Maria do Céu Guerra
Carta aberta ao nosso querido Júlio Cardoso actor, encenador, fundador da Seiva Trupe
por Maria do Céu Guerra
Querido Amigo Júlio Cardoso
Perde-se no tempo a data em que nos fizemos amigos. Havia ditadura, havia censura e fomos e estivemos no Porto a abraçar-te porque a tua Bernarda Alba tinha sido censurada e os cartazes do José Rodrigues tinham sido proibidos e arrancados de circulação. Éramos novos e a energia com que nos perseguiam fazia-nos tão fortes que tínhamos a certeza de que um dia eles iriam cair pela força do nosso vento e a vontade de muitos. Eles caíram e nós cinquenta anos depois ainda lutamos por justiça. Justiça social, justiça cultural. JUSTIÇA.
A democracia com que sonhávamos venceu, mas os sem abrigo continuam à espera que um direito fundamental lhes seja concedido uma casa para morar. E nós lutamos ainda para dar vida ao sonho que o nosso país aceite o melhor que todos os dias insistentemente lhe queremos dar e nos rejeita. Um sonho tão simples, tão leve, tão generoso, tão antigo. Criar, trocar, ensinar, aprender, trocar saberes, experiências, emoções.
“Irás ao Paço, irás pedir que a tença seja paga na data costumada,” dizia Sophia referindo-se a Camões. Vá lá, estamos bem acompanhados. E este País também a nós nos mata lentamente…
Mas nesse tempo os Reis morriam na guerra, tinham essa grandeza e agora veem-nos a nós morrer e vão à vida. Vão para a praia…
Tem paciência, tem força a força que sempre tiveste, meu querido amigo. Combateste indiferenças históricas, denunciaste injustiças históricas, compadrios históricos. Foste perseguido.
Mas a tua cidade ama-te, trabalhaste para ela, enriqueceste o seu olhar.
Já ganhaste.
Viva a Seiva Trupe.
Nós por cá faremos o que pudermos.
DA BARRACA
maria do céu guerra