CARTA DE BRAGA – “uma questão de distância” por António Oliveira

Aqui há uns tempos, apanhei um conto de Francesco Piccolo, um premiado escritor italiano onde se narrava, de acordo com a tradução do dr. Google, a estória de um homem e um pequeno embrulho, envolvido em papel colorido com fita e laço rosados, oferta da esposa para celebrar o Natal. Depois de o ter aberto com algum custo, agradeceu e afirmou que gostava muito, mas não deixou de olhar para ele, sem saber para que serviria aquilo.

Era uma coisa bem pequena, elegante e estranha, mas muito bonita; voltou a dizer-lhe do agrado quando ela lhe perguntou, e à noite, já na cama, garantiu que gostava muito, apesar de não ter a mais pequena ideia do que fazer com ela; sabia apenas que era um objecto singular e lindíssimo.

Só o comprei por me parecer único e belo, mas também não faço a mais pequena ideia para que serve, confessou ela também. No dia seguinte, descobriram o site da empresa, e mandaram um mail perguntando para que servia uma coisa que tinham comprado por a terem achado muito bonita, indicando a referência, mas salientando não saber o que fazer com ela. A resposta chegou num instante ‘Se gostam dela, usem-na para o que vos agradar!

Mal acomparado’, como ainda se diz em muito lugar deste país, faz-me lembrar a estória daquele moçoilo a quem ofereceram um livro de um tipo chamado Fernando Pessoa, com uma capa onde estava escrito ‘Mensagem’. Olhou-o bem, revirou-o, abriu umas páginas e, ‘Nem sequer tem fotografias!; fechou-o, atirou-o para cima da mesa da cozinha e ‘Que vou eu fazer com isto? Prás mensagens tenho o meu telélé!

Não há a mais pequena dúvida de que a evolução humana, a do espírito, da sensibilidade e da compreensão está muito longe da separação entre contrários, aquela a que estamos sujeitos cada dia que passa. Neste mundo apressado, feito de muitas e variadas pressas, há apenas uma pequeníssima distância entre o ‘tudo’ e o ‘nada’, da mesma maneira que acontece entre o ‘longe’ e o ‘perto’ e, mais grave ainda, entre um ‘sim’ e um ‘não’, de tal modo que apenas um picuinhas merdoso a consegue distinguir.

Já não há ‘verdades’, do mesmo modo que também não há ‘certezas’, como até nem se pode acreditar em fotos, nem em vídeos, por poderem ter sido fabricados ou manipulados pelos donos e usuários das ‘pós-verdades’, os que fazem e refazem a ‘porcaria’ deste mundo, para a transformarem numa ‘maravilha’ para os seus interesses, cuja distância nem sabemos avaliar.

Reparem nos jogos de equilíbrio que todos os dias vemos, lemos ou ouvimos entre os ‘pró-oriente’ e os ‘pró-ocidente’, agora a tentar cada um puxar a brasa à sua ‘sardinha’, que na maior parte das vezes não passa de uma badalhoca ‘tainha’, das que infestam as águas da foz dos rios, para tentar arranjar uma justificação para a destruição e política de terra queimada, como já foi feito na Bósnia, no Iraque, no Iémen, no Afeganistão e demais altares à imolação do ser humano.

Mas, talvez à noite, antes de irem para a cama, consigam arranjar o site da entidade que gere este planeta, para poderem também conseguir uma explicação decente para todas estas diferenças, até sem vir embrulhada em papel colorido, fita e laçarote rosados.

O estóico e antigo escravo que foi Epicteto, tem uma sentença lapidar e que aqui se pode aplicar muito bem, ‘Lembrai-vos que em toda festa tendes dois convivas a entreter  o corpo e a alma; o que dais ao corpo, na realidade o perdeis. Mas o que dais à alma, permanece para sempre’.

E qual a distância entre os dois?

António M. Oliveira

Não respeito as normas que o Acordo Ortográfico me quer impor

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