Sean Gervasi: The US Strategy to Dismantle the USSR, por Dennis Riches
Lit by Imagination, 15 de Novembro de 2017
Selecção e tradução de Júlio Marques Mota
Revisão de João Machado
(continuação)
Parte 2 A Crise na União Soviética
Agora, olhemos para a União Soviética, tendo sempre presente que é neste contexto de crise e de insolubilidade da crise, e que está enraizado nas origens históricas da Constituição, que nós nos interrogamos, que somos convidados – sem que ninguém diga que é esse o contexto – a refletir sobre a proposta de que não há alternativa ao tipo de capitalismo que temos, e que este capitalismo é a quintessência da democracia.
Agora vejamos essa proposta contra um segundo conjunto de dados, se quiserem, que é suposto provar o caso de que havia socialismo na União Soviética, que a União Soviética então, juntamente com os seus parceiros da Europa de Leste, caiu no caos devido essencialmente à impraticabilidade deste tipo de sistema. Vejamos isso.
Quando a administração Reagan entrou em funções, todos nós tomámos rapidamente consciência de que algo de novo estava a acontecer. Deveríamos ter sabido que algo de novo estava a acontecer porque, de facto, a chegada da administração Reagan ao poder tinha sido precedida por uma montagem muito cuidadosa que era, em parte, visível na política americana, e que era a emergência do desenvolvimento e da elaboração do poder de um grupo a que agora chamamos A NOVA DIREITA- pessoas que há 20 anos, há 28 anos atrás, em 1964, estavam com Goldwater quando este perdeu a Convenção Nacional Republicana. Rockefeller assumiu o comando do partido que tinha sido relegado ao que todos os grandes comentadores políticos da altura chamavam a franja lunática do Partido Republicano. Estas eram as pessoas que, particularmente na Califórnia, estavam a sair dos muros no final dos anos 70, criando fundações, comprando a lecionação de cadeiras de economia nas universidades. Veja-se: the Coors, the Mises, com todos os seus contactos. Estas eram as pessoas que estavam a construir um novo grupo, e o objetivo deste grupo era o de pôr fim ao tipo de consolidação democrática sistemática que eles pensavam que tinha acontecido nos anos sessenta e setenta.
Nos anos sessenta e setenta houve três movimentos: (1) o movimento pelos direitos dos trabalhadores, pela sindicalização, a defender a expansão da sindicalização, particularmente entre os trabalhadores das cidades e pelo aumento dos salários, assim como a enorme perturbação industrial que assistiu aos anos 60 e início dos anos 70 no sector industrial, (2) o movimento pelos direitos cívicos, que precedeu esse movimento, iniciado no final dos anos 50, e (3) o movimento contra a guerra no Vietname, sendo a guerra no Vietname uma das formas pelas quais esta sociedade conseguiu utilizar, de forma rentável, a sua enorme capacidade produtiva sem a dar ao cidadão comum, sem dar os seus frutos ao cidadão comum.
A Nova Direita estava determinada a fazer algo bastante novo. Uma das coisas novas que fez, e Reagan não foi realmente o seu porta-voz porque isso implicava um grau de atividade do qual penso que ele é incapaz. É sempre possível programar um porta-voz. Penso que ele não tinha a capacidade para o fazer.
Reagan lançou, como sabem, um confronto massivo, sério, intenso e duro com a União Soviética, ideologicamente. Ao mesmo tempo, tomámos consciência de que havia um impulso significativo para rearmar os Estados Unidos, para atirar enormes recursos – em última análise, foram mais de 1,7 milhões de milhões de dólares durante os anos 80 – para atirar enormes recursos para o sector militar, para atirar enormes recursos para deslocar a tecnologia do sector militar para a guerra no espaço, SDI [Space Defense Initiative], etc. Todas estas coisas estavam na ordem do dia, mas muitos de nós, na altura, ficámos perplexos com isto. Lembro-me de me perguntar: “O que é que se passa com esta gente? Será que estas pessoas querem realmente uma guerra mundial? Será que não veem que este pode ser o resultado?”
E lembro-me dessas discussões, e lembro-me de quando muitos de vós e eu, a 12 de Junho de 1982, estivemos na manifestação de 750.000 a 1 milhão de pessoas no centro de Nova Iorque, o que foi uma expressão do alarme que as pessoas sentiram perante esta enorme política agressiva que estava a sair da administração Reagan, que ameaçava destruir as relações entre os EUA e a URSS.
