“CADERNOS 20/21: MANUAL ANTI-ANGÚSTIA” DE ALDINA DUARTE por Clara Castilho

 

Este é um livro que fui lendo aos poucos, de acordo com as partilhas da autora no Facebook, seguindo os seus sentimentos ao longo da pandemia Covid. Não sendo uma seguidora dos seus trabalhos em termos musicais, foi fácil acompanhá-la e muitas vezes sentir o mesmo.

O livro é um ”objeto” delicioso, onde as ilustrações nos ajudam na  viagem que nos propõe.

“Como já achava as redes sociais são úteis quando estamos distantes, sozinhos, e para divulgações diversas. Curiosamente, há muito que não falava tanto “cara a cara” com os meus amigos. Todos sentimos necessidade de ouvir a voz uns dos outros. Lembremo-nos de que podemos usar as câmaras, fazer sentir que estamos aqui uns pelos outros. Mais do que no individuo acredito na Humanidade”.

“Actualmente, é rara a pessoa que não tenha um espelho em casa. Pequeno sue seja, há-os de todos os tamanhos e feitios, mas houve tempos em que era um bem raro e, como tal, precioso. Até há cinquenta anos, os pobres não tinham espelhos em casa, nem motivos pra os ter. Só me lembro de haver um fragmento espelhado, na varanda aberta de um vizinho, colocado num pequeno rectângulo  de madeira presos por um cordel no arame da roupa. Servia para o vizinho fazer a barba e estava ao lado da gaiola do periquito, que também tinha um pedaço onde se mirava: dizia o Sr. Chico que o pássaro, assim, não se sentia sozinho. Mas um momento que não esqueço é aquele em que percebi e senti que o maior espelho de mim mesma era os outros: o meu amado, os meus amigos, os meus companheiros na vida, os meus familiares, ou seja, o Outro.”

Em Março de 2020, quando pela primeira vez o coronavírus nos isolou em casa, Aldina Duarte recorreu à escrita para disciplinar o pensamento e suavizar a clausura. Impossibilitada de partilhar o seu canto, durante quarenta dias partilhou no Facebook o registo intimista da aprendizagem do confinamento, um repositório de memórias, pensamentos e inquietações, mas também — ou sobretudo — de esperança. Como a dada altura escreveu: «O otimismo não é a negação da realidade, mas a coragem de acreditar num futuro melhor, enfrentando o pior cara a cara.»

Passado o pior, o livro que o leitor agora tem nas mãos não é uma mera coletânea desses textos para memória futura. É uma celebração do regresso aos encontros que animam as cumplicidades de sempre. Aqui, as palavras de Aldina Duarte encontram-se com as ilustrações de Ana Biscaia, amiga de longa data, a única capaz de traduzir em imagens este diário em que tanto cabem as coisas que doem, como as que salvam, irmanadas na delicadeza da poesia, na solidez dos afetos e na obstinada recusa da angústia.

Aldina Duarte nasceu em 1967. É reconhecida como uma das grandes vozes atuais do Fado, pela personalidade artística inconfundível e singular capacidade interpretativa. Tem cantado nas principais salas de espetáculo portuguesas e em grandes festivais no país e no estrangeiro. Foi fadista residente, durante 25 anos, numa das mais relevantes casas de fado de Lisboa, o Senhor Vinho, com direção artística de Maria da Fé.

A paixão pela literatura leva-a a uma escolha cuidadosa dos poemas que interpreta, sendo ela própria autora de muitas das suas letras, além de escrever para fadistas da nova geração, como Ana Moura, António Zambujo, Camané, Carminho, Gisela João, Mariza ou Pedro Moutinho.

A discografia de Aldina Duarte inclui os álbuns Apenas o Amor (2004), Crua (2006), Mulheres ao Espelho (2008), Contos de Fados (2011), Romance(s) (2015), Quando Se Ama Loucamente (2017), Roubados (2019) e o mais recente Tudo Recomeça (2022), surpreendente reinvenção de alguns dos fados tradicionais mais marcantes na história dos seus concertos.

Ana Biscaia nasceu em 1978. É designer gráfica e ilustradora. Estudou ilustração (Master of Fine Arts) em Estocolmo, na Konstfack University College of Arts, Crafts and Design.

O seu primeiro livro ilustrado, Negrume (publicado pela &etc., com texto de Amadeu Baptista), data de 2006. Ilustrou Poesia de Luís de Camões para Todos (seleção e organização de José António Gomes), antologia que mereceu, em 2009, uma distinção do júri do Prémio Nacional de Ilustração. Recebeu o Prémio Nacional de Ilustração, em 2012, pelo livro A Cadeira Que Queria Ser Sofá, de Clovis Levi. O seu trabalho para O Carnaval dos Animais, de Rui Caeiro, foi também selecionado pelo júri do prémio TITAN Illustration in Design. Com João Pedro Mésseder, publicou, em 2014, o livro Que Luz Estarias a Ler?, em 2015, Poemas do Conta-Gotas, e em 2017 Clube Mediterrâneo — Doze Fotogramas e Uma Devoração.

Fundou a Xerefé, pequena editora de livros ilustrados.

Esta é uma edição Avesso.

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