Seleção e tradução de Francisco Tavares
10 m de leitura
Agradecimento ao António Gomes Marques pelo envio do presente texto.
A operação da Rússia na Ucrânia não tem prazo para terminar
Publicado por em 13 de Abril de 2022 (original aqui)
Está iminente a queda da siderúrgica Azovstal, em Mariupol, onde estão retidos milhares de soldados ucranianos e oficiais da NATO
Nas suas primeiras observações extensas em quase um mês acerca do conflito na Ucrânia, o presidente russo Vladimir Putin disse quinta-feira que as conversações de paz haviam chegado a um “beco sem saída” e prometeu que a operação militar da Rússia “continuará até à sua plena conclusão”.
Putin definiu um objectivo mais limitado para a guerra, centrando-se no controle do Donbass – e não de toda a Ucrânia. Putin reiterou que as acções da Rússia até agora em várias regiões da Ucrânia destinaram-se apenas a manietar as forças inimigas e efectuar ataques com mísseis com o objectivo de destruir a infraestrutura militar ucraniana, de modo a “criar condições para operações mais activas no território do Donbass”.
Nas suas palavras, “O nosso objetivo é proporcionar ajuda ao povo do Donbass, que sente laços inquebrantáveis com a Rússia e foi sujeito a genocídio durante oito anos”.
Ao ser perguntado porque a operação não podia ser acelerada, Putin respondeu: “Frequentemente deparo-me com estas pergunta, ‘não podemos acelerar?’ Sim, podemos. Mas isto depende da intensidade das hostilidades e, seja como for que se considere, a intensidade das hostilidades está diretamente relacionada com as baixas”.
Ele deixou claro que “nossa tarefa é alcançar os objetivos estabelecidos e ao mesmo tempo minimizar estas perdas. Atuaremos com ritmo, calmamente e de acordo com o plano que foi proposto inicialmente pelo Estado Maior”. E acrescentou: “A operação está a decorrer de acordo com o plano”.
Claramente, a cidade portuária de Mariupol no sul do Donbass poderia ter sido conquistada com força bruta. Mas isso teria provocado baixas horríveis. Em vez disso, as forças inimigas – militares ucranianos, batalhão neo-nazi Azov e mercenários estrangeiros – foram gradualmente cercados e encurralados em duas localizações principais, nomeadamente a siderúrgica Azovstal e o porto principal da cidade.
As forças russas ganharam o controle do porto, enquanto na Azovstal, cerca de 3000 forças inimigas foram cercadas, as quais incluem possivelmente dúzias ou centenas de oficiais militares dos países da NATO – e, surpreendentemente, da Suécia. Os especialistas prevêem que a queda da cidade em mãos russas está iminente. O Ministério da Defesa russo anunciou na quarta-feira que mais de 1000 soldados ucranianos, incluindo 161 oficiais, renderam-se naquele dia em Mariupol.
Em retrospetiva, o objetivo principal por trás dos frenéticos esforços diplomáticos de alguns países da NATO (França e Alemanha, em particular) para patrocinarem “corredores humanitários” para fora de Mariupol tinham uma agenda perversa de extrair oficiais ocidentais ali encurralados. O cerne da questão é que forças da NATO estão de facto instaladas na Ucrânia, enquanto voluntários estrangeiros ou como instrutores militares, e, dotados de equipamento militar pesado, estão a combater o Exército Russo.
Um jornalista francês que conseguiu infiltrar-se junto a “voluntários” franceses publicou um vídeo a mostrar pessoal militar americano a coordenar os militares estrangeiros na Ucrânia e a lidar diretamente com o treino e alistamento dos “voluntários” estrangeiros nas forças ucranianas.
Em tais condições, de modo óbvio, as conversações de paz entre Moscovo e Kiev não podem progredir. A grande questão é: Será que a administração Biden quer que o conflito termine e que um acordo de paz seja negociado? A resposta parece ser “não”. De facto, os EUA estão a alimentar este conflito.
O Senado estado-unidense aprovou um projecto de lei sobre locação, o qual simplifica grandemente os abastecimentos à Ucrânia. O Wall Street Journal informou que os EUA providenciarão equipamento pesado para a Ucrânia, incluindo sistemas de defesa aérea soviéticos. Dizem que a administração Biden prepara-se para anunciar mais de US$700 milhões em assistência adicional à Ucrânia, a qual provavelmente incluirá sistemas pesados de artilharia terrestre, helicópteros e veículos blindados [1]. Os EUA já providenciaram mais do que US$2,4 mil milhões de assistência militar para a Ucrânia durante a presidência Biden, incluindo US$1,7 mil milhões desde que a Rússia começou a sua operação especial no fim de Fevereiro.
Curiosamente, Putin confirmou os relatórios de que a inteligência britânica havia encenado os chamados assassinatos de Bucha para pôr os militares russos no pelourinho e criar um tumulto internacional. O Pentágono distanciou-se ostensivamente da controvérsia daquilo que se verificou serem notícias falsas. Disse Putin:
“Há muita comoção, mas eles (UE e EUA) só precisavam de adoptar um novo pacote de sanções, como sabemos muito bem. Hoje, discutimos a sua operação especial, a operação psicológica executada pelos britânicos”.
“Se quiser saber os endereços, os lugares secretos de reunião, os números das matrículas e as marcas dos veículos que utilizaram em Bucha, e como o fizeram, a FSB da Rússia pode proporcionar esta informação. Se não, podemos ajudar. Nós e os nossos amigos revelamos essa posição feia e nojenta do ocidente, totalmente e do princípio ao fim”.
As forças russas e ucranianas têm estado a reagrupar e fortalecer as suas posições no leste da Ucrânia durante a última quinzena em preparação de uma batalha decisiva no Donbass. As forças russas estão a preparar-se para cercar uma enorme concentração de tropas ucranianas, estimada em 100 mil militares provenientes das melhores unidades das forças armadas. Kiev também está a transferir todas as forças disponíveis para a frente leste a fim de travar a ofensiva russa.
As observações de ontem de Putin sugerem que a Rússia não está à procura de uma vitória rápida a qualquer custo. Putin disse terça-feira que Moscovo “não tinha outra escolha” e que a operação se destina a proteger o povo em partes do leste da Ucrânia e “assegurar a própria segurança da Rússia”. Ele prometeu “continuar até à sua conclusão completa e o cumprimento das tarefas que foram estabelecidas”.
Certamente, o combate no leste da Ucrânia intensificar-se-á durante as próximas duas a três semanas, mas o resultado final levará tempo. As forças ucranianas e os combatentes estrangeiros que afluíram para a região leste estão bem equipados e não só podem apresentar resistência firme como podem mesmo levar o combate para dentro do território russo.
Este cenário sombrio é carregado com o perigo real de que a NATO possa estar a envolver-se cada vez mais numa guerra com a Rússia na Ucrânia. De acordo com informações dos media ocidentais, unidades de forças especiais britânicas e estado-unidenses estão instaladas na Ucrânia, incluindo soldados do Special Air Service (SAS) britânico e soldados da Primeira Unidade Operacional de Forças Especiais “Delta” do exército dos Estados-Unidos.
Tem havido informações de que as operações em Mariupol estavam sob o comando de um general americano que tentou escapar no helicóptero enviado para resgatá-lo uma semana atrás, mas que foi interceptado pela milícia de Donetsk envolvida na operação juntamente com as forças russas e foi tomado sob a sua custódia. É inteiramente concebível que a missão a Moscovo do chanceler austríaco Karl Nehammer na segunda-feira e a sua conversação “muito directa, aberta e dura” com Putin numa reunião cara a cara na residência do último em Novo-Ogaryovo, perto de Moscovo, fosse em coordenação com Washington. Não houve comunicado daquela reunião de 75 minutos por parte do Kremlin.
Nota
[1] N.E. Conforme noticiado pela Lusa ontem 15 de Abril (ver aqui), o jornal norte-americano Washington Post informou que a Rússia enviou esta semana uma carta diplomática aos EUA a alertar que, se Washington não parar de fornecer armas à Ucrânia, haverá “consequências imprevisíveis”.
O autor: M.K. Bhadrakumar, antigo embaixador da Índia, analista político. Durante 3 décadas a sua carreira diplomática foi dedicada a missões nos territórios da antiga União Soviética, Paquistão, Irão e Turquia. Escreve principalmente sobre a política externa indiana e os assuntos do Médio Oriente, Eurásia, Ásia Central, Ásia do Sul e Ásia-Pacífico. O blog Indian Punchline, segundo o autor, reflecte as marcas de um humanista contra o pano de fundo do “século asiático”, sublinhando isto porque vivemos em tempos difíceis, especialmente na Índia, com uma polarização tão aguda nos discursos – “Ou estás connosco ou contra nós”.