Mas, de facto, retrospetivamente, podemos ver que havia algo mais por detrás disto, que não era apenas uma loucura irracional. Havia um pouco disso, mas havia uma racionalidade no que estava a ser feito, e de facto, para compreender isso, é importante ver que está ligado a todas as grandes linhas de política inovadora que a administração Reagan desenvolveu. Foi extremamente bem pensado, extremamente astuto. E [envolveu] a acumulação militar e a retórica agressiva em relação à União Soviética, o esforço deliberado de criar dificuldades nas relações entre a União Soviética e as potências europeias. Lembrem-se que em 1982 os Estados Unidos tentaram forçar as potências europeias a não aceitar o gás natural da União Soviética, a negar carregamentos de tecnologia para a União Soviética, o que tornaria possível à União Soviética explorar esse gás natural, ganhar divisas, etc. Tudo isto fazia parte de uma estratégia muito complexa, mas era uma estratégia muito clara.
Deixem-me dizer, no entanto, que muitos de nós, pelo menos nós, na altura, não compreendemos isso. Não compreendíamos bem o que se estava a passar, mas tínhamos no fundo a nossa mente a tremeluzir que algo estava errado. Havia pessoas que diziam ou insinuavam claramente o que se estava a passar, e pessoas sagazes, pessoas inteligentes que começavam a perceber o que se estava a passar.
Deixem-me citar uma ou duas. Escrevendo em 1982, Joe Fromm, que era então o editor do US News and World Report dos Estados Unidos, disse: “Havia algo por trás,” cito, “da mudança para uma linha mais dura na política externa”. Os EUA, de facto, pareciam estar “a travar uma guerra económica limitada contra a Rússia para forçar os soviéticos a reformar o seu sistema político”. Isso sugere… que é um jornalista simpático, um jornalista razoavelmente liberal no US News and World Report, mas Joe citou então um funcionário do Departamento de Estado que disse (na verdade, um funcionário do Conselho de Segurança Nacional), “A União Soviética está com profundos, profundos problemas económicos e financeiros. Ao apertarmos onde pudermos e até onde pudermos, o nosso objetivo é induzir os soviéticos a reformar o seu sistema. Penso que veremos resultados ao longo dos próximos anos”. Isso foi em 1982.
Robert Scheer escreveu um livro em 1982 chamado With Enough Shovels: Reagan and Bush and Nuclear War. Acho que tenho o título quase certo. Este é um livro muito interessante em que Scheer viu que havia algo por detrás desta política externa enormemente agressiva, política externa e militar, que a administração Reagan estava a pôr em prática. E ele viu que os Estados Unidos não estavam simplesmente a brincar à galinha nuclear com a União Soviética, como ele disse, mas que se tinham lançado numa política destinada a criar uma tal pressão sobre a União Soviética de modo a forçar mudanças dentro da União Soviética.
Agora, claro, sempre foi o caso de a Guerra Fria consistir em movimentos concebidos para afetar o comportamento dos outros. A Guerra Fria, do ponto de vista do Ocidente, teve sempre como objetivo modificar, como os transportadores de carrinhos de biscoitos do Departamento de Estado gostavam de dizer na sua prosa delicada, o comportamento do nosso antagonista. Mas isto, penso que todos verão, foi bem para além disso porque, de facto, a administração Reagan embarcou numa política de muitas dimensões que incluía pressões em todo o mundo sobre países com laços estreitos com a União Soviética. Foram iniciadas insurreições em Moçambique, Angola, Camboja contra o Vietname, Nicarágua, e, em grande parte, no Afeganistão.
Não quero entrar em demasiadas discussões complicadas sobre o Afeganistão, mas penso que quem refletir sobre a resposta dos Estados Unidos à entrada soviética no Afeganistão em 1979 tem de perceber que os Estados Unidos não queriam que a União Soviética saísse do Afeganistão e, de facto, o objetivo destas insurreições em todo o mundo, que, como sabem, tinham despendido milhares de milhões de dólares, era o de prender a União Soviética, e de lhe infligir pesados custos económicos. O objetivo da remilitarização no Ocidente era forçar a União Soviética, correndo o risco de se expor à pressão da escalada, de respeitar os nossos compromissos em matéria de recursos, de se defender, ou de se colocar em posição de resistir à nossa pressão.
O objetivo da escalada da tecnologia da guerra nuclear, mais uma vez, era impor custos à União Soviética. [Este era] o objetivo de todas as medidas de princípio, tais como a retenção de tecnologia avançada para a União Soviética, os programas de assistência externa destinados não a assistir os países com base nas suas necessidades, mas sim a assistir os países com base na contribuição que estes dariam para exercer pressão sobre a União Soviética. Tudo isto fazia parte de uma estratégia sistemática concebida para criar caos na União Soviética.
