que seja possível a legitimação da existência de ‘o outro’, evitando qualquer violência, como permitir o acesso aos mesmos privilégios e lugares, os que temos ou onde tomamos assento, baseado apenas na competência de cada um.

Não é por acaso que se entra neste problema porque, no mundo actual e nas sociedades teoricamente mais avançadas, estamos a assistir a uma sobre exploração da vida laboral e dos convívios familiar, social e cultural, com medidas avulsas dificilmente entendidas por mal explicadas e fundamentadas, aumentando gravosamente a desigualdade social, essa sim, já mil vezes documentada em tudo quanto é sítio.

E, curiosamente, é nas sociedades neoliberais que tal conceito de liberdade tem vindo a ser mais manipulado, arrastando para uma situação que dificulta qualquer forma de contestação, a ver até pela dificuldade em interiorizar o uso da máscara, não só como forma de protecção individual, mas também como forma de protecção para ‘o outro’.

E também são abundantes os ‘negacionistas’, dos que empunham bandeiras e cartazes, aos que se juntam à molhada em festas sem qualquer protecção para si e para os demais e aos media que fazem de tudo isto um espectáculo deprimente, onde existe e domina uma clamorosa falta de ética.

Não há muito tempo, Daniel Innerarity serviu-se da figura mitológica de Ulisses para mostrar o que é exercer a liberdade em momentos críticos, contando como ele pediu para ser atado ao mastro, para não ceder aos cantos das sereias.

Elas enfeitiçam os que passam, acomodadas num prado. Em torno, montes de cadáveres em decomposição, peles presas a ossos. Evita as rochas e tampa com cera os ouvidos dos teus companheiros, para não caírem na armadilha sonora’.

E num jornal europeu, li estas palavras de um médico, não identificado ‘O vírus ensinou-nos coisa que nunca teríamos querido aprender. Mostrou-nos dor, sofrimento e desumanização!’ a que nem faltam os montes de cadáveres.

Viriato Soromenho Marques explica tudo isto no DN de 17 de Outubro, ‘Os estados europeus estão a devolver à autodisciplina dos cidadãos a tarefa de evitar novo confinamento. Trata-se de conciliar a liberdade individual com a responsabilidade que, em tempos pandémicos, cada um tem pelo direito à vida de todos os outros’.

E para concluir, nada mais correcto que ‘Se as democracias europeias falharem na defesa da vida, todos conhecemos como abundam autoritarismos que a prometem salvar, em troca do sacrifício de todos os outros direitos que a tornam digna de ser vivida’.

E eles, os autoritarismos, já andam por aqui, legitimados, diz Alfredo Barroso, ‘pela tragédia de um homem ridículo’!

António M. Oliveira

Não respeito as normas que o Acordo Ortográfico me quer impor

 

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