Covid-19: o “consenso” dos negócios? – Nota introdutória. Por Francisco Tavares

 

Nota introdutória

Por Francisco Tavares

Em 8 de Abril de 2021

 

No mesmo momento em que o Júlio Marques Mota me enviou o texto de Victor Hill “Jornal dos Anos da Praga, XVII: A pandemia Brexit”, tive conhecimento, por um dos meus irmãos, do vídeo “Vencer a Covid-19, A Esperança e a Experiência de Médicos Portugueses”, um vídeo longo (1 hora e 37 minutos), uma sessão de esclarecimento em 10 de Fevereiro passado promovida pela Associação Nacional de Farmácias. Olhando-o a princípio com alguma desconfiança, quando comecei a vê-lo e ouvi-lo já não parei até terminar. Levou-me a refletir mais profundamente sobre o assunto e a procurar mais informação. Daqui nasceu esta pequena série de 4 textos que, necessariamente, não esgota o tema, tão só convida a refletir sobre ele. Desde já deixo constância que não sou anti-vacinas ou anti-ciência, bem mais o contrário. 

Num momento em que se mantém, mais de um ano passado o seu surgimento, a incógnita quanto ao final da pandemia do Covid-19, ou pelo menos o estabelecimento de um controle seguro sobre ela, continua a fluir em grandes quantidades informação, as mais desencontradas e sempre rodeadas de polémica.

Algumas coisas são certas: trata-se de uma pandemia sanitária a nível de todo o planeta, com elevadíssimo impacto negativo na vida das pessoas, em particular os mais desfavorecidos, e nas economias e bem-estar dos países. Atualmente encontramo-nos numa fase em que já estão em aplicação várias vacinas, embora existam dúvidas quanto a possíveis efeitos colaterais graves (tromboses com a Astrazeneca; hoje 8 de abril, as autoridades sanitárias espanholas concordaram suspender a vacinação com Astrazeneca em menores de 60 anos (posição que já havia sido assumida pelas autoridades holandesas e alemãs), quando há pouco tempo atrás estava proibida a sua aplicação a maiores de 55 anos), quanto à duração da imunidade ou se as variantes serão resistentes à imunização, a possibilidade de em determinadas condições um vacinado ser infetado (ver aqui, por exemplo).

Outras são mais incertas ou, pelo menos, objeto de interrogações. Em que momento se atingirá a imunidade dita de rebanho? Quantas vagas de contágio ocorrerão ainda até que se estabeleça o controle do vírus? Qual a situação dos países menos desenvolvidos por comparação com os mais desenvolvidos? Que recursos estão a ser investidos na prevenção a tratamento desta doença? Que investimento tem sido feito nos sistemas de cuidados primários, que são a linha da frente por excelência do combate à pandemia?

Os cinco textos que compõem esta mini-série – Covid-19: o “consenso” dos negócios? – são os seguintes:

– Jornal dos Anos da Praga, XVII: A pandemia Brexit. Por Victor Hill

– Geopolítica e ética das vacinas. Por Juan Antonio Sacaluga

– Ivermectina, ou de como as autoridades sanitárias negligenciam a prevenção do Covid-19. Por Francisco Tavares

– É tempo de falar sobre a Ivermectina. Por Nick Corbishley

– Covid, a hipótese da Ivermectina como uma terapia potencial. Por Peter D’Angelo

 

Os dois primeiros artigos, dos cinco que compõem esta mini-série – Covid-19: o “consenso” dos negócios” –, incidem sobre a troca de acusações entre a União Europeia e o Reino Unido (e os EUA) a propósito da dita escassez da vacina AstraZeneca (de origem britânica) ou da proibição da exportação das vacinas produzidas nos seus territórios, e bem assim dos seus efeitos secundários, e do atraso da vacinação e a deficiente gestão de todo o processo das vacinas nos países da UE. Aparece a habitual referência aos países que se encontram melhor e os que se encontram piores, ao estilo de ranking, um tipo de abordagem que a realidade já demonstrou, mais do que uma vez, ser altamente falível (o país A, que ontem era o que estava em pior situação, hoje é o que parece ter mais controlada a pandemia, e assim por diante). Mas como diz Juan Sacaluga no seu artigo, “enquanto os ricos brigam por recursos e se enredam nos ardis do processo, os pobres desesperam face à escassez endémica” o que se traduz em que há um mês atrás “nem uma única dose de vacina tinha sido administrada nos 130 países mais pobres, onde vivem 2,5 mil milhões de pessoas”.

Os três restantes artigos centram-se sobre a possível utilização da Ivermectina na prevenção e tratamento do Covid-19. A Ivermectina integra a lista dos 100 medicamentos considerados essenciais pela OMS. Este medicamento, aprovado desde 1987 (há mais de 30 anos) para uso humano como tratamento antiparasitário, é já considerado por muitos médicos como uma solução segura, eficaz e barata contra os efeitos do Covid-19 no organismo humano. No entanto, a polémica está instalada e no seu centro afloram, inevitavelmente, os interesses estabelecidos. No entanto, à data de hoje, as principais agências mundiais de saúde (FDA nos EUA, EMA na UE e OMS) continuam a não recomendar, embora com diferentes graus de acentuação, a utilização da ivermectina na prevenção e tratamento do Covid-19.

