CARTA DE BRAGA – “de agora e daqui a dez anos” por António Oliveira

A ter em atenção o que estes tempos nos estão a mostrar, saindo e entrando em crises de diversa índole, mas todas com efeitos nefastos para o homem comum e, como foi noticiado num DN já em Junho passado, a previsão da OCDE para este ano, ‘A perda de poder de compra das remunerações médias por trabalhador, em Portugal, vai rondar os 3,5% em 2022, a maior redução desde o tempo da troika e do programa de austeridade (2012) e uma das maiores do grupo de 33 países da Organização’.

Mais adianta tal previsão ‘A quebra no poder de compra dos salários médios per capita acontece, essencialmente, porque a subida da compensação média por trabalhador (por conta de outrem) é de apenas 2,9%, o sexto registo mais fraco do grupo das três dezenas de economias da OCDE’, e ainda não tinham ocorrido estes últimos desenvolvimentos das crises, mormente o terrível aumento de preços, com consequências ainda por determinar.

Mas não podemos afastar destes números, uma impossível, mas desejada discussão pública generalizada de toda a situação, por serem questões que os estados não podem ou não conseguem resolver por si mesmos e cada vez mais há gente a pedir a participação da cidadania num eventual debate. Acontece, porém, que por um lado, os partidos políticos são estruturas fechadas, apesar dos exércitos de militantes que de algum modo satisfazem quando chegam ao governo e, através deles e do controlo da informação e opinião  públicas, se pretendem perpetuar no poder. 

Por outro lado, ‘Uma grande parte da reflexão que se possa fazer sobre a democracia’, afirma o sociólogo francês Alain Touraine, ‘tem -se reduzido à procura dos meios de afastar o povo do poder’ e, referindo os serviços noticiosos, pergunta-se também dessas enormes ‘missas’ de informação não serão apenas ‘Dissuadir a procura da informação , de a cegar projectando sobre ela o incompreensível (…) é fácil numa sociedade de comunicação, reduzir o espectador a um consumidor das suas próprias emoções, ao mesmo tempo que outros ficam com o privilégio de compreender os acontecimentos’.

Convém não esquecer esse espectador, o homem normal e comum, mas o alvo principal do media, o senhor ‘todo o mundo’, isolado apesar de igual a todos os outros, o que preenche e se alimenta dos horários ‘prime time’, os da sobredeterminação e da não exigência. É o mesmo que acredita na actualização permanente, no fascínio das modas e do efémero, é aquele que, acima de tudo, apenas ‘olha’!

E vivemos uma época onde predomina a indiferença pelos temas mais candentes, onde não se lêem livros nem tão pouco jornais, mas se defende a  liberdade de expressão, não há qualquer interesse por partidos políticos, abundam os negacionistas, não se vota, mas se quer votar, aliás como é bem próprio e comum nesta sociedade de consumo globalizado, mais do que generalizado e cultura só depois da meia noite! 

Um conjunto de contradições que o filósofo alemão Peter Slöterdijk refere desta maneira, algo irónico ‘Muitos homens ocidentais até se designam hoje, despreocupadamente, como democratas’, os mesmos que pelo modo de vida e autoconsciência, são apenas ‘Ilhas nomadizantes no individualismo de apartamento das grandes cidades pós-modernas, onde a insularidade se torna a definição do próprio indivíduo’.

E não resisto em ir buscar Ortega Y Gasset ‘O característico do momento é que a alma vulgar, sabendo-se vulgar , tem o arrojo de afirmar o direito à vulgaridade e de o impor onde quer que seja. Como se diz na América do Norte, ser diferente é indecente’. Gasset escreveu isto já em 1929, em ‘A rebelião das massas’, a sua obra mais conhecida e traduzida em todo o mundo. 

E como também se verifica hoje, ‘Quem não seja como toda a gente, quem não pensa como toda a gente, corre o risco de ser eliminado’ e, aparentemente, há por este mundo, muita gente disposta a fazê-lo, ‘Porque a massa atropela tudo o que seja diferente, distinto, individual, qualificado e selecto’.

Mas se entendermos que, no caminho conjunto da humanidade, cada nação e cada economia têm o seu próprio ritmo, também se poderiam ‘desenhar’ políticas específicas para fomentar a colaboração e diluir as desigualdades, usando as tecnologias e a comunicação. Poder, poderíamos e podemos, mas o ritmo da informação e a falta de liberdade, usando as mais diversas formas, acaba por bloquear qualquer ideia de um futuro melhor. 

Vêm a propósito uma das últimas declarações de Jorge Sampaio até para celebrar este dia!, ‘Não sei como será o mundo daqui a cinco ou a dez anos. Mas espero que possa olhar para trás e perceber (…) que conseguimos preservar os valores da democracia, dos direitos, da liberdade e da tolerância em que acreditamos’.

Quem dera!

António M. Oliveira

Não respeito as normas que o Acordo Ortográfico me quer impor

 

 

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