Agora avancemos um pouco mais sobre qual foi o objetivo disso, mas primeiro deixem-me salientar que se trata de uma estratégia sistemática constituída por uma série de peças, e que representava de facto enormes custos económicos e outros custos para a União Soviética.
Mas quem sou eu, [Gervasi, o orador] para dizer que assim é, para além de citar Joseph Fromm? Bem, deixem-me contar-vos um pouco sobre uma experiência interessante que tive. Almocei um dia com uma pessoa amiga que estava de passagem pelos Estados Unidos, que tinha estado presa na África do Sul durante oito anos, e que tinha acabado de sair da prisão. Ele tinha estado envolvido no planeamento de uma das principais operações de sabotagem contra as instalações nucleares da África do Sul, e estava muito feliz por estar fora da prisão. Sentámo-nos ao almoço e ele disse-me – falámos sobre muitas coisas, sobretudo respeitantes a África, em que ele e eu tínhamos trabalhado juntos – e disse-me: “O que se passa na União Soviética?” Eu disse-lhe: “Bem, sabes, não consigo mesmo perceber isto. Não consigo perceber o que se está a passar”. Ele disse: “Parece-me que a União Soviética está a ser desestabilizada”. “Meu Deus”, digo a mim próprio calmamente. O pensamento nunca me tinha passado pela cabeça, mas quando o meu amigo, Christie, disse isto, pensei que devia investigar isto, e fi-lo.
A primeira coisa que encontrei foi… Passei algum tempo num computador e surgiram algumas coisas, e disse para mim mesmo que isso me parecia muito interessante. Em muito pouco tempo tinha descoberto resmas de material a ser gerado no final dos anos 70 e no início dos anos 80 por organizações como a RAND Corporation. Sabem o que é a RAND Corporation? . É uma agência de contratos da Força Aérea/CIA no Sul da Califórnia, muito grande, muito poderosa, muito influente na chamada comunidade intelectual ligada à defesa, no complexo industrial militar, e em Washington. As pessoas vão e vêm da CIA, vão e veem de DIA para o Departamento de Estado e daqui para a RAND Corporation. E o que andavam a fazer os rapazes da RAND Corporation? Bem, estavam a produzir estudos muito interessantes com títulos tais como Economic Factors Affecting Soviet Foreign and Defense Policy: A Summary Outline, The Costs of the Soviet Empire, Sitting on Bayonets: the Soviet Defense Burden and Moscow’s Economic Dilemma: The Burden of Soviet Defense, Exploiting Fault Lines in the Soviet Empire: Economic Relations with the USSR.
De qualquer modo, comecei a ler o material. Antes de mais, comecei a colecioná-lo e comecei a ler este material, e descobri algo muito interessante: que estes companheiros no final dos anos 70 e início dos anos 80 estavam claramente a elaborar um plano de que começámos a ver partes nas políticas externa e militar emergentes, política externa e militar e económica sob a administração Reagan. E o raciocínio básico deste plano – vou dar-lho – é o seguinte: a União Soviética encontrava-se numa dupla crise. Eles sabiam o que se passava na União Soviética. O crescimento económico na União Soviética tinha começado a abrandar. Tinha sido muito rápido, a propósito, no período entre 1950 e o início da década de 1970. Entre 1960 e 1984, o rendimento per capita e a produção per capita na União Soviética triplicou, pelo que não foi lento. Foi uma taxa de crescimento de 4 ou 5%, muito rápida considerando que estamos a crescer a cerca de 1,5, o que, a propósito, equivale à taxa média de crescimento durante a década dos anos 30 nos Estados Unidos.
Agora, o que eu descobri foi que eles também compreenderam que havia uma crise de liderança na União Soviética. A velha linha dos principais líderes soviéticos nascidos nas fases iniciais do redesenvolvimento soviético após a Revolução, formada na Segunda Guerra Mundial – essa liderança estava a morrer, como todos sabíamos. E de facto Mikhail Gorbachev, escolhido por Andrei Gromyko, foi o primeiro representante de uma nova geração de líderes soviéticos, mas no final dos anos 70 e início dos anos 80, as pessoas da anterior geração estavam a morrer. Com efeito, as principais figuras, Andropov, Chernenko e Brezhnev, estavam a morrer, e havia uma grande confusão sobre a sucessão. Assim, por um lado, o país encontrava-se numa espécie de crise. A CIA chama-lhe uma dupla crise, uma crise de liderança, não sabendo para que pessoas de uma nova geração deveria passar a liderança do Partido Comunista Soviético e da União Soviética, e , por outro lado, o país estava no início de vacilação em termos do crescimento económico, o que era grave porque uma vez que a União Soviética tinha sempre, como qualquer país, de escolher entre investir, competir na corrida aos armamentos, ou elevar o nível de vida da sua população. O facto de o crescimento económico ter diminuído tornou isso mais difícil.
