Aprendi a importância da ficção pela amizade do responsável da biblioteca municipal da cidade onde nasci, por ma ter mostrado com Nuno de Montemor, o escritor da Beira interior, logo seguido de Camilo, Eça, Ramalho e Vergílio, até chegar a Caldwell, Faulkner, Maupassant, e muitos mais, daqui e lá de fora, alguns dos quais me pedia para não mostrar nem dizer a ninguém, porque no dizer de Flaubert, ‘Há no mundo uma conjura geral e permanente contra duas coisas, a poesia e a liberdade; as pessoas de gosto encarregam-se de exterminar uma, tal como os agentes da ordem de perseguir a outra’.
Depois, calmamente e sem estar mais alguém na biblioteca, punha a mão no meu ombro e dizia baixinho ‘A leitura endireita as costas! Não tas deixa curvar!’
Só anos mais tarde entendi o verdadeiro significado das duas sentenças, quando começámos a trocar e emprestar livros e folhas de stencil com palavras escritas, cópias de páginas de mais autores, Ramalho, Almada, Aquilino e Salinger, Kerouac, Dostoievski e sei lá quantos mais, mais os poetas de cá e de lá, Pessoa, Torga, Sophia, Sá Carneiro, Botto e Antero, que me ‘impuseram’ trilhar estes caminhos há muitos anos, mantendo amizade até com alguns dos de agora que me brindam com a sua estima.
Descobri também, o que alguém disse –não me lembro quem foi, nem sei se foram estas as palavras– que nunca esqueci ‘A poesia é o segredo infindável do real, por ir até ao fundo secreto de mim mesmo, por a ver passear entre as árvores e lá, entre a natureza, no-la mostrar misticamente’; creio mesmo não haver melhor remédio para a solidão que o encosto numa árvore, bem longe dos fumos dos automóveis.
Li há alguns dias que o filósofo Gregorio Luri, catedrático em Barcelona, define o homem destes tempos, como um ser que cria e vive numa constante problematização de tudo, num pessimismo que o impede de usufruir as coisas mais singelas da vida, por ‘Tal problematização afastar da experiência da vida, do concreto, da sua alegria ou da sua tristeza, do luto ou da euforia’; só um compromisso forte com vida se opõe à paralisação ou à insensibilidade cínica, reforça o filósofo.
Alguém escreveu também, a pensar nos últimos acontecimentos políticos, se político se pode dizer do trumpa ou do boçalnaro, que até já sabíamos antes, como a ciência é um campo de conhecimento vedado a idiotas, pois podem passar séculos até estas pessoas, meterem na cabeça que a terra é redonda ou, como escreveu um cronista, ‘Deus criou o macaco para que eles o pudessem ver e atirar-lhe amendoins num Jardim Zoológico’; Copérnico e Darwin, nunca jogaram futebol, nem nunca tiveram conta no Facebook.
A complicar toda esta paisagem, a pandemia e a guerra estão a obrigar toda a gente a confinamentos e a fazer poupanças, que a vida não é nenhum brinquedo, que o outro, aquele que nos é, ou está, mais próximo, até pode aproveitar esses tempos mortos para se instruir, para expor ideias, pensamentos e dúvidas, tomando como exemplo que Thomas Moro escreveu na prisão, Kant nunca saía de Konigsberg a cidade onde nasceu, e Hegel morreu pela epidemia de peste em Berlim, escrevendo até ao último dia de vida.
Por outro lado, um estudo da Unesco afirma também que as taxas de escolarização decresceram, entre 2015 e 2020, em um de cada dez países do mundo e, um de cada três, recuou na eficiência da aprendizagem e no número de docentes formados; não são boas notícias para o campo da educação, a conhecer outros e bem graves problemas, tanto cá como em mais países deste nosso mundo.
Mas as desgraças e adversidades não podem impedir o crescimento do conhecimento e do espírito, ou então, como dizia J.G. Ballard, o satírico escritor e ensaísta inglês, ‘Os únicos filósofos autênticos que nos restam hoje, são os polícias’, especialistas que são em confinamentos de qualquer espécie.
Quão longe vamos ficando do aforismo de Rosa Luxemburgo, ‘A liberdade é sempre a liberdade do que pensa diferente’.
António M. Oliveira
Não respeito as normas que o Acordo Ortográfico me quer impor