100 anos depois os italianos são mais rápidos a esquecer do que a aprender: o fascismo voltou ao poder! — Texto 2. Com o que nos devemos preocupar e com o que não vale a pena preocupar-se. Por Wolfgang Münchau

Nota prévia:

100 anos depois da Marcha sobre Roma e da tomada de poder por Benito Mussolini, os fascistas italianos poderão conquistar hoje o poder. Democraticamente!

A pergunta ingénua que pode ser feita é se isso se deverá aos méritos da clique política fascista a ascender ao poder ou à irresponsabilidade da classe política situada do centro-esquerda à esquerda. Digo pergunta ingénua porque é, por definição, impossível encontrar méritos nas políticas defendidas por esta classe de gente política e resposta à pergunta é então: não é por mérito das políticas defendidas por essa gente, é por demérito de toda a restante classe política, em particular da esquerda oficial italiana.

Proponho-vos hoje quatro textos muito pequenos:

– um texto de Michael Roberts, um especialista da City, sobre a guinada à direita da Itália

– um texto de Munchau, ex-diretor do Financial Times para a Alemanha, em que nos diz não acreditar nos fascistas, mas que muito menos acredita na clique política de Bruxelas que gere os destinos da Europa.

– dois textos editados por Micromega, um sobre a desilusão das gentes de esquerda, e um outro um pouco difícil que nos diz que os alemães estão prontos para repor a velha ordem europeia dos Tratados Europeus, a que levou à crise de 2010 e ao esmagamento da Grécia, de Portugal e da Espanha.

Júlio Marques Mota

Em 25 de Setembro de 2022

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Seleção e tradução de Júlio Marques Mota

5 m de leitura

Texto 2. Com o que nos devemos preocupar e com o que não vale a pena preocupar-se

 Por Wolfgang Münchau

Publicado por , em 18 de setembro de 2022 (original aqui)

 

Giorgia Meloni

 

Os mercados financeiros têm razão em preocupar-se com Giorgia Meloni como a próxima primeira-ministra italiana, mas pelas razões erradas. Não é no que ela e o seu governo irão fazer com que se devem concentrar, mas sim no que Bruxelas e talvez Frankfurt poderão fazer depois de ela se tornar líder.

O nosso discurso sobre a Itália é enormemente influenciado pelo Partito Democractico italiano (PDI), o partido do centro-esquerda, e por diversos professores de economia que se dedicam à política. São os italianos que continuamos a encontrar em lugares como Davos, o Fórum Ambrosetti no Lago Como, ou em Bruxelas. Nenhum partido moldou tanto a visão da Europa sobre a Itália nas últimas duas décadas como o PDI. Romano Prodi (PDI) que foi presidente da Comissão Europeia e foi primeiro-ministro italiano. Paolo Gentiloni, outro ex-primeiro-ministro do PDI, é o atual comissário da economia. Irene Tinagli, do mesmo partido, é a presidente da comissão do Parlamento Europeu para os assuntos económicos e monetários. O PDI está em todo o lado. O grande perigo nos próximos cinco anos é que uma UE, guiada por uma narrativa centrada no PDI vá encurralar Meloni. O meu conselho seria não tentar isto, quanto mais não seja porque não tem o controlo do que pode acontecer a seguir.

Vejo potenciais paralelos com o tratamento desastroso do Brexit por parte da UE desde 2016 até 2019, quando Theresa May era a primeira-ministra do Reino Unido. Os líderes da UE apoiaram-se nos pró-europeus, as pessoas que melhor conheciam, pela sua inteligência – Peter Mandelson e Tony Blair, entre outros. Acabaram por conspirar com os apoiantes da Não Saída, os Remainers, durante as eleições para o Parlamento Europeu de 2019, e mais tarde com a segunda campanha para o referendo, ao concordarem com prorrogações de prazos. Foi este monumental juízo errado que levou Boris Johnson ao poder, e que nos deu esta versão desnecessariamente dura do Brexit.