Agora o passo seguinte no raciocínio da RAND Corporation, dos senhores e senhoras da Corporação RAND, era que os Estados Unidos e os seus aliados poderiam tomar várias ações que obrigariam a União Soviética a aumentar as suas despesas de defesa e a sua assistência militar aos aliados e amigos. Poderiam tomar medidas para negar créditos à União Soviética, o que fizeram, e determinar medidas para lhe negar a tecnologia. Poderiam também tomar medidas que reduziriam o volume global de recursos disponíveis da União Soviética e travariam o crescimento da produtividade, o que exacerbaria o problema, ou forçá-la a transferir recursos dos consumidores para o investimento. E [eles sabiam] que todos estes efeitos (para os citar) “agravariam as dificuldades enfrentadas pela liderança soviética numa economia estagnada. Assim, uma combinação destas medidas para impor custos à União Soviética poderia conduzir a uma diminuição do investimento e/ou do nível de vida, e tais medidas poderiam consequentemente gerar pressões no seio da União Soviética para se retirar da cena mundial, e para uma reforma política”.
Assim, o objetivo desta operação, que tentarei definir mais claramente dentro de momentos, era impor, de diversas maneiras, custos enormes à União Soviética, ou reduzir os recursos à sua disposição, de modo a exacerbar as suas dificuldades económicas. Deixem-me citar Abraham Becker, um dos mais astutos analistas de Rand:
Assim, a administração Reagan aproveitou os problemas económicos soviéticos como uma oportunidade para complicar ainda mais o seu dilema na alocação de recursos, na esperança de que pressões adicionais resultassem numa redistribuição de recursos em prejuízo da defesa, ou empurrassem a economia na direção da reforma económica e política.
O objetivo desta nova estratégia multi-dimensional agressiva era forçar a reforma na União Soviética. O que essa reforma deveria ser fica para um um capítulo posterior. Agora, uma coisa é dizer que estes planos existem, e eu vou falar de outros planos. Por exemplo, consegui reunir uma coleção de documentos do National Endowment for Democracy, que, como sabem, é suposto ser uma instituição quase governamental. Não é uma instituição quase governamental. É financiada pelo Congresso. É uma instituição governamental financiada pelo Congresso, que vê como sendo o objetivo da sua atividade “promover a democracia fora dos Estados Unidos” no resto do mundo, onde por “democracia” se entende essencialmente – e quando se pensa nisto, isto é claro agora na União Soviética- “capitalismo” e “democracia liberal”, se quiser [utilize este último termo].
Agora, é claro que uma coisa é falar sobre todo este planeamento, tentar por conta própria raciocinar sobre como é que todas estas coisas se encaixam, mas de facto começámos a obter indicações e documentação oficial, já na Primavera de 1982, de que o governo tinha assinado esta estratégia, que este não era o pensamento selvagem de algumas pessoas ansiosas em alguns grupos de reflexão, que era política e política de que o público americano conhecia muito pouco e de que não compreendia os objetivos e as consequências, mas seria, no entanto, obrigado a pagar vários milhões de milhões de dólares, o que de facto ajudou a criar a situação em que nos encontramos atualmente na nossa casa, amarrados pela Convenção de Filadélfia.
Na Primavera de 1982 falei com dois dos participantes nesta pequena reunião: Um alto funcionário do Conselho de Segurança Nacional responsável pelos assuntos soviéticos chamou vários correspondentes influentes de Washington e pediu-lhes que viessem ao Conselho de Segurança Nacional para uma reunião de informação. Dois deles disseram-me que tinham deixado este briefing extremamente abalados. Não quiseram dizer muito sobre o assunto, mas deram-me a entender que achavam que se tratava de uma estratégia extremamente agressiva, perigosa e altamente arriscada, que a administração estava a descrever e a afirmar que estava prestes a nela embarcar.