A fonte (ou ao menos uma delas) sobre os estudos que comprovam a eficácia e segurança do uso da ivermectina na prevenção e tratamento do Covid é o site ivmmeta.com que, na sua última atualização em 7 de Abril (aqui), afirma que 100% dos 50 estudos até à data relatam efeitos positivos (25 estatisticamente significativos, isoladamente), 100% dos 26 Ensaios Controlados Aleatórios (RCTs) relatam efeitos positivos, com uma melhoria estimada em 70%, a probabilidade de um tratamento ineficaz gerar resultados tão positivos como os dos 50 estudos até à data é estimada em 1 em 1 quadrilião.

Um dos sites que se dedica a verificar a veracidade de informação que circula pelas redes sociais, Lupa, tinha afirmado em 12 de Março, num momento em que a ivmmeta.com anunciava os resultados de 45 estudos, dos quais 24 ensaios controlados aleatórios, que era falso que as pesquisas comprovassem a eficácia da ivermectina para prevenir ou tratar o Covid-19. Invoca a posição da OMS baseada na análise de 22 estudos de ensaios aleatórios, afirmando que existem “incertezas sobre os benefícios e danos potenciais” do antiparasitário e que “mais pesquisas são necessárias”. Segundo o especialista ouvido por Lupa, “a metodologia usada para fazer a análise dos resultados não tem legitimidade” e contém falhas graves. A conclusão de mais do que um dos estudos é de que são necessários mais estudos.

Também o site AFP Fact Check se pronunciou, em 28 de Janeiro (ver aqui), sobre a veracidade da recomendação do uso da ivermectina no tratamento do Covid-19: “O National Institutes of Health dos Estados Unidos não recomendou o uso da ivermectina no tratamento dos doentes de Covid-19 (…) Embora o NIH tenha atualizado a sua posição sobre a ivermectina numa declaração emitida a 14 de Janeiro, acabou por determinar que havia “dados insuficientes para recomendar a favor ou contra o uso de ivermectina para o tratamento da COVID-19”, acrescentando que uma orientação adicional sobre a eficácia do medicamento exigirá “ensaios clínicos adequadamente estruturados e dimensionados, bem concebidos, e bem conduzidos. Até à data, disse o NIH na sua declaração, “a maioria dos estudos … tinham informações incompletas e limitações metodológicas significativas”, o que significa que os peritos não conseguiram tirar conclusões definitivas (…) A posição do FDA (agência do medicamento dos EUA) mantém-se inalterada (…) reitera que a ivermectina não foi aprovada para tratar ou prevenir infecções pelo novo coronavírus. “São necessários testes adicionais para determinar se a ivermectina pode ser apropriada para prevenir ou tratar o coronavírus ou a COVID-19”.

E nisto, estes dois sites de verificação da veracidade da informação que circula nas redes não se afastam da tese oficial, de que são necessários mais estudos. O que, na prática, significa seguir a política da União Europeia quanto à vacinação.

Depois disto, aqui fica uma outra pergunta: existe política da União Europeia quanto à vacinação? Existe política da União Europeia quanto à Saúde Pública? Se tivesse havido assistiríamos a este degradante espetáculo público que a mesma Comissão produz? Seguramente que não. O que se provou existir foi a submissão de todo um continente à soberania dos mercados e se dúvidas há, basta ver o documento que a União Europeia publicou de um contrato com uma das empresas produtoras de vacinas: Publicitou o quê? Vergonha, publicou páginas e páginas de linhas tracejadas a preto, ilegíveis. Esta á a transparência das autoridades europeias.

E já agora, onde está a transparência da Comissão Europeia quanto à vacina russa? Segundo informam os media, na reunião dos ministros da Saúde da UE destinada a harmonizar posições entre os Estados-membros, “a Alemanha ficou a saber que a Comissão Europeia não planeia entrar em conversações com a Rússia para elaborar um contrato preliminar para a vacina” e “o ministro alemão da Saúde, Jens Spha, anunciou aos seus homólogos europeus que o país vai avançar de forma bilateral para negociações preliminares com a Rússia” (ver aqui). Será possível maior opacidade? Será que a vacina Sputnik V fica validada depois da Imperial Alemanha a comprar? Mas se assim for, como é possível que uma ditadura tenha respondido às necessidades da população enquanto na democracia europeia se ficou pendurado na soberania dos mercados financeiros?

Tudo isto mostra a urgência de um debate aberto sobre o tema como assinala o Dr. António Ferreira, mas também se mostra que é necessário ir mais longe, questionar a União Europeia quanto à política sanitária. Critique-se Trump por ter desmantelado as poucas estruturas da política sanitária dos EUA criadas por Obama, mas critique-se igualmente a União Europeia porque como nada de novo criou, nada havia a desmantelar. Exceto as estruturas existentes.

Não sendo especialista neste assunto, é claro que estamos perante uma matéria que ainda não é consensual e gera polémica entre os especialistas e profissionais de saúde, mas que, in fine, questiona a política sanitária seguida desde há décadas, nomeadamente de degradação, ou mesmo destruição, das estruturas públicas de saúde, e em torno da qual também não se pode ignorar que se movem poderosos interesses da indústria farmacêutica. Mas, como diz o Dr. António Ferreira dirigindo-se às autoridades sanitárias portuguesas e seus responsáveis, deve ser promovido o debate sobre os dados existentes disponíveis e tomada a posição que as autoridades entendam dever tomar.

 

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Declaração de interesses: não tenho qualquer posição ou interesses em entidades, públicas ou privadas, com ligações à saúde.

 

 

 

 

 

 

 

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