CARTA DE BRAGA – “dos donos da terra” por António Oliveira

Li, há já alguns dias, a crónica de um veterano, experimentado e muito publicado jornalista, que começava assim ‘O Evangelho diz-nos que os humildes herdarão a terra. Uma bonita ideia refutada pelos factos. São os mentirosos a herdar a terra. Não, já a herdaram! São tão donos da terra que até têm nas mãos a capacidade de a destruir!

A crónica apareceu uns dias depois da Cimeira de Davos, não um fórum de decisão, mas sim de expressão pública e privada, de políticos, CEO’s e peritos diversos, onde imperam os avanços tecnológicos, se estabelecem ou se repõem contactos de toda a ordem, a mostrar como a geopolítica é hoje fundamental, até porque ali se podem contactar os acima citados, muitos mais numa só semana, do que num ano de viagens caras, demoradas, e devidamente agendadas.

Mas parece ser também uma visão muito pessoal e crítica do cronista ao que ali aconteceu por, aparentemente, Davos poder ter marcado o fim de uma era económica, talvez a da separação do capitalismo financeiro, o que se pautava pela maximização dos lucros e outros benefícios das empresas, favorecendo gestores e investidores, para passar também a ‘olhar’ para empregados, clientes e cidadãos, um tema que arrastava há muitos anos.

Mas não se pode esquecer que o maior propósito de Davos e de todos os ‘maiorais’ que ali deslocam sempre que há reunião marcada, com tempo suficiente para serem adiados outros propósitos, é manter a crença de que o que é bom paras os negócios também é bom para governos, da mesma maneira que nos concílios das diferentes Igrejas, também se procurava e procura a fé autêntica, aquela que até dizia que ‘os humildes herdarão a terra’.

Aliás, a activista sueca Greta Thunberg que também ali se deslocou, afirmou logo à chegada, ‘As elites financeiras dão prioridade à cobiça e aos benefícios a curto prazo, muito por cima das pessoas e do planeta; agora mesmo vemos aqui em Davos, a gente que está a alimentar a destruição do planeta, que está no centro da crise climática, que investe nos combustíveis fósseis e, que apesar de tudo, é a gente em que aparentemente confiamos para resolver os nossos problemas.

Aliás, afirma Fernanda Rollo, professora na Universidade Nova em Lisboa, ‘Com as diferenças, e sobretudo a concorrência exacerbada e a natureza das suas ambições, o actual modelo de desenvolvimento económico encerra e tem gerado enormes desequilíbrios. Veja-se como a pandemia veio evidenciar assimetrias e desigualdades, expondo as fragilidades do sistema e, pela primeira vez nos tempos mais recentes, ligando crises ecológicas e de saúde.

A reforçar todos estes pensamentos e os testemunhos que, como sempre aqui vou deixando, também o filósofo Daniel Innerarity, garantiu, no passado dia 23 de Janeiro, ‘A política converteu-se numa imensa máquina de obter vantagens a curto prazo à custa de terceiros, pela competitividade e sem estruturas duradouras para a intervenção, por partidos e os sindicatos serem muito débeis, e termos lideranças mais do tipo pessoal’.

E a terminar como comecei, volto a outra citação, não do Evangelho, mas dos ‘GenesisDeus criou o homem e a mulher e disse-lhes ‘Crescei e multiplicai-vos’-; tudo bem, mas receio bem que, se fosse hoje e a manterem-se as condições de bem-estar só para uma parte diminuta da população, mais a miséria que que se vai espalhando pelo mundo, o Criador acrescentaria com toda a certeza, ‘Mas não se reformem!; haverá sempre alguém a lucrar com isso!

Tenha a certeza de que Ele veria e pensaria nas lideranças do tipo pessoal, no poder das corporações, das Lagardes, dos senhores das guerras, nos do petróleo, nos do gás, nos dos media e, se tudo continuar na mesma, não iremos crescer muito mais, dificilmente nos multiplicaremos e nem será necessário haver reformas!

António M. Oliveira

Não respeito as normas que o Acordo Ortográfico me quer impor

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