Helen Thomas, da UPI, foi uma das pessoas que esteve nessa reunião, e descreveu os resultados do briefing – este briefing sobre a União Soviética – da seguinte forma:
Um alto funcionário da Casa Branca disse que Reagan aprovou um documento de oito páginas da Segurança Nacional que propõe uma campanha que promove a reforma interna na União Soviética e a contração do império soviético. Afirmou que se poderia chamar a isto um tribunal plenário de imprensa contra a União Soviética [vi]
Um pouco mais tarde, apenas alguns dias depois, de facto, mais provas, desta vez citando documentação oficial, e não uma citação de uma conversa no Conselho de Segurança Nacional: Richard Halloran, o correspondente de defesa do The New York Times publicou um artigo nesse jornal a 30 de Maio de 1982, apenas alguns dias depois de Helen Thomas ter enviado o seu despacho UPI. Halloran citou os guias para a Defesa para os anos fiscais de 1984-1988, dos quais o The Times declarou que tinha uma cópia [vii] O guia de orientação do Secretário recomendou o que Halloran chamou “uma grande escalada na corrida às armas nucleares”. Além disso, indicava que estavam a ser tomadas várias outras medidas “para impor custos à União Soviética”. Note-se que a linguagem é a linguagem dos planificadores RAND. Algumas das mesmas pessoas escreveram, provavelmente, o documento. Cito a citação direta de Halloran do guia de Orientação Nacional do Secretário da Defesa: “Como complemento da estratégia militar em tempo de paz, o guia de Orientação afirma que os Estados Unidos e os seus aliados devem, com efeito, declarar guerra económica e tecnológica à União Soviética”.
Portanto, penso que é seguro dizer, e algumas pessoas provaram-no um pouco mais tarde, que esta política foi estabelecida. Deixem-me dar um pequeno salto vos dar uma das provas mais recentes disso mesmo. David Ignatius, que é correspondente no The Washington Post, publicou um artigo muito notável sobre “golpes sem espiões” não há muito tempo, em Outubro, se não me engano. Talvez tenha sido em Setembro. Ignatius é um correspondente com laços muito estreitos com o meio da inteligência, para ser muito polido sobre o assunto. Cito do seu artigo: “Preparar o terreno…” Isto é logo a seguir ao evento duplo de Ieltsin de Agosto de 1991, no qual Gorbachev foi aparentemente ameaçado por um golpe e no qual o Sr. Ieltsin não pareceu querer tomar o poder, mas tomou. Ele descreveu o evento desta forma:
A preparar o terreno para o triunfo do mês passado esteve uma rede de agentes abertamente operacionais que, durante os últimos dez anos, têm mudado silenciosamente as regras da política internacional. Têm feito em público o que a CIA fazia em privado, fornecendo dinheiro e apoio moral a grupos pró-democracia, treinando combatentes da resistência, trabalhando para subverter o domínio comunista [viii].
Poderia ele ter escrito isso no The Washington Post em 1982? É difícil, teria eu pensado. Poderia não ter passado na revista “The Washington Post”. Algumas pessoas poderiam ter reparado, mas em 1991, evidentemente, ficava muito bem dizer que era isto o que estávamos a fazer [ix].
Se olharmos com muito cuidado, podemos encontrar muitos sinais de funcionários afirmando que os Estados Unidos tinham embarcado numa estratégia que, retrospetivamente, é muito claro, não era nada mais e nada menos que uma estratégia para desestabilizar a União Soviética. A imaginação magnífica e expansiva de Casey tinha levado operações encobertas para além dos estreitos confins dos países do Terceiro Mundo e tinha-os dirigido à União Soviética e à Europa Oriental. Se voltar atrás e olhar para a história destes acontecimentos nesta perspetiva, lendo alguns dos documentos, verá as coisas de forma muito diferente.
Judd Clark [nome indistinto, ortografia incerta], por exemplo, falando num seminário privado na Universidade de Georgetown, novamente por volta de 1982, disse: “Temos de forçar o nosso principal adversário, a União Soviética, a suportar o peso das suas deficiências económicas”. Bem, essa é uma linguagem ligeiramente velada que significa o mesmo tipo de coisas que todos os outros diziam. No entanto, só em 1985 é que apareceu no palco a inquietante e única Jeane Kirkpatrick com o texto completo da peça em mãos, e ela fez um discurso, não surpreendentemente em frente à Fundação Heritage, mas numa sala de conferências no Capitólio, na qual disse, “A doutrina Reagan, tal como a entendo, é sobre as nossas relações com a União Soviética”, e ela descreveu então todos os principais elementos da estratégia a que Helen Thomas em 1982 chamou, repetindo a declaração do porta-voz do Conselho nacional de Segurança, “um tribunal plenário de imprensa contra a União Soviética.”