Tal como os Bourbons, a UE nunca aprende e nunca esquece. Mas sabe como apontar o dedo. Provavelmente a pior maneira de lidar com Meloni seria tomar partido na política interna italiana. Tal como com o Brexit, há um enorme perigo de que a UE possa acabar do lado dos perdedores porque eles estão a falar com as pessoas erradas e a ler os jornais errados, como foi o caso do Brexit. O que estas pessoas e estes jornais tinham em comum é que não tinham o dedo sobre o pulso do estado de espírito da nação na altura.

Olhando para isto a partir de Bruxelas, o PDI é a grande figura da política italiana, e a única que realmente conhecem e respeitam. O PDI é hoje em dia um Partido muito diminuído. Se Meloni ganhar, e o PDI entrar em colapso – um resultado potencial de acordo com as sondagens – a visão de Bruxelas será quase de certeza que isto constitui um acidente eleitoral, que eles esperam que seja certamente invertido no momento eleitoral seguinte.

Não estamos a começar a prever o resultado das eleições parlamentares italianas de 2027, mas simplesmente a sugerir que provavelmente não devemos começar por subestimar Meloni. Ela é menos impulsiva do que Matteo Salvini. Ela excluiu uma saída do euro e as moedas paralelas. Ela não parece estar interessada nas minúcias da política orçamental  e deixará o ministério das finanças a um adulto. Não espero ver quaisquer surpresas orçamentais  desagradáveis. Mas prevejo que ela renegocie os termos do fundo de recuperação.

É aqui que vejo um potencial de conflito. As reformas económicas são sempre políticas. O PDI desempenhou um papel muito importante na constituição do fundo. Eles estiveram em ambos os lados das negociações. Em 2020, Roberto Gualtieri era ministro das finanças de Itália, enquanto Gentiloni era, e continua a ser, comissário da economia. As reformas estruturais estão sempre entrelaçadas com as agendas políticas. É a política que as faz acontecer, ou que as detém.

Outro perigo seria um procedimento de Estado de direito, do tipo que a UE ameaça agora contra a Hungria, e que poderia levar a um corte nas dotações orçamentais da UE na Hungria. O que parece ser a aplicação da lei não é nada do género. Tal como com a forma estrutural, também isto é profundamente político. Nunca fariam isto à Alemanha ou à França. Pergunte-se: porque é que a França nunca recebeu uma sanção por repetidas violações do pacto de estabilidade? As sanções são sempre políticas.

Basta olhar para a composição política do Conselho Europeu. Os Fratelli de Meloni são membros dos Conservadores e Reformistas Europeus (CRE). Este grupo tem apenas dois outros membros: os primeiros-ministros da Polónia e da República Checa. Os Socialistas e Democratas têm sete. O mesmo acontece com Renew Europe, os antigos liberais. O Partido Popular Europeu de centro-direita tem seis membros. O presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, é do Renew, e Ursula von der Leyen do PPE. Se o partido Lei e a Justiça perdessem as eleições parlamentares do próximo ano na Polónia, ela ficaria quase totalmente isolada em Bruxelas. Não pense por um segundo que Bruxelas irá apenas seguir regras e procedimentos. Lembra-se do que aconteceu aos Conservadores depois de terem deixado o PPE e aderido aos CRE ?

Penso que é aqui que reside o maior perigo. Que a UE tente empurrá-la ou isolá-la, e que ela resista, com o eleitorado italiano do seu lado.

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O autor: Wolfgang Münchau (1961-) é co-fundador e director da Eurointelligence. Escreve uma coluna semanal sobre assuntos europeus, dirigida ao El Pais, Corriere della Sera e Handelsblatt. Foi colunista do Financial Times de 2003 a 2020 e co-fundador e editor-chefe do Financial Times Deutschland. É autor de vários livros, incluindo “Meltdown Years”. Os seus livros em língua alemã incluem o premiado Vorbeben de 2006, no qual previu a crise financeira global. Foi galardoado com o prémio SABEW 2012 para melhor colunista internacional e o prémio Wincott para jovem jornalista do ano em 1989.

 

 

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