CARTA DE BRAGA – “adeus Amigo” por António Oliveira

Esta foi a última carta que escrevi ao Carlos Loures, quando ele me mandou alguns dos seus livros, coisa que fizemos desde que aqui entrei, no mundo da gente boa que faz este blogue.

Mandava-lhe também algumas crónicas de autores de que ambos gostávamos, até lhe tirarem o computador, por ter adoecido e a doença não seria fácil. 

Fica aqui, como uma homenagem e testemunho de amizade a um amigo que nunca conheci, a não ser pelo amor às letras que ambos compartíamos.

Tenho andado em volta do teu ‘Atlas’, já lá vão uns dias porque, como já deves ter percebido, encalho onde há poesia, recuso-me muitas vezes a sair do encalhanço e até o uso para me ajudar na escrita das minhas coisas! 

Não sou poeta, nunca o fui, apesar de também ter ‘feito uns versos’ como qualquer aprendiz de feiticeiro, por me reconhecer sem dimensão para tal. 

E a leitura da ‘Introdução à poemonáutica’ levou-me a estas considerações, só para ti, apesar de parecerem ordenadas para edição. É só um hábito!

Tenho algumas dezenas de dias (tormentos) no mar ou de mar!

Costumo dizer que ‘se os portugueses fossem ou tivessem sido todos como eu, ainda não teríamos descoberto a ilha de Faro’, como também costumava dizer da Barreta, onde aliás nunca me atrevi a ir.

Também não esqueço de já ter enjoado no meio de um campo de milho, quando o vento o começou a agitar e eu lá no meio, a apanhar caracóis.

Não me envergonho de tal fraqueza (a do mar, não a dos caracóis!), que até me impôs a saída acelerada (e antes do fim) do filme ‘Tempestade’, apesar de me poder curar a cisma (foi assim que a chamaram!) e afirmaram antes, para me convencerem a vê-lo.

Não faço desta fraqueza um drama de poder incluir na ‘História Trágico-Marítima’, antes me limito a encarar com profundo respeito todo aquele que faz do mar destino, tanto da vida como do espírito, admirando-lhe a coragem e o empenho.

Talvez por isso, agarrei no ‘O atlas iluminado’, também encorajado pela frase ‘o corpo textual presenta-se como uma sábia alegoria, como uma narração de carácter simbólico ou alusivo’, a querer dizer que remete ‘para um significado mais profundo que contempla a aventura humana’, como afirma e garante o prefácio de Manuel Simões.

Assim amparado, fincando bem as mãos na capa, como se fora a amurada, lancei-me à leitura da ‘Introdução à poemonáutica’, o primeiro capítulo do ‘Atlas’.

Percebi então, lendo e procurando assimilar o sentido de cada verso que, há muitos anos e antes das minhas cismas, deveria ter tido explicações e ter aprendido que das palavras se fazem barcos e poemas, dos significados se constroem fainas, e também obrigam a procurá-los para outras que nem sabia terem existência (gurupés, petintais)! 

E correndo a barca (ou o poema) encontro gente que já tinha encontrado noutros labores sem, na verdade, os ter conhecido como deveria!

E lá para o final, a suprema lição -rimas e versos- impedem ortodoxias, mas podem e devem salvar a poesia!

Não me afoguei, nem sequer enjoei, mas vou reler e rever, palavras e gentes, antes de ousar outra aventura e ‘sem aplaudir muito forte, que o edifício é velho’, palavras roubadas a John Osborne que também sabia muito delas!

Até sempre, Amigo Carlos Loures

António M. Oliveira

Não respeito as normas que o Acordo Ortográfico me quer impor

 
 

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