Se ler o discurso dela à Heritage Foundation, que todos deveriam ler porque estamos em 1985, ela dizia que os Estados Unidos estão inclinados para uma estratégia destinada a derrubar a União Soviética através de pressões internas e externas. Ela descreveu principalmente a pressão externa.
Quero dizer alguma coisa sobre o debate sobre a pressão interna. Mais uma vez, em 1982, houve um pequeno debate desagradável entre alguns membros do Congresso e o então Secretário de Estado Geral Alexander Haig. Haig estava muito ansioso que o nosso país embarcasse no programa que Ronald Reagan iria descrever perante o Parlamento britânico em Junho de 1982, na altura em que a maioria de nós iria estar nas ruas de Nova Iorque para protestar contra algumas das coisas que ele andava a fazer. E Haig disse no debate sobre a criação do National Endowment for Democracy, que o Congresso tinha insistido para que não se traduzisse em esforços de ingerência nos assuntos internos da União Soviética, Haig disse: “Tal como a União Soviética dá apoio ativo às forças marxistas-leninistas do Ocidente e do Sul [Global]…”. [comentário irónico:] (porque é proprietária da Newsweek, por exemplo, e manipula a Columbia Broadcasting Company… tão enorme poder que a União Soviética tem no Ocidente) “… devemos dar um apoio vigoroso às forças democráticas onde quer que se encontrem, incluindo os países que são agora comunistas. Não devemos hesitar em promover os nossos próprios valores, sabendo que a liberdade e a dignidade do homem são os ideais que motivam a busca da justiça social. Uma imprensa livre, sindicatos livres, partidos políticos livres, liberdade de viajar, e liberdade de criar são os ingredientes da revolução democrática do futuro, não o status quo de um passado falhado”.
O fundador da Agência Central de Inteligência disse que a propaganda é a primeira flecha da batalha. Uma declaração de Alexander Haig em 1982 ao Congresso assinala o que os Estados Unidos tentariam fazer com o National Endowment for Democracy, que tentariam criar e participar na criação de [uma falsa narrativa de] um passado falhado na União Soviética. E, de facto, como sabem, tudo isso foi em frente.
Agora, vejamos isso nem que seja por um segundo. Eu sei que é muito difícil acreditar nisto. Peço-vos que olhem para o segundo dos artigos que li, ou que procurem o que eu próprio escrevi. Pode ler e pesquisar alguma da documentação facilmente disponível. Verá que a declaração de missão do National Endowment for Democracy, que funciona como uma espécie de consórcio exercendo numerosas pressões governamentais dos EUA dentro da União Soviética.
A desestabilização requer uma pressão externa e uma manipulação da situação interna para mover a evolução política na direção que se desejar. É isso que implica visar um país para a desestabilizar. Privamos Cuba de açúcar, de medicamentos, etc. e isso cria pressão interna, e utilizando a pressão interna, inserimo-nos, criamos grupos, ideias difusas que são inconsistentes com as prevalecentes e adequadas ao poder, e começamos a trabalhar sobre esse descontentamento. Se o descontentamento se aprofunda e se espalha, as probabilidades tornam-se cada vez melhores, e porque a União Soviética já se encontrava numa espécie de crise, que, como disse Abraham Becker, “os Estados Unidos procuraram então sistematicamente intensificá-la e exacerbá-la.” A National Endowment for Democracy e literalmente dezenas e dezenas de fundações pseudo-privadas, de que falarei num segundo, entraram na União Soviética sob o novo guarda-chuva da glasnost, criaram imprensas académicas, criaram jornais, criaram estações de rádio, e começaram a mobilizar-se e a trabalhar sobre a dissidência e descontentamento naturais que existiam na União Soviética, não só devido ao passado histórico mas também devido às dificuldades do presente tal como exacerbadas pelos Estados Unidos e os seus parceiros ocidentais.
Se olharmos para quanto dinheiro… dou-vos apenas uma ideia de alguns dos projetos que estiveram envolvidos, e esta é apenas uma agência. É preciso reconhecer que se isto estava a acontecer no National Endowment for Democracy significa também que existiam muitos, muitos outros canais de financiamento e influência na União Soviética que estavam a trabalhar nisto.
Por exemplo, em 1984, o NED deu 50.000 dólares a uma exposição de livros na União Soviética: A América através dos Olhos da América. Na feira do livro em 1985 (quero dizer que estou apenas a selecionar [alguns]): deu 70.000 dólares através do Instituto Sindical Livre, que faz parte do National Endowment, à Soviet Labor Review para investigação em publicações sobre os direitos sindicais e dos trabalhadores soviéticos.
Em 1986, deu $84.000 para a Freedom House expandir as operações de duas revistas em língua russa publicadas nos EUA e distribuídas nos níveis mais elevados da burocracia e inteligentsia soviética, já uma descrição espantosa. Imagine a União Soviética a publicar duas revistas em língua inglesa na União Soviética durante a década de 1980 e a tê-las distribuídas e avidamente lidas nos mais altos níveis da burocracia e da intelligentsia dos Estados Unidos. Penso que isso não teria ficado muito bem nos Estados Unidos.
Em 1987, a Freedom House, para a Imprensa Athenaeum, apressou-se a dar 55.000 dólares para uma editora de língua russa em Paris a publicar investigação não oficial conduzida na URSS por académicos estabelecidos que escreviam sob pseudónimos. O que significa isso agora? Se se chegar a 1989, já estamos a falar na categoria dos 200.000 dólares.
Por exemplo, o Centro para a Democracia, que está ligado ao National Endowment for Democracy, começou a criar um centro de assistência a grupos independentes e nacionalistas, incluindo o movimento Tártaro da Crimeia para os direitos humanos e nacionais. Por outras palavras, começaram a financiar o separatismo étnico e nacionalista, começaram a financiar sindicatos separados, começaram a financiar os seus próprios académicos, etc., exceto que isto está aberto, mas a uma muito, muito vasta escala.
Fiz um pequeno cálculo e posso dizer-vos que foram gastos montantes muito elevados, provavelmente da ordem de, no mínimo, por todos os aliados ocidentais, dentro da União Soviética, no período entre meados e finais dos anos 80, cem milhões de dólares por ano – cem milhões de dólares por ano para financiar organizações que poderiam começar como a WESPAC[x] mas que depois cresceriam, desenvolver-se-iam, teriam alcance, que se tornariam extraordinários com esse tipo de financiamento, e que finalmente mudariam as coisas.
Se olharmos para a perestroika na União Soviética, [sabemos quando começou] o Sr. Gorbachev se tornou o líder soviético. Este é o pano de fundo para as duas fases em que temos de compreender a perestroika. Na primeira fase ficou claro que a liderança soviética estava desesperada por encontrar uma forma de renovar o socialismo, que o Sr. Gorbachev estava inclinado para a reforma da noção de socialismo, e que tinha um apoio generalizado dentro da União Soviética.
Houve verdadeiras melhorias económicas que tiveram lugar entre 1986 e, digamos, o final de 1988, na União Soviética, como resultado desses esforços, mas a principal questão que temos de colocar a nós próprios, uma vez que hoje nos confrontamos com uma União Soviética fragmentada, ou, se quiserem, desmantelada, tem a ver a supremacia do nacionalismo, dos conflitos étnicos e de Boris Ieltsin – que representa um círculo eleitoral de extrema direita no presente momento – e com a supremacia do capitalismo.
E uma sociedade capitalista está agora a ser criada na União Soviética, terminando a experiência do Sr. Gorbachev… a questão crucial a colocar-nos é muito simples: como é que, entre 1985 e 1990, um movimento que começou como uma tentativa de transformar e renovar o socialismo na União Soviética foi suplantado por um movimento de direita que visava a criação de uma sociedade capitalista na União Soviética? Esta é a questão-chave. Essa é a questão chave porque foi isso que aconteceu, e isso é estranho.
É por isso que muitos de nós ficámos intrigados com as provas contraditórias provenientes da era Khrushchev [sic? Brezhnev?] Era muito difícil de compreender. No início, parecia muito positivo, e depois a partir do final de 1988, a queda de 1988, tornou-se cada vez mais claro que as coisas iam por água abaixo, que Gorbachev ou não era capaz de controlar as forças que tinha libertado ou que estava de facto inclinado a criar, ou como ouvi na rádio francesa em 1988 pela primeira vez afirmar muito claramente – o que prendeu a minha atenção: que o seu objetivo, disse o locutor [nome indistinto], era criar uma economia de mercado regulada. Esse era o objetivo da perestroika, não quando começou, mas de alguma forma algo tinha acontecido.
De facto, existe agora muita informação e muito interessante sobre todo o processo. Havia claramente um grande conjunto de estratos insatisfeitos na intelligentsia soviética. O que aconteceu na União Soviética é mais complexo do que o colapso através das suas próprias contradições internas do sistema de socialismo na União Soviética. Não quero realmente falar muito sobre se a União Soviética era uma sociedade socialista. Há pessoas que dizem que foi e pessoas que dizem que não foi. É uma longa discussão entre Trotsky e Estaline, etc., mas pela minha parte eu diria o seguinte: que a União Soviética começou como uma tentativa genuína de estabelecer o socialismo. Houve sempre na União Soviética pessoas que procuravam genuinamente fazer avançar o socialismo, e pessoas que não estavam interessadas. Em suma, o que temos de nos perguntar é se a existência da União Soviética, como uma sociedade socialista aparentemente vivida como tal, foi uma coisa positiva na equação mundial neste momento particular da história. Eu, em resumo, tendo passado anos nas Nações Unidas, vendo que sob os ataques dos países ocidentais, que em muitos casos foram muito feios, a maioria dos países do Terceiro Mundo que emergiram nos finais dos anos 50 e 60 e início dos anos 70 mal foram realmente salvos pelas poucas fontes de apoio que obtiveram no mundo socialista. E quando a União Soviética se afundou, eles também se afundaram; [por exemplo] Angola, Moçambique, Nicarágua.
Assim, em muitos aspetos, teria pensado que a União Soviética, por todos os seus defeitos, foi um desenvolvimento positivo na história, com todos os horrores que aí se verificaram. Os Estados Unidos tiveram os seus horrores. A questão é esta: a União Soviética entrou em colapso porque o socialismo é impraticável e o planeamento central não funciona? Não, não funcionou. Houve uma crise na União Soviética. Eu diria que na ausência do tipo de pressão [que foi aplicada], é muito difícil pesar o equilíbrio. Quão importantes foram as forças internas? Quão importantes foram as dificuldades sentidas internamente, e quão importantes foram a pressão externa e a força interveniente externa? Quão importante era esse equilíbrio é muito difícil de se saber. Temos de ler de forma muita inteligente para compreender isso, para começar a compreender as coisas, mas esse é o nosso dever como pessoas que estão a viver a história, ou que procuram compreender a história. Temos de tentar fazer isso, e a minha conclusão básica ainda neste momento é a seguinte: a União Soviética de hoje, na ausência desta estratégia extraordinariamente astuciosa, bem pensada e extremamente dispendiosa, implementada pela administração Reagan, seria uma sociedade a lutar através de grandes dificuldades. Continuaria a ser uma sociedade socialista, pelo menos do tipo que era. Estaria longe de ser perfeita, mas ainda lá estaria, e penso, portanto, que a intervenção ocidental fez uma diferença crucial nesta situação. Esta é a ideia que tenho do processo. .
(continua)
[vi] Helen Thomas, “Reagan approves tough strategy with Soviets,” United Press International (UPI), May 21, 1982, https://www.upi.com/Archives/1982/05/21/Reagan-approves-tough-strategy-with-Soviets/7761390801600/.
[vii] Richard Halloran, “Pentagon Draws up First Strategy for Fighting a Long Nuclear War,” The New York Times, 5 maio de 1982, disponível em:
A referência parece ser a este artigo. As datas 1984-1988 podem parecer um erro porque o relatório referido foi escrito em 1982. No entanto, as Directrizes de Defesa concentraram-se em planos para o futuro, anos fiscais de 1984-1988.
[viii] David Ignatius, “Innocence Abroad: The New World of Spyless Coups,” The Washington Post, 22 de setembro de 1991. Tetxo disponível em: https://www.washingtonpost.com/archive/opinions/1991/09/22/innocence-abroad-the-new-world-of-spyless-coups/92bb989a-de6e-4bb8-99b9-462c76b59a16/?utm_term=.e9976e81e6d1.
[ix] Como sabemos, a partir da perspetiva de 2017, a normalização de tais intervenções continuou sem vergonha, passando de um mau hábito para um vício desregrado. O establishment político na América recorre agora à guerra económica, à violência e à intervenção militar como soluções para todos os problemas nas relações internacionais.
[x] WESPAC was the host organization for this lecture, January 26, 1992,
Cliquem nos links abaixo para lerem este texto no original e saberem mais sobre o autor e a sua história:
WESPAC was the host organization for this lecture, January 26, 1992
(171) Sean Gervasi: How US Caused Breakup of USSR – YouTube
http://www.keywiki.org/Sean_Gervasi
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