FRATERNIZAR – O debate está na ordem do dia – MAS HOUVE GUERRA COLONIAL? – por MÁRIO DE OLIVEIRA

 

Bem posso dizer que a Guerra Colonial marcou para sempre a minha vida de Presbítero da Igreja que está no Porto e no mundo. Foi o grande apocalipse ou a grande revelação que me fez ver, de uma vez por todas, que a igreja hierárquica não é a Igreja de Jesus histórico e que o Poder, todo o Poder, também o Poder político, é intrinsecamente mau. Por mais que se faça cobrir de sumptuosas roupas, habite em grandes palácios, pontifique em grandes catedrais e santuários de renome. É tudo encenação para esconder a perversão estrutural que todo o Poder é. Lobo disfarçado de cordeiro e mercenário disfarçado de pastor, no dizer de Jesus histórico, a Luz que está no sistema de Poder, sem nunca ser dele. E que este odeia, persegue, mata, porque continuamente mostra que são más todas as suas obras, inclusive o seu bem-fazer.

Está hoje na ordem do dia, ainda que timidamente, a questão se houve ou não houve Guerra Colonial. O próprio Presidente da República, que não é de sangue limpo nesta Guerra e hoje é o Comandante-chefe das Forças Armadas, tal como Américo Tomaz, ao tempo da Guerra Colonial, surpreendeu o País, ao dedicar o seu discurso na sessão solene comemorativa do 25 de Abril 74, a este crime histórico que, à mistura com a Pide/DGS, as cadeias para presos políticos e os tribunais plenários foi, sem dúvida, um dos mais escabrosos dos 48 anos de fascismo. A juntar aos quase oitocentos anos de monarquia, com o clero católico, no topo da pirâmide, a nobreza, no meio e o Povo ou plebe na base, a carregar com todos os de cima. Uma história de horrores que todos os historiadores sem excepção, integrantes do Poder, se encarregam de branquear.

O seu discurso foi aplaudido por quase todas as bancadas do Parlamento, sinal inequívoco que todos os deputados dos maiores partidos políticos, agentes de turno do Poder legislativo, são na essência, todos iguais. Mais à esquerda ou mais à direita, todos sem excepção são agentes do Poder, perversos quanto ele. O discurso foi apenas isso, discurso. Os povos das nações clamam por práticas sócio-políticas de justiça, de igualdade, de reciprocidade, de fraternidade e de liberdade, e os agentes de turno do Poder dão-lhes overdoses de discursos. E quando, lá do alto dos seus palácios e grandes santuários parecem ir além dos discursos, fazem ainda pior, porque não vão além da humilhante Caridadezinha ou bem-fazer. Um vómito. Corruptos, todos, ou não seja verdade que todo o Poder corrompe e o Poder absoluto corrompe absolutamente.

Vivi a Guerra Colonial por dentro, como capelão militar à força, na região de Mansoa, integrado no Batalhão de Caçadores 1912, na Guiné-Bissau. Metido nela, vi pela primeira vez com os meus olhos cordiais de Presbítero da Igreja de Jesus que está no Porto e no mundo, com tudo de clandestina e perseguida pela igreja hierárquica, o pecado estrutural organizado. Antes de embarcar no Cais de Alcântara, no Niassa a abarrotar, em finais de 1967, tive de frequentar, como Aspirante, um Curso intensivo de 5 semanas na Academia Militar de Lisboa, onde o bispo castrense era um dos professores. As suas lições pretendiam convencer os 50 padres que frequentávamos aquele curso que a Guerra Colonial era uma espécie de Cruzada ou Guerra Santa. Quem nela perdesse a vida era um santo para a igreja católica e um herói pera o Estado colonial. Nunca da sua boca ouvi dizer que a Guerra Colonial era o maior crime-e-pecado organizado que efectivamente era.

Quando chego a Mansoa e deparo com o Quartel todo cercado de arame farpado, com dezenas de crianças descalças e de latas na mão, a pedir restos de comida, confirmo de imediato que a Guerra era mesmo Colonial e, por isso, um crime organizado. Entretanto, o que o Comandante do Batalhão, militar de carreira, espera então de mim, como alferes capelão, é que contribua para transformá-la em Cruzada ou Guerra santa. Porém, a minha consciência de Presbítero da Igreja de Jesus, leva-me a perguntar, dois meses depois, na homilia de 1 de janeiro 1968, Dia Mundial da Paz, com o meu Comandante presente, se estávamos ali para ajudar o Povo colonizado a conseguir a sua autonomia e independência, ou, pelo contrário, para a impedir. Percebo na hora, pela reacção do meu Comandante, que o meu destino estava traçado. E não me engano. Ainda lhe digo, quando convocado por ele no dia seguinte ao seu gabinete, ‘Mudem a Constituição, que eu não posso mudar o Evangelho’. Mas de nada adiantou.

Poucas semanas depois, sou expulso de capelão militar. E quando regresso a Lisboa de avião, oiço da boca do próprio Bispo castrense, D. António dos Reis Rodrigues, que, em seu entender hierárquico, não passo de um ‘padre irrecuperável’. Sou, desde então, Presbítero da Igreja clandestina de Jesus para a Humanidade, presença maiêutica entre e com as populações, a dar corpo a uma Sociedade outra, de irmãs-irmãos religados uns aos outros e ao Cosmos, ainda que um não-existente para a hierarquia da igreja, toda ela em estado de pecado estrutural, por mais que se pense cheia de razão. Tudo nela é pecado, até o bem-fazer em que é tida como perita e por isso louvada por todo o Poder.

www.jornalfraternizar.pt

 

TÍTULOS DOS TEMAS DAS OUTRAS PASTAS

 

1 Poema de cada vez

EU TENHO UM FRAQUINHO POR TI

Fausto

Destaque

Francesco Antonio Grana

VATICANO INVESTIU POR MAIS DE 20 ANOS EM INDÚSTRIA QUE PRODUZIA A PÍLULA DO DIA SEGUINTE

Documentos + extensos

François Dubet

O FIM DA SOCIEDADE DE CLASSES?

Entrevistas

Com John S. Dryzek

O VOTO DA TERRA: RUMO A UMA DEMOCRACIA ECOLÓGICA

Outros TEXTOS de interesse

A vacina anti-Covid, um grande negócio para a Pfizer

UM BILHÃO DE DÓLARES POR MÊS!

TEXTOS de A. Pedro Ribeiro

A NOSSA CASA ESTÁ A ARDER!

 

TEXTOS Frei Betto, Teólogo

SANSÃO MERECE FIGURAR NA BÍBLIA?

 

TEXTOS de L. Boff, Teólogo

O DOLOROSO PARTO DA MÃE TERRA: UMA BIOCIVILIZAÇÃO

 

Leave a Reply