CARTA DE BRAGA – “comunidade e sombra” por António Oliveira

A noção de comunidade, a partir da qual se parte para o conceito e certeza da sociedade, impõe também a ideia de responsabilidade conjunta e de um fazer a favor dos outros que, ao mesmo tempo, serve também de garantia de assistência e aceitação, a forma de ninguém se sentir estranho. 

Parece, assim descrito, extremamente fácil de assumir e pôr em prática, mas em abono da verdade, só poderá ser seguido pelas pessoas que tenham interiorizada a noção de liberdade como forma de estar, de a assegurar para quem vier depois, por a vida não ser só este momento, mas também deixar bases sólidas para o futuro. 

Émile Durkheim, explicava isto assim, ‘Se a ideia de sociedade desaparecesse da mente do indivíduo e as crenças, tradições e aspirações não fossem sentidas e compartilhadas pelos indivíduos, a sociedade deixaria de existir’.

São tempos, estes, onde não é desprezível chamar a atenção para ‘coisas’ tão simples e complicadas como estas, por também serem variados os problemas que todos teremos de enfrentar, a começar pelos ideológicos, se houver quem ainda os tenha e siga, aos da igualdade e violência de género (aqui haveria muito para desbastar!), ao da pobreza endémica em tantas regiões e tantos países, às alterações climáticas e às divergências, também violentas, de opiniões, crenças e religiões, que estão na origem de tantos e tão graves problemas. 

Uma situação assim explicada por Edgar Morin, ‘Esta crise mostra-nos bem que a mundialização é uma interdependência sem solidariedade. As movimentações da globalização, conduziram à unificação tecno-económica do planeta, mas nada fizeram para desenvolver a compreensão entre os povos’.

Ainda não há muito, só uns dias antes do final de Março, o teólogo, professor e filósofo Leonardo Boff, referindo a ‘Carta da Terra’, um dos mais importantes documentos de base, nascido da assinatura de milhares de pessoas por todo o mundo, assumido pela Unesco como contribuição para uma nova educação, salientava o seu primeiro parágrafo, ‘Estamos num momento crítico da história da Terra, um momento em que a humanidade tem de escolher o seu futuro – ou formamos uma aliança mundial para a cuidarmos, ou arriscamos a destruição de nós próprios e da diversidade da vida’.

E Leonardo Boff também lembrava um dos maiores historiadores do séc. XX, o inglês Eric Hobsbawn, ‘Se a humanidade quer ter um futuro que valha a pena, não poderá ser prolongando o passado ou o presente. Se assim tratarmos de construir o terceiro milénio, iremos fracassar e o preço do fracasso, ou seja, a alternativa a uma mudança na sociedade, será apenas a escuridão’.

Tudo parece começar na educação, com a tarefa ingente de construir, (muitas vezes reinventar!) a identidade de cada ser humano, para poder enfrentar os desafios que a Terra e a vida lhe vão propor em contínuo, fazendo apelo ao que de mais profundo tem dentro de si mesmo.

É por tudo isto que, lembrando as palavras de alguém que já nem sei quem será, ‘A maior ilusão que tenho é viver! Quando acordo cada manhã, penso e, às vezes até digo, vou fazer isto, vou fazer aquilo…. Pôr-me desafios, parece ser o segredo para estar saudável e vivo!

É essa a maneira mais simples de me encomendar a todas as ‘coisas’ que retirámos do uso exclusivo dos deuses, a luz do Sol, o amor, a amizade e um abraço (que tanta falta nos faz!), por assim lhes manter o carácter sagrado, que me impede de as vender ou trocar, não por pertencerem a qualquer religião, mas por fazerem parte integrante e fundamental da minha condição humana. 

Aqui, até nisto, terá de haver muito cuidado e dar atenção um provérbio velho de muitos séculos, ‘tudo tem duas caras, menos a sombra!

Que os deuses me (e nos) valham! 

António M. Oliveira

Não respeito as normas que o Acordo Ortográfico me quer impor

 

 
 

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