A Guerra na Ucrânia — “Valas comuns” ? Não. Fake news que nem 24h duraram.  Por Alexandre Guerreiro

Seleção de Francisco Tavares

5 m de leitura

“Valas comuns” ? Não. Fake news que nem 24h duraram

 

 Por Alexandre Guerreiro

Este texto foi obtido a partir da sua publicação em  (aqui)

Original publicado in Facebook, 17 de Setembro de 2022 (ver aqui)

 

Quando há notícia de “valas comuns” na Ucrânia, uns apontam imediatamente culpados e até descrevem como aconteceu a desgraça.

Ou seja, justiça que nem é sumária, é instantânea; não se guia por valores honestos, é ideologicamente motivada; nem chega a ser kafkiana, é apenas uma vontade apressada de expressar o ódio.

No que me diz respeito, mantenho a coerência desde o início da intervenção militar da Rússia: a primeira coisa a fazer é destacar uma equipa de investigação internacional e neutra, eventualmente, composta por elementos da ONU e do CI da Cruz Vermelha.

Com uma missão desta natureza estaremos aptos para encontrar as respostas às perguntas:

– O quê?

– Quem?

– Quando?

– Como?

– Onde?

– Porquê?

Só assim estaremos capacitados para compreender o que aconteceu e responsabilizar devidamente os autores. Do que me recordo, isto ainda é justiça. Estes são os tais valores que, não sei porquê,  deixaram de ser os da União Europeia.

Isto para dizer que há uma diferença significativa entre uma “vala comum” – buraco ou cova onde se colocam vários cadáveres – e um conjunto de “sepulturas” ou “campas” – vulgarmente chamado “cemitério” e local onde se enterram cadáveres, preferencialmente, cada um individualmente e devidamente identificado.

As valas comuns podem configurar crimes de guerra e crimes contra a humanidade, dependendo do contexto em que são criadas.

Mas as valas comuns podem não configurar crimes seja de que espécie for se não houver capacidade para enterrar condignamente os cadáveres ou, por algum evento extraordinário, não for possível, por razões de saúde pública, dar-lhes o tratamento digno devido.

Reparem que, não há muito tempo, durante a pior fase da pandemia COVID-19, a Índia realizou cremações em massa e criou até valas comuns para poder dar vazão a tantos mortos em tão curto espaço de tempo (cfr. shorturl.at/ALO01).

Crimes contra a humanidade? Não creio. Por razões de saúde pública, em tempos extraordinários, não havia outra hipótese razoável.

Na noite de 15 de Setembro de 2022, a Reuters e a comunicação social portuguesa apressaram-se a dar a notícia de “vala comum com mais de 440 cadáveres foi encontrado em Izyum, Ucrânia” (cfr. https://archive.ph/1Nzq1). Colocou um hífen seguido de “polícia”, deixando a dúvida sobre a autoria dessa constatação, mas manteve o título que sugeria uma certeza.

Minutos depois, a Reuters divulgou o mesmo título mas acrescentou “segundo a polícia” (cfr. Reuters aqui).

A Reuters publicou ainda notícias em que dizia que foram encontrados corpos com cordas à volta do pescoço, sugerindo, por isso, que se tratavam de casos de homicídio doloso e intencional.

O que aconteceu depois foi curioso: a Reuters viu-se na obrigação de retirar notícias e corrigi-las por, segundo a própria, os seus jornalistas não terem visto os cadáveres com cordas ao pescoço (cfr. shorturl.at/fmoPZ).

Já ao longo do dia de ontem, aquela primeira notícia ganhou outra forma. Passou a ter, então, como título “Ucrânia diz que foram encontradas centenas de cadáveres em valas comuns” (cfr. shorturl.at/fIJLR).

A Reuters demarcou-se completamente de um título que, por cá, continua a ser apresentado da mesma forma (cfr. shorturl.at/hJWZ5).

Aliás, a RTP e a Antena 1 mantêm a notícia de que foram encontrados corpos com mãos atadas e cordas ao pescoço (cfr. shorturl.at/lmuZ6). O Jornal de Notícias também faz o mesmo (cfr. shorturl.at/mBCGU).

E a notícia na versão portuguesa é dada de tal forma que até já ganhou o nome de “Massacre de Izyum”.

O problema é que as imagens revelam que “a vala comum” do “massacre de Izyum” é, na verdade, um cemitério improvisado onde são enterrados cadáveres, regra geral, cada um numa campa individual e, quando se sabe a identificação do “de cujus”, é colocada a identificação (nome, datas de nascimento e morte) e ali fica o cadáver até que alguém reclame o corpo.

Aqueles que não conseguem ser identificados são enterrados individualmente e é colocada uma cruz com um número (registo do cadáver com os traços físicos e biológicos) e alguns elementos de identificação possível (membro das Forças Armadas ucranianas, civil, etc) para posterior identificação e entrega do corpo caso alguém o reivindique.

O mais sensacional nisto tudo é que este método já tinha sido amplamente difundido por alguns jornalistas que se permitem fazer jornalismo e mostrar o que se passa no terreno.

O jornalista Bruno Carvalho, por exemplo, fez uma reportagem para a CNN Portugal, em Abril, na qual relatou “in loco” e ao detalhe uma prática semelhante em Mariupol (cfr. shorturl.at/aEMNT).

Aliás, esta vala comum de Mariupol é mais um caso caricato. Começou por ser uma “vala comum com mais de 9.000 corpos” (cfr. shorturl.at/ETY14). Depois, passou para 1.000 com vista de satélite. E, finalmente, acabou por ser um cemitério improvisado.

Insisto que deva ser conduzida uma investigação internacional imparcial a um caso que está a ser usado para fins ideológicos. Mas que o caso de Izyum parece estar longe de ser o resultado de um “massacre” e a referida “vala comum” parece ser mais um cemitério improvisado do que um local onde foram descarregados inúmeros corpos.

Aliás, como eu exploro no vídeo do directo que realizei na noite de ontem, importa começar por responder à seguinte questão:

– quão burros são os russos ao ponto de massacrarem centenas e depois decidirem enterrá-los individualmente com a respectiva identificação?

O normal num massacre não seria tratar os mortos com dignidade, seria, isso sim, incinerar e destruir todos os vestígios de crimes cometidos e enterrá-los de modo a que ninguém soubesse que existiam sequer.

P.S.: Além da análise intensiva a Izyum, analiso ainda as supostas “salas de tortura” de Kharkiv e os resultados das últimas eleições na Suécia.

Ver vídeo aqui

 


O autor: Alexandre Guerreiro é Especialista em Direito e Segurança internacional. Ex-Oficial de Informações do SIED, é membro do Instituto de Ciências Jurídico-Políticas/Centro de Investigação de Direito Público. Licenciado em Direito e doutorado em Direito Internacional pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.